20 de novembro: Dia Nacional da Consciência Negra

Data relembra a escravidão no Brasil e incentiva o debate sobre racismo e desigualdade social
sexta-feira, 19 de novembro de 2021
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
20 de novembro: Dia Nacional da Consciência Negra

Na data em que o maior símbolo da resistência negra do país foi morto, celebra-se o Dia Nacional da Consciência Negra. Zumbi liderou por anos o Quilombo dos Palmares, que ficava na região que hoje pertence ao estado de Alagoas, e é considerado o maior e mais duradouro espaço de resistência dos escravos na época do Brasil colonial. Zumbi foi capturado, morto e decaptado em batalha.

O Dia da Consciência Negra foi instituído por lei federal em 2011. Mas, antes da criação da data no Brasil, o Governo do Estado do Rio de Janeiro já havia instituído a data como feriado estadual, desde 2002. Atualmente, os negros representam 56,20% da população brasileira. E mesmo com algumas conquistas, como as cotas para as faculdades federais e serviços públicos, a desigualdade social e de oportunidades ainda é presente na vida dos negros. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) revela que a renda média dos brancos é, em média, duas vezes maior que a dos negros.

A VOZ DA SERRA conversou com as duas mulheres negras com maior representatividade em Nova Friburgo, engajadas na preservação da cultura pan-africana, na luta contra o racismo e pela igualdade social: a vereadora Maiara Felício (PT) e a professora Ilma Santos, que é presidente do Centro Cultural Afro Brasileiro Ysun-Okê. 

VEREADORA MAIARA FELÍCIO 

A VOZ DA SERRA: Uma mulher negra e jovem, obteve a maior votação no último pleito para o Legislativo municipal. Como vê essa realidade em sua vida?

Maiara Felício: Acho que esse acontecimento foi o anseio de uma parte da população, que até então, não tinha uma ocupação na casa legislativa. É uma honra muito grande poder chegar no parlamento friburguense, com tantas quebras de recordes, ser a mulher mais jovem, a mais votada pelo PT, a primeira mulher negra. Isso é um compromisso com a população preta do nosso município, com nossos ancestrais. Vejo isso como a realização de algo que é ainda muito promissor, porque tenho certeza de que eu sozinha fui uma. Há muitas outras pessoas com muita competência para fazer um trabalho digno, bonito para uma sociedade mais justa e mais igualitária.

Quais os desafios encontrados no mandato?

Penso o que ia encarar nas dinâmicas, que, na verdade, já encarava numa escala menor, na realidade do racismo. Hoje percebo uma escuta maior da minha fala. Consigo perceber que quando tem uma autoridade abordando o tema, podemos acessar espaços que antes não conseguia acessar. Os desafios vêm muito nessa perspectiva de estar sempre preparada para lidar diretamente com a violência, que já sofremos. Já houve episódios muito pesados de racismo escrachado. Mas também devem haver novas propostas, de forma bem pedagógica e ilustrativa para fazer com que, cada vez mais, as pessoas consigam entender a pauta e simpatizar também com a luta. Acho importante falar também de desafio, porque é quase uma provocação para superar. Hoje temos que estar preparados para várias surpresas e principalmente querer superar esses desafios, que são gigantes.

Como reage aos ataques discriminatórios?

Hoje, com toda bagagem e respaldo jurídico que adquiri, conto com a parceria de uma assessora, que é advogada e cuida de toda parte jurídica. Toda vez que sofro esse tipo de ataque, denuncio, registrando boletim de ocorrência na delegacia de polícia e indo até as vias de fato. Antes, algo que me aconteceu e me marcou muito, ante mesmo de assumir o mandato de vereadora, foi ter ido pela primeira vez denunciar um caso de racismo numa delegacia. Isso me dá muita força para agora incentivar cada vez mais as pessoas que passem pela mesma situação denunciar também. Não devemos deixar passar, porque são coisas muito sérias. Falar de racismo hoje, num país onde um pai de família leva 80 tiros, falar de racismo num país onde se confunde uma marmita com uma arma, - e sabemos muito bem a cor das pessoas que estavam nessa situação -, faz urgente não termos que esperar mais. Vivemos 133 anos de pós escravidão e precisamos falar desse tema. Trata-se de algo levanto com muito afinco e levo sim às vias de fato.

Quais os seus projetos para diminuir a desigualdade de oportunidades para os negros em Nova Friburgo?

Tinha propostas de campanha, visando muito o âmbito da violência contra as mulheres, que logicamente também estão voltadas para as mulheres pretas. Há índice de aumento da violência contra as mulheres pretas, enquanto para mulheres não pretas essa violência é menor. Acho muito importante pensar nessa perspectiva porque trata-se de uma corrida contra o tempo para garantir a resistência, a dignidade de vida dessas mulheres. Hoje tenho legislado e fiscalizado muito nesse sentido. Hoje, temos quatro leis sancionadas em Nova Friburgo e é muito legal falar sobre isso, porque já é possível ver se concretizando no município a garantia do direito dessas mulheres. Pensando nessas questões sociais, atingimos diretamente a população preta. Há muito mais para legislar e falar. Tenho outras propostas para o município, mas hoje, devido ao recorte de violência, tenho focado mais no combate à violência contra a mulher, porque, quando o tema é esse, não dá para esperar. Vale ressaltar que as nossas leis têm esse recorte de raça e de gênero. É muito interessante direcionar esse olhar a partir da pesquisa, do mapeamento da realidade local.

Deixe uma mensagem final sobre o Dia da Consciência Negra. 

Acho importante lembrar que hoje, uma menina preta, que olhar para dentro da Câmara de Vereadores vai se ver ali dentro, esteticamente falando, também dentro das pautas, mas principalmente, o meu mandato como vereadora incentiva a população a participar da política, porque é a política que decide o que a população vai viver enquanto cidade, enquanto sociedade. Procuro sempre incentivar e possibilitar a participação das pessoas. Fazer com que a democracia chegue de fato para todos, que todos tenham espaço para discutir, que todos tenham o direito de falar e de escutar. E fazer com que cada vez mais o povo preto tenha protagonismo na cidade. É muito fácil pensar Nova Friburgo a partir da colonização, mas antes da colonização, tivemos um quilombo aqui, tivemos uma história que muitas pessoas não contam de existência dos nossos ancestrais no nosso próprio município. Acho interessante trazer essa reflexão, porque muitas pessoas acreditam que Nova Friburgo não foi uma cidade escravocrata, que não deve nada aos pretos, mas, se Nova Friburgo tem 200 anos e a escravidão acabou há 133, são aproximadamente 70 anos que precisam ser reparados. E com urgência.


ILMA SANTOS, PRESIDENTE DO CENTRO CULTURAL AFRO BRASILEIRO YSUN OKÊ

A VOZ DA SERRA: Como presidente também da Colônia Pan Africana, me fale um pouco da chegada dos negros em Nova Friburgo.  

Ilma Santos: Precisamos entender que o Brasil nasceu, se organizou e viveu durante mais de 300 anos dentro de um esquema escravagista. A história do negro em Nova Friburgo começou por volta do século 18 com a vinda dos portugueses. Saímos da África, reis, rainhas, príncipes e princesas e chegamos ao Brasil escravos. Até hoje muitas das histórias contadas mostram o negro simplesmente como escravo, não fala da valiosa contribuição do povo negro ao país. Por exemplo, em Nova Friburgo o maior produtor de inhame é o distrito de Lumiar, um distrito colonizado por suíços e alemães. Mas, de onde vêm as raízes do inhame? Em que parte da Suíça ou Alemanha se plantava inhame? Com isso, se comprova a contribuição do povo África (escravizado). Quando os suíços e alemães aqui chegaram já encontraram os negros. Cabe ressaltar que faltou ao negro a oportunidade de retornar ao país de origem no Continente Africano, caso não se adaptasse ao Brasil. O negro não teve opção de escolha, pois o principal apoio que teria para lutar era a família e isto também lhe foi tirado, haja vista o grande processo de segregação. Dificilmente uma família era comprada por inteiro, artimanha utilizada pelos opressores para fragilizar os negros, principalmente os homens jovens e saudáveis.

A senhora é engajada há muitos anos na luta pela igualdade e justiça social dos negros. Como começou esse movimento?

A minha participação foi acidental, uma vez que eu já tinha participado de reuniões no início dos anos 1980 e não tinha gostado. Em 1987, próximo aos 100 anos da “pseudo” libertação dos escravos, fui literalmente levada pelas mãos do saudoso Humberto Damasceno (Humberto da Ambulância) para uma reunião de organização de um evento chamado Axé Friburgo Axé. E, a partir daí, comecei participar como coordenadora do Grupo de Dança Afro Brasileira Ysun-Okê, hoje o Centro Cultural.

Desde que começou, acha que houve avanços?

Sempre se avança nas questões étnico-raciais, porém ainda temos muito que avançar, haja vista ainda ter que se discutir, nos dias de hoje, o racismo estrutural e Institucional, que deixou de ser velado nos últimos tempos no Brasil. Quando existe a necessidade de ações de políticas públicas para qualquer questão é porque ainda não foi finalizado o ciclo.

Qual a realidade do negro hoje em Nova Friburgo?

O quadro apresentado hoje já é um pouco diferente, precisa melhorar, mas já avançamos em alguns aspectos, porém precisamos, enquanto população friburguense, refletir sobre qual é o papel do negro e afrodescendente hoje em Nova Friburgo, onde estamos, em que trabalhamos, qual o nosso grau de escolaridade, como participamos na gestão do município e a visão do negro em relação ao município.

O que gostaria de acrescentar sobre a celebração da Consciência Negra.

Faz-se necessário pontuar que o negro faz parte da sociedade brasileira e, consequentemente, de Nova Friburgo e, por isso, ele pode discutir o 13 de maio e 20 de novembro, futebol, capoeira, rap, soul, funk blue, jazz, mas também deve ser abordado para discutir políticas públicas e partidárias, economia, relações exteriores, saúde, inovação cientifica, astronomia, ecologia entre outros. Nós estamos prontos e não é por sorte. Nós estudamos, nos preparamos para tal. Gostaríamos de ver as nossas falas e questões visibilizadas nas mídias e imprensa em outros momentos, não apenas por ocasião das celebrações de 13 de maio (Dia da Abolição da Escravatura no Brasil) ou 20 de novembro (Dia da Consciência Negra).

 

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