Com o aumento da expectativa de vida no Brasil, cada vez mais famílias enfrentam uma realidade delicada: o cuidado com os pais idosos. Uma dura fase, que por muitas vezes, costuma ser marcada por conflitos e dificuldades. É assim que especialistas resumem a forma como o envelhecimento dos pais é encarado diversas vezes, porque muitos filhos não estão preparados para lidar com as exigências desse período e existem também questões legais que muitas vezes passam despercebidas.
Os filhos que se dedicam ao cuidado integral dos pais idosos têm benefícios reconhecidos pela Justiça
Não cuidar dos pais e familiares idosos também é uma forma de violência, tema abordado ao longo deste mês durante a vigência da campanha Junho Violeta, de conscientização sobre a violência contra os idosos no Brasil.
Assim como os pais têm a responsabilidade de cuidar dos filhos durante a infância, os filhos têm o dever de amparar os pais na velhice. Esse princípio está previsto não apenas na Constituição Federal, mas também no Estatuto do Idoso (lei 10.741/2003), que protege os direitos das pessoas com mais de 60 anos.
Por outro lado, o mesmo Estatuto garante ao idoso o direito à dignidade, autonomia e liberdade de escolha, o que impõe limites à interferência dos filhos sobre suas decisões mesmo em situações de fragilidade.
Quando o cuidado vira obrigação
Se os pais idosos perderem a capacidade civil (por doenças como Alzheimer em estágio avançado, por exemplo), os filhos podem ser nomeados curadores legais por decisão judicial. Nesses casos, é o curador quem administra os bens, decisões médicas e questões legais do idoso.
Entretanto, mesmo sem a curatela, há um entendimento jurídico de que a omissão ou o abandono de um idoso dependente pode configurar crime de negligência ou abandono de incapaz, com previsão no Código Penal.
Direitos dos filhos cuidadores
Muitos filhos que dedicam tempo integral ao cuidado dos pais acabam abrindo mão da própria carreira, estudos e vida social. Mas poucos sabem que também possuem direitos reconhecidos pela Justiça e pela legislação:
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Auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (em caso de afastamento do trabalho formal por sobrecarga emocional ou física);
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Possibilidade de isenção de imposto de renda para idosos que vivem sob seus cuidados, dependendo da renda e da declaração conjunta;
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Prioridade em programas sociais de apoio a cuidadores familiares, ainda que poucos municípios ofereçam esse suporte;
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Benefícios sociais ou trabalhistas, como o BPC/Loas (para idosos sem renda e que exigem cuidados integrais).
E o idoso que não tem filho, de quem é a responsabilidade?
A responsabilidade de cuidar de um idoso é, em geral, dos seus filhos. Contudo, se o idoso não tiver filhos, a responsabilidade recairá sobre os seus irmãos. Se nem os irmãos forem capazes de oferecer os cuidados devidos, os netos deverão assumir a responsabilidade.
No entanto, se o idoso tiver filhos e por algum motivo não for possível oferecer os cuidados necessários, seja por motivos de distância ou morte, então todos os parentes, incluindo os netos, deverão assumir a responsabilidade de forma complementar.
Dados alarmantes
De acordo com a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), os estados com maior número de denúncias registradas pelo Disque 100, em 2023, foram: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia que, juntas, correspondem a 61,6% do total no país. De 2018 a 2022, foram notificadas 121 mil situações de violência cometidas contra pessoas idosas no Ministério da Saúde.
Dados disponibilizados pelo Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Pessoa Idosa (CAO Pessoa Idosa), do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), no período de junho de 2024 a junho de 2025, revelam que o órgão recebeu 2.544 notícias de violência contra a pessoa idosa no território fluminense.
Os dados passados à Ouvidoria do MPRJ referentes a notícias de fato de casos de violência contra idosos indicam:
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Negligência: 29,61%
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Violência psicológica 19,06%
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Abuso financeiro 15,95%
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Abandono familiar 11,63%
Como denunciar
De acordo com o MPRJ, nesses casos sugere-se que a pessoa que quer informar a situação de violência use os canais da Ouvidoria/ MPRJ:
Formulário eletrônico:
https://www.mprj.mp.br/comunicacao/ouvidoria/formulario, ou ligar para 127 (ligação gratuita dentro do Estado do Rio de Janeiro) e 21-3883-4600 (demais localidades).
Ao receber a notícia normalmente o promotor de Justiça instaura um procedimento administrativo para a investigação dos fatos, no bojo do qual os filhos são intimados a prestar depoimento. Caso constatado o abandono, os filhos são processados em ação de alimentos, sem embargo de eventual responsabilidade criminal pelo tipo penal do art. 97, 98 ou 99 do Estatuto da Pessoa Idosa.
Pelo Disque 100, o canal de denúncias de violações de direitos humanos da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), é possível denunciar todos os tipos de violência contra pessoas idosas. O serviço é gratuito e funciona ininterruptamente, 24 horas por dia, todos os dias da semana, inclusive feriados, e pode ser acionado pelo site oficial, com atendimento na Língua Brasileira de Sinais (Libras) e pelo WhatsApp (61) 99611-0100.
Nova lei
No último dia 16, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4.626/2020 que altera o Estatuto do Idoso para aumentar as penas para os crimes de abandono de incapaz e de maus-tratos, além de modificar as penas do crime de exposição a perigo da saúde e da integridade física ou psíquica do idoso. Os deputados mantiveram as alterações do Senado ao projeto, que agora segue para sanção da presidência da República.
Pelo projeto, as penas para o crime de abandono de incapaz passam de seis meses a três anos, para de dois a cinco anos e multa. Nos casos em que o abandono resulta em lesão corporal de natureza grave, a pena passa a ser de reclusão, de três a sete anos, além de multa.
Ainda de acordo com a iniciativa, se o abandono resulta na morte do idoso, a pena será de oito a 14 anos de prisão e multa. Nas mesmas penas incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado.
Junho Violeta
O mês de junho é conhecido nacionalmente como “Junho Violeta”, que marca a conscientização sobre a violência contra a pessoa idosa, um problema silencioso e muitas vezes invisível na sociedade que a cada dia envelhece mais.
A data de 15 de junho é reconhecida como o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. A campanha também reforça a importância da denúncia e do respeito aos direitos dessa população que conscientiza sobre a violência contra a pessoa que necessita de proteção e muitos cuidados.
O Junho Violeta busca alertar sobre abusos físicos, psicológicos, financeiros e o abandono, que afetam milhares de idosos. Durante todo este mês, governos e entidades reforçam ações de prevenção e proteção.
* Reportagem da estagiária Laís Lima com supervisão de Henrique Amorim
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