Curtir o Inverno

Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

quinta-feira, 19 de junho de 2025

       Há quem torça o nariz assim que as temperaturas caem e os ventos frios anunciam a chegada do inverno. Há quem conte os dias para o retorno do calor, como se o frio fosse um inimigo incômodo a ser vencido, suportado com cobertores e queixas. Mas eu proponho outra lente: e se, em vez de resistir, a gente acolhesse o inverno? E se, em vez de sobreviver a ele, a gente escolhesse vivê-lo?

       Não é preciso muito para perceber que o inverno convida à introspecção. Os dias menores, as noites mais longas, a natureza em pausa — tudo nos empurra, de forma quase silenciosa, para dentro. Dentro de casa. Dentro de nós. E talvez esse seja o maior presente da estação: a chance de reencontro com aquilo que o ritmo frenético do verão muitas vezes arrasta para debaixo do tapete.

       Nos meses mais frios, somos quase obrigados a desacelerar. Trocar o agito por um bom livro, uma manta, uma xícara de chá fumegante. Aquecer o corpo, mas também o espírito. Pode ser desconfortável no início — como tudo o que exige presença. Mas basta nos permitirmos um pouco para perceber o quanto há de beleza no recolhimento.

       Curtir o inverno talvez seja justamente isso: fazer as pazes com a quietude. Com o não fazer tanto. Com o vestir mais, com o comer mais quente, com o conversar mais devagar. É aceitar que não se trata de uma estação improdutiva, e sim de um tempo de gestação invisível. Enquanto tudo parece dormindo, há brotos sendo preparados. E não raro, em meio ao silêncio das noites geladas, nascem ideias, compreensões e afetos que jamais emergiriam no calor dos dias ruidosos.

       Tem também o lado de fora. Os casacos, os cachecóis, as botas — pequenos prazeres que tornam os passeios, mesmo os breves, mais charmosos. O céu de inverno costuma ser de uma nitidez quase poética, e as manhãs, com aquele sol tímido, mas luminoso, têm um sabor especial. O frio nos convida a estarmos mais juntos — porque calor humano também aquece.

       Não falo de romantizar excessivamente. Há invernos internos difíceis de atravessar, e há corpos que sofrem com a queda das temperaturas. Reconheço isso.  Mas mesmo assim insisto: há delicadezas no inverno que só se revelam para quem está disposto a senti-las. E senti-las é uma escolha.

       Assim como escolhemos o que comer, o que vestir ou com quem estar, também podemos escolher como atravessar uma estação. A vida, afinal, é feita disso — da forma como atravessamos os dias, os tempos, os climas, os ciclos. E o inverno é mais um desses capítulos que merecem ser vividos com intenção.

       Curti-lo, então, não é só sobre gostar do frio. É sobre aceitar que há tempos que pedem pausa. Que exigem cuidados. Que nos chamam à escuta. E talvez não haja maior sabedoria do que saber aproveitar cada estação com o que ela tem a oferecer. Sem pressa. Sem fuga. Com presença.

       Que a gente curta o inverno, então. Com sopa quente, cobertor no sofá, música baixa e conversas demoradas. Com alma aquecida, mesmo quando os pés estiverem frios. Com olhos atentos aos detalhes e coração aberto à beleza dos silêncios. Porque, às vezes, é só no frio que a gente aprende a se aquecer de verdade.

 

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Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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