A ciência sempre foi um campo marcado pela presença majoritária de homens, mas o cenário mudou com o passar dos anos. No Brasil, a participação feminina na produção científica cresceu de 38% para 49% entre 2002 e 2022, segundo o relatório da Elsevier-Bori. No entanto, ainda há desafios significativos, especialmente nas áreas de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Em campos como matemática (19%), ciência da computação (21%) e engenharia (24%), as mulheres continuam sub-representadas.
Diante dessa realidade, projetos como o Metis (Mulheres de Exatas em Ciber Segurança) surgem para mudar esse cenário. Coordenado pela cientista da computação Michele Nogueira, Ph.D. pela Universidade de Sorbonne e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a iniciativa busca incentivar a presença feminina na cibersegurança, um setor essencial no mundo digital e dominado por homens.
“Métis é a Deusa grega da proteção. As mulheres têm preocupação intrínseca com proteção; por isso, trazem perspectivas diferenciadas e necessárias para construção de soluções de cibersegurança”, explica a cientista da computação.
(Foto: Cientista da computação Michele Nogueira)
Michele Nogueira atua há quase 15 anos como professora na área de ciência da computação e relata que a predominância masculina sempre foi uma constante. Desde a graduação, passando pelo doutorado e chegando à docência, a presença feminina nas salas de aula e nas pesquisas é reduzida. "Às vezes entramos em uma reunião com 45 homens e apenas uma ou duas mulheres. Isso pode ser muito intimidador para as estudantes, levando à desistência antes mesmo de tentarem trilhar essa carreira", afirma.
A ausência de referências femininas em altos cargos acadêmicos e empresariais é outro fator que desmotiva as mulheres a continuarem na ciência. Uma pesquisa da Unesco revelou que, à medida que avançam na carreira, menos mulheres permanecem no setor. "As meninas que estão na base não veem referências femininas nos altos postos. Isso as desmotiva a seguir na carreira, além dos desafios estruturais como a carga desproporcional de tarefas domésticas e a falta de oportunidades igualitárias", explica Michele.
O impacto da cibersegurança e a importância da presença feminina
O setor de cibersegurança tem demandado cada vez mais profissionais devido ao aumento de ataques cibernéticos. No Brasil, apenas no terceiro trimestre de 2024, o país registrou um aumento de 95% nos ciberataques, com mais de 2.766 mil ataques semanais, segundo a Check Point Research.
O projeto Metis atua no incentivo da formação de profissionais para atuar no combate a esses ataques cibernéticos. "Devido a questões como ataques que ocorrem a todo momento, golpes que acontecem na internet, essa nossa convivência hoje com os dispositivos digitais não tem mais como se dissociar. Nós precisamos utilizar, mas precisamos também ter uma consciência de uso seguro desses dispositivos para não dar mais margem ainda do que eles já têm para coletar nossas informações ou então eventualmente cair em algum golpe”, destaca a cientista.
Como o projeto Metis atua
Criado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o Metis busca promover a inclusão feminina desde a educação básica até a inserção no mercado de trabalho. As principais frentes de atuação do projeto incluem:
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Conscientização: promove palestras e oficinas em escolas do ensino fundamental e médio sobre cibersegurança e carreiras na área;
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Desenvolvimento de habilidades: oferece atividades e mentorias em escolas;
Atualmente, o Metis está presente em sete escolas da região metropolitana de Belo Horizonte-MG. "Queremos que as meninas entendam que têm plenas capacidades de atuar na ciência e na tecnologia", afirma Michele.
Os desafios da permanência na carreira
Apesar do incentivo, um dos grandes desafios é garantir que as mulheres permaneçam e avancem na carreira científica. A falta de políticas de equidade de gênero, preconceitos enraizados e dificuldades estruturais fazem com que muitas desistam no meio do caminho.
Um exemplo citado por Michele é uma estudante de graduação que participa do Metis e que já enfrentou exclusão em seu curso. "Ela relatou que, muitas vezes, sentia que sua presença era ignorada ou que suas opiniões não eram valorizadas. Essa é uma experiência recorrente entre mulheres na tecnologia", lamenta a cientista.
Outro episódio marcante foi uma entrevista concedida pela própria Michele sobre o projeto. "Ao final, recebi uma mensagem de um espectador afirmando que 'mulheres não foram feitas para exatas'. Isso mostra como ainda enfrentamos resistências e preconceitos arraigados", conta.
O papel das políticas públicas
Para transformar esse cenário, Michele defende a criação de políticas públicas que incentivem a equidade de gênero na ciência e tecnologia. "Já existem medidas como a ponderação do tempo de licença-maternidade na avaliação de currículos científicos, mas precisamos de mais iniciativas para garantir que as mulheres tenham oportunidades reais", destaca.
Embora não seja favorável a cotas permanentes, a cientista acredita que medidas temporárias podem ajudar a abrir espaço para a inclusão feminina. "O ideal é que a presença das mulheres cresça de maneira orgânica, mas, enquanto isso não acontece, algumas iniciativas são necessárias para impulsionar essa mudança", conclui.
O futuro das mulheres na ciência
Com iniciativas como o Metis e o crescente reconhecimento da importância da equidade de gênero na ciência, a esperança é que o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência seja, cada vez mais, uma celebração de conquistas e avanços. Ainda há desafios a superar, mas projetos como esse mostram que o caminho para a inclusão e diversificação na ciência está sendo trilhado.
No perfil do Instagram @michelenl, a cientista da computação publica conteúdos acessíveis e educativos sobre cibersegurança para informar e educar quem quer se inteirar mais sobre o assunto, que já é uma realidade que demanda a atenção de todos no dia a dia.
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