Das mães solo que chefiam famílias, seis em cada dez são mulheres pretas e de baixa renda. A histórica estrutura escravocrata leva a uma repetição deste modelo, que, segundo a professora da Unicamp, Joice Vieira, será superado a partir de uma mudança de mentalidade.
Recentes transformações sociais deram mais visibilidade e reconhecimento para as novas configurações das famílias no país
“A maioria dessas mulheres fica sozinha com seus filhos por causa do abandono dos pais, e não por uma opção delas. Por isso, é necessário trabalhar desde cedo com os meninos a paternidade como um valor e educá-los para a máxima de que homens e mulheres são igualmente responsáveis pelos filhos que geram”.
Em 2022, mais de 165 mil crianças não tinham o nome do pai registrado em suas certidões de nascimento. Estima-se que o Brasil, em 2018, possuía mais de 11 milhões de mães solo. Magali Dantas, técnica judiciária do Rio Grande do Sul, foi mãe após os 40 e o marido mora em outra cidade. A gravidez de Raphael, 9 anos, aconteceu de maneira não planejada.
“Aos 44 anos, adotei a ideia de ser mãe sem saber se meu companheiro estava a fim de engajar nesse projeto. Considerei que engravidar espontaneamente foi como ganhar na loteria. Ele decidiu que também seria pai e que formaríamos uma família”, contou.
Magali Dantas comenta que a maternidade não era um desejo forte por motivos socioeconômicos. “Sou uma mulher negra, periférica e desde muito cedo fui estimulada a estudar e procurar cumprir alguns ritos para poder me realizar profissionalmente e intelectualmente. Não é que eu não queria ter filhos, mas não encontrava espaço para isso na minha vida”, reflete. Após o nascimento de Raphael, ela destaca que conheceu “emoções e sentimentos que jamais teria conhecido se não tivesse sido mãe”.
Conquistas e famílias mais plurais
A psicóloga Tainá Valente, pesquisadora de temáticas sobre raça, gênero e psicologia preta, lembra que o desenvolvimento de uma criança é responsabilidade coletiva e que, nas tradições africanas, as crianças representam “a continuidade não só da sua família, mas da sociedade com seus valores e tradições” e que serão responsáveis por seguir imprimindo pluralidade e ocupando mais espaços, deixando para trás polêmicas antigas sobre o que seria a tradicional família brasileira.
A cientista social, Joice Vieira, recomenda avançar os debates para garantir serviços de cuidado para crianças que não estejam restritos à figura feminina, pois essa atribuição era exclusiva das mulheres e hoje elas desempenham outros papéis sociais. Neste caso, ela enfatizou:
“É indispensável que haja mais creches e escolas em tempo integral, e, principalmente, a divisão igualitária de tarefas de cuidado”.
Enquanto Vieira opina duas hipóteses sobre o futuro das novas famílias apostando no aumento expressivo de mulheres que não terão filhos porque assumem que não dariam conta e passam a priorizar outras dimensões de suas vidas; ou mais homens envolvidos de maneira permanente com as tarefas de cuidado, Valente reforça que outros modos de maternar e paternar não excluem o principal componente familiar que é “o amor, a afetividade e a construção de um espaço seguro para a criança desenvolver suas potencialidades de forma saudável, tendo o suporte necessário para atravessar todas etapas”.
“Só em ambientes preparados para receber famílias diversas, as crianças poderão se desenvolver e ter a chance de ser o legado de suas famílias”, definiu.
(Fonte: Portal Luneta)
Deixe o seu comentário