Ao cheiro e ao gosto do café

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

terça-feira, 08 de outubro de 2024

A vida é cheia de coincidências. Por que não será entre colunistas de jornal? Faz uns dias que senti uma emoção prazerosa ao fazer o café da manhã. Na maioria das vezes o faço de modo automático, quase de olhos fechados. Mas naquela manhã ensolarada, escutando os passarinhos e os cachorros da vizinhança a latir, senti uma sensação diferente. Parece que preparava algo para uma visita nobre e de cerimônia. Este alguém era eu. Talvez porque estivesse me sentido majestosa diante daquele dia, não mais do que uma data comum carregada de simplicidade.

Depois que coloquei o café no filtro e medi a quantidade de água numa chaleira de ágata branca que uso exclusivamente para esta finalidade, comecei a derramar um filete de água sobre o pó e a mexer com uma pequena espátula de madeira que, também, apenas a uso no preparo do café. O cheiro forte do café foi adentrando em mim como um convidado de honra. A cada inspiração, o aroma entranhava nas minhas células que despertavam de uma noite de sono. Naqueles instantes, tudo parou; o mundo era apenas eu fazendo o café da manhã. A felicidade, então, com um jeito alegre, foi se chegando a cada mexida que dava no coador de café, fazendo com que a vontade de cantar se aproximasse improvisada. Uma fome atrevida se movimentou no meu estômago, querendo degustar aquele café com torradas e queijo fresco.

Para minha surpresa, antes de iniciar a construção deste texto, li a coluna “Escrevivendo” do meu amigo e colunista deste jornal, Robério José Canto, em que abordou o café da manhã sob outro ponto de vista. Logo pensei ser uma persistência repetir o tema. Assim, tomada de dúvidas, passei uma mensagem ao Robério e trocamos ideias a respeito. Mas ele, como sempre, me estimulou a escrevê-la. Então decidi ir em frente. Aprendi, nos tempos de universidade, que todos os temas possuem inúmeros pontos de vista a serem explorados. Eu vou explorar a ideia do prazer em fazê-lo e degustá-lo como um culto ou um ritual. Como um momento nobre que não tem hora nem lugar.

Fazer o café é o mesmo que preparar um brinde à vida. Sempre fumegante, é um modo de nos aquecer em todos os sentidos. Há momentos em que a gente precisa, quando sozinhos, saldar o instante e, quando acompanhados, compartilhá-lo. Já ouvi dizer que o melhor da festa é a preparação. Com o café acontece o mesmo, desde a escolha do pó. Ora pois sim, são tantas as qualidades a serem observadas que vão desde a pureza do pó e a credibilidade do fabricante, até a data de fabricação e embalagem preservada.

O café é um bom companheiro e um ótimo ouvinte daquele que sente necessidade de refletir sobre os fatos da vida. Ah, meu amigo leitor, já pensou nas situações que podem ser resolvidas ao cheiro e ao gosto do café? Além de ser um momento propício para trocar ideias e debater uma questão mais delicada. Melhor ainda é continuar uma conversa degustando o café, sentindo o seu gosto único tomar conta da boca, tornando aquele momento inesquecível. Como também o sabor do café pode amenizar os ânimos e ser um bom motivo para pausar o trabalho.

Robério gosta de tomar café com os amigos à tarde. O assunto literário sempre vem se enroscando nas conversas, desde livros, autores e situações vivenciadas. Assunto é que nunca falta, um vai puxando o outro sem deixar a hora passar. Aí, o café sempre confirma a proposição: a literatura faz amigos.

Gosto de escrever de manhã, tomando café. Parece que a rotina matinal me faz nascer ideias e facilita a fluidez narrativa. Tenho a impressão de que o café convida os personagens a sentarem ao meu lado e a se mostrarem. Faz com que os temas dancem com a fumaça que sai da xícara. É um momento cheio de magia.

Que tal, amigo leitor, vamos, num desses entardeceres, tomar café com broa de milho?

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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