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Quem não empurrou palavras goela abaixo?
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Fiz vários anos de terapia e transformei das minhas águas em um rio de constatações, além de perceber, na vida circundante, um redemoinho de emoções. Mas, vou confessar - não em forma de segredo, mas de exclamação - que a literatura me abre os olhos também. Não há magias. As vozes dos escritores têm sabedoria, uma sabedoria que nasce na filosofia, em outros pensadores e nas esquinas. É bem interessante notar que o senso comum, exposto na conversa livre e ligeira, surge naturalmente no bota-fora nas beiras das calçadas, nas mesas de bar e cafeterias. É uma fala coloquial que mostra a vida como ela é, como dizia Nelson Rodrigues. Sem dó e sem piedade, através do deboche, comentários e das piadas, as falas dizem tudo o que está em Shakespeare. Nem reis e rainhas, padres e vilões escapam dos inesperados desacertos.
Não são poucas as situações que exigem silêncio. O silêncio tem inteligência e condições de dizer mais do que palavras, e seus efeitos são eficientes. Estou lendo o romance “Depois daquele verão”, de Carley Fortune. Diante de uma situação delicada, a protagonista, Percy, deixa escapar algo constrangedor ao personagem, Sam, que, no meio da frase, tem que recolher as palavras e enfiá-las de volta para a garganta.
Eita! Quem não experimentou isso?
Eu, milhares de vezes!
Quando é preciso segurar as palavras, a gente as engole tão rapidamente que perde o ar e fica, até, com a boca aberta. A autora Carley descreve esse momento da protagonista, como se ela estivesse presa a uma rede e paralisada. E aí me vêm as tantas horas de divã de analista que me gritam: temos que nos perdoar e entender que não há mal em empurrar palavras pela goela e experimentar o silêncio. Mas não é fazer disso uma rotina, pelo contrário, é cuidar para que não aconteça, mas se...
Conversando com amigas de trabalho e recordando a nossa querida Maria Lúcia, que não está mais entre nós, falamos da sua inteligência sutil, quando dizia: “é preciso pensar sete vezes antes de falar”. Ela estava certíssima. O pensamento seleciona ideias e as palavras com as quais vamos expressá-las. Todo o cuidado é pouco.
Tenho setenta anos e ainda estou aprendendo a achar o ponto de equilíbrio entre a espontaneidade e o autocontrole. É prazeroso nos expressarmos com originalidade; é tenso controlarmos nossas manifestações. Enfim. A construção saudável da vida nos exige esse meio termo. Nem lá, nem cá. Os caminhos do meio são os melhores. Os budistas sabem disso!
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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