Notícias de Nova Friburgo e Região Serrana
Histórias de família
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Basta-me um pequeno gesto
Feito de longe e de leve,
Para que venhas comigo
E eu para sempre te leve.
Cecília Meireles
Fiz questão de colocar um vestido bonito para me reunir com minha família. Foi um almoço cheio de lembranças e conversas. Estávamos minha mãe, minha irmã, minha prima e uma amiga, filha de amigos dos meus avós e tios. Elos afetivos nos faziam pinçar pedaços de afetos que ficaram no tempo, nunca esquecidos. Aquele momento poderia ser uma inspiração a um romance que seria iniciado no final do século XIX com a chegada de Augusto Pinto Reis no Brasil.
Tantas histórias atravessam séculos, como o romance “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo. Aliás, as trajetórias familiares são essencialmente históricas, cujos personagens, digamos assim, protagonizaram transformações na vida coletiva, a partir dos seus sonhos, necessidades e realizações. As famílias habitam nas dimensões temporal e geográfica, que vão sendo transformadas pelo homem com o passar dos anos.
Não é de hoje que os refugiados deixam marcas na história das civilizações. Acredito que a maioria das pessoas da minha geração é descendente dos milhares que saíram dos seus países de origem e veio para o Brasil por temor, perseguição ou vontade de buscar um lugar melhor para construir a vida. Graciliano Ramos retratou esse fato com veracidade e contundência em “Vidas Secas”.
Minha família materna começou com a fuga do meu bisavô, ainda menino, de Braga, norte de Portugal. Ele se fez nas terras brasileiras com suor e disposição, começando como varredor de ruas, lojas e casas. Com trabalho, persistência e esperança construiu um curtume, casou-se, fez família, teve filhos, netos e bisnetos. Teve uma casa fértil e movimentada. Sou da terceira geração e participo da transformação do mundo escrevendo. Minha avó Carmem era professora de canto e ensinou vários artistas, como Bibi Ferreira. Minha madrinha, Mandinha, irmã da vovó, cuidou da família com esmero e casou-se com um construtor que colaborou com a transformação da cidade do Rio de Janeiro. Meu tio-avô Sílvio, também engenheiro, foi um calculista respeitado da época. Minha mãe, Lia, foi bibliotecária e arquivista e esteve à frente da construção do Arquivo Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, além de ter trabalhado anos e anos como bibliotecária. Minha irmã, Lygia, é uma advogada atuante. Minha prima, Beth, e a amiga, Tota, também advogadas, porém não advogam mais. Cada um de nós se entrelaçou com a vida de um modo e deu continuidade ao que Augusto Pinto Reis iniciou.
Sou entre flor e nuvem,
estrela e mar. Por que
havemos de ser unicamente humanos, limitados em chorar?
Não encontro caminhos fáceis
de andar. Meu rosto vário
desorienta as firmes pedras
que não sabem de água e de ar.
Cecília Meireles
Durante o almoço, as histórias da família iam e voltavam, passeavam entre as conversas que visitaram os momentos, as pessoas e as casas que abrigaram a família, onde, todas nós, de alguma forma moramos ou frequentamos. Nossa família foi e é afetuosa e entre seus braços fomos e somos acolhidos. Passamos por momentos difíceis e perdas, houve desacordos e desentendimentos, mas nos foi ensinado a não perder o brilho nos olhos.
A nossa família não se difere, acredito, de milhares de outras. São essas histórias que construíram o Brasil, as Américas e o mundo. Tenho orgulho dos meus antepassados, não somente pelo que fizeram, mas pelo amor e determinação que nos mostraram o valor de dar prosseguimento à vida.
Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.
Cecília Meireles
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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