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A nobreza da ternura
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
Ao ler o romance “O Lugar do Outro, de Janimary Guerra PeccI, nossa escritora friburguense, fui transportada aos bancos da universidade quando me especializava em Orientação Educacional, finalizando o curso de Pedagogia. Um dos suportes teóricos da formação foi a obra de Karl Rogers, psicólogo americano, que escreveu a respeito do processo terapêutico centrado na pessoa. Mantive seu livro, “Tornar-se Pessoa”, por um longo tempo sob meus olhos, uma vez que além de estudá-lo, fiquei sensibilizada com suas ideias. Nessa etapa da minha formação, passei a perceber o outro com maior abertura de sentidos. Ao longo da especialização, que teve duração de dois anos, fizemos incontáveis exercícios que nos facilitaram a desenvolver esse nível de percepção. Ao dialetizar a interação entre a minha pessoa com o outro, percebi o surgimento de um gostoso sentimento decorrente do estar junto num mesmo espaço.
Janimary apresenta como base do seu pensamento a história de Ana, sua personagem, que, além de tímida, sofre bullying na escola. Com um forte sofrimento e acanhada, ela se recolhe diante da turma. Ao tecer a trama, a autora, vai mostrando a perversa impostura através da falta de respeito ao outro.
Quando o olhar não ultrapassa os limites pessoais, o ambiente e o outro tornam-se imperceptíveis, a realidade fica limitada ao campo de sentimentos e intenções individuais. A pessoa que se mantém centrada em si mesma, olha ao seu redor, porém não vê nada além do seu egocêntrico querer. Com cegueira existencial, não capta com sensibilidade os fatos e pouco toma consciência dos acontecimentos em seus meandros e da presença do outro em seus pormenores. É um olhar simplista, incapaz de observar detalhes, uma vez que a pobreza de afeto restringe os modos de conviver e interagir com respeito, solidariedade e inteligência afetiva. Num grupo imaturo, apenas uma pessoa com tais características é capaz de enfraquecer e comprometer as relações interpessoais.
O bullying é um ato de emboscada que, inesperadamente, quem o pratica golpeia uma outra pessoa para fins fúteis, como autovalorização, divertimento e perversidade. Geralmente quem o recebe é impactado pelo susto e tomado por sentimentos incapacitantes que dominam toda e qualquer reação. O bullying deixa marcas nocivas, às vezes dilacerantes, que impedem que a pessoa seja quem ela é em sua plenitude.
A falta de reação ao bullying pode vir a aumentar sua ocorrência. Por sorte, hoje, é considerado um ato maléfico. Criminoso.
Noutro dia conversei com uma amiga que me contou sua história de vida. Ela, irmã mais velha de cinco filhos, sentiu a necessidade de proteger sua mãe e irmãos menores quando seu pai se ausentou de casa. Sentindo a obrigação de defendê-los, descobriu que quando alguém vinha com “graça” para cima deles, ela, com inteligência, respondia da mesma forma e quem ficava se sentindo mal era esse alguém que não se “engraçava” mais.
Eu já fui mais boba e sofri, em vários momentos da minha vida, com brincadeiras, comentários e piadas maldosas, o que me embotou bastante. Mas, até hoje, por incrível que pareça, aos 67 anos, ainda estou aprendendo a lidar com essas situações que surgem inesperadamente. Que machucam. Inibem.
Enfim. Gostei de ler o livro de Janimary e, mais uma vez, constatei que atitudes generosas engrandecem e trazem felicidade. Compadecer-se com as dificuldades de outra pessoa, revela nobreza de alma. A família e a escola devem preservar o altruísmo e a ternura entre os seus. É uma proposta desafiadora que vai exigir um trabalhoso cuidado de fazer com que seus filhos e alunos se tornem pessoas dignas.
Tereza Cristina Malcher Campitelli
Momentos Literários
Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.
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