O mais notável dos equilibristas

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Suponho que os poetas, repentinamente, sejam tomados pelos mais arrebatadores sentimentos ante os mínimos detalhes, não mais do que pormenores que compõem uma situação, não percebidos pela maioria das pessoas, como o orvalho que escorrega na folha da árvore e cai na calçada de cimento. Mas para o poeta, são de tal forma evidentes que passam a ocupar posição de destaque no ambiente, tornando-se relevantes ao mais simples olhar. Por ter tamanha sensibilidade, o compositor de versos não precisa de lentes de aumento, apenas de sentir-se vivo. Acordado. Às vezes, num relance, é capaz de perceber a totalidade de uma emoção ou de uma dor, que seja até mesmo de um ser bruto, como a montanha, que, para ele, chora ao ser queimada e sorri quando a chuva umedece sua mata. É a pessoa que têm inteireza para vivenciar os momentos, sendo reativos aos mais triviais acontecimentos. Sua alma brota em seus poros como uma energia divina, carregada de sabedoria infinita. 

Mas se todos fossem poetas? Se habitassem em cada esquina, como seria a vida? Acredito que a essência das pessoas seria mais bem considerada. Ou será que haveria uma população de alienados? Afinal de contas, o mundo está calcado em cifras, não há como relutar contra esta premissa. É soberana. Já cheguei até a escutar que o dinheiro é tão essencial quanto o oxigênio. O que se faz sem moedas nos bancos e nos bolsos? Sem dinheiro, realmente, nada se faz. Mas sem poesia tudo continua a fluir. Esta constatação me é sinistra. Pior. O poeta não sobrevive da sua poesia! Precisa trabalhar para pagar suas contas, gastos quotidianos e realizar sonhos. Ah, ele mais sabe olhar para dentro de si e penetrar na alma de outro do que para a materialidade do mundo exterior. Que mais goste de ler do que lidar com os números dos extratos bancários.

Reinner Maria Rilke considerou que os fatos não são tão compreensíveis e explicados como se acredita, que, a qualquer momento, podem fugir às regras e tornarem-se tão extraordinários e assombrosos, que é impossível de serem descritos através de palavras. Mas, penso, que o poeta, com seus olhos de lince, consegue encontrar a palavra que penetre e desvele o mistério contido no que é silencioso e invisível em todo acontecer. Ferreira Gullar sabia disso. Catherine Beltrão também, nossa poeta, friburguense de coração.

Catherine, espantosamente, viajou dos números para as letras, dos cálculos para a poesia. Tornou-se irresistível à paixão de poetar, de vicejar com ternura e amargura sobre os momentos da vida, encontrando palavras para tocar a tênue linha entre a arte e a realidade. Transformou-se em mais uma notável equilibrista. 

Eis, então, um toque da nossa Catherine.

 

SEM PRESSA

As nuvens são eternas 

E neutras.

Sem pressa, 

Vou me esquecendo de um sorriso.

Sem pressa, 

Vou me desfazendo em ideias.

Incrível minha solidão

Passar por momentos

De tanta insensatez.

Não é que eu queira adiar

Tristezas...

Sei que o vento da noite

Anda precisando de mim.

E eu, que só preciso

De um sopro...

O contato constante

Entre pensamentos

Me provoca um cansaço total.

Imensa é a imobilidade

Deste instante.

Sem pressa, 

Pressinto e percebo

Que até o equilíbrio se consome.

 

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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