O que a pandemia do coronavírus tem a ver com a agricultura orgânica e a sustentabilidade? No caso do Brasil, você pode encontrar uma geleia de blueberry da Dinamarca no supermercado, mas não vai encontrar uma geleia de pitanga da Mata Atlântica. Nada a ver, né? De primeira parece que uma coisa não tem a ver com a outra, mas na verdade tem. Na era da globalização, ganhamos uma diversidade de trocas, sejam elas culturais ou em forma de bens, produtos e serviços (e claro, não vamos nos esquecer das trocas viróticas!).
“Você pode encontrar uma geleia de blueberry da Dinamarca no supermercado, mas não vai encontrar uma geleia de pitanga da Mata Atlântica”
Por Carolina Ribeiro
No entanto, de certa forma começamos a transformar o mercado dos alimentos numa verdadeira rota transatlântica, da qual muitos se orgulham, por poderem diversificar seus cardápios e apreciar iguarias exóticas, mas deixam de pensar no impacto gerado por esta rota e até mesmo até que ponto aquele alimento, que veio de uma terra distante, vai proporcionar os nutrientes requisitados pelo local aonde a pessoa de fato vive.
Pense... o quão sustentável é comer um macarrão italiano, ou um molho de tomate orgânico da Turquia, ou a geleia de berries da Europa? Você conhece as frutas da Mata Atlântica ou do bioma aonde vive? E o produtor de trigo do seu país, sabe onde fica? Passamos a ver a comida como um mero produto, não como algo vivo e que nos nutre, que nos conecta com a vida terrestre. Desvalorizamos o agricultor, porque ser designer é mais moderno e interessante e valorizamos mais o trabalho da pessoa que programa o computador do que a pessoa que cuida da Natureza.
Com o avanço da era industrial e da globalização (incluindo a alimentar) nos afastamos do que está mais próximo, do que é nativo, do que contém as propriedades locais. A Natureza é muito perfeita. É uma forma de inteligência que o homem ainda não compreende nem 1%. Ela provém os nutrientes necessários, através dos alimentos e das épocas do ano. No outono ela nos dá alimentos ricos em vitamina C e óleos para aguentarmos o inverno, e no verão ela provém outras, mais adequadas para a estação.
Toda planta cresce e floresce no tempo certo e que é mais adequado para o todo. Tudo programado perfeitamente. Se a ciência não sabe nem 1%, imagina o ser humano moderno, urbanoide, que não sabe nem que a cenoura vem da terra? O que esta pessoa espera da vida? Ser alimentada por uma máquina um dia? Se a Natureza for destruída, quem vai operar a máquina, ou qual insumo (alimento) você vai colocar nela pra processar seu alimento de verdade? A conta não fecha. Sem a Natureza em equilíbrio, não podemos viver bem. Vimos isso em Friburgo em 2011 e vemos agora com o Corona vírus, frutos do desequilíbrio.
Perdidos na magia do tech
A Natureza já prescreveu a dieta e dita diariamente diversas lições, só não paramos mais para observá-la, pois estamos sempre ocupados demais com o trabalho, com a tela e com os “afazeres da vida”. E agora que a Natureza nos força a parar, temos a oportunidade de olhar um pouco mais pra dentro e perceber que cultivamos uma distância, ao invés de aproximação.
O ser humano não evoluiu ao longo de milhões de anos porque interagiu com a tecnologia. Ela sempre foi uma aliada para viver em harmonia e superar dificuldades, mas jamais a força formadora do ser, por si só. Se colocamos a tecnologia para agir por nós a tal ponto que nos distanciamos tanto da Natureza, a consequência disso certamente será uma involução. Pois, novamente, não evoluímos construindo tecnologia apenas, mas aprendendo a conviver com a Natureza e seu todo, que nos sustenta.
No processo de desconexão, que começou na era da Revolução Industrial, começamos a voltar-nos para tudo que não fosse natural e valorizamos a Natureza transformada em plástico ou outro objeto e rejeitamos um encontro com uma floresta. Comemos carne mas não aguentamos um cheiro de curral. Amamos a praia, mas não suportamos o sol. Queremos as matas, mas não aguentamos os mosquitos. O ser humano se perdeu na magia do tech. Foi pra longe, mas ainda há volta.
O ser humano precisa aprender a plantar, a ser independente, a ser humano de verdade e a evoluir de forma natural, conhecendo melhor o espaço que lhe cerca. Precisa perder o nojo pela terra, o nojo pela Mãe. Não é preciso desprezar a tecnologia, afinal ela é ótima em muitos sentidos, mas precisamos rever onde a colocamos em nossas vidas, e onde colocamos as outras coisas.
Qual o valor que você dá pra vida e pras coisas? O quanto você precisa pra ser feliz? Há uma tristeza coletiva, um vazio... porque fomos pra muito longe, nos desconectamos. Botamos sapatos nos pés e cimentos nas paredes e no chão. Fechamos as portas para a vida natural para viver outra artificial e regada de bens importados, consumismos e bastante cloro pra desinfetar. Achamos que terra é mais suja que asfalto e calçada. Os valores se inverteram completamente e criamos uma mentalidade de aversão. Veja: aversão ao que nos sustenta.
O alerta contido no Covid-19
A sustentabilidade começa comigo, com você e com todos nós. Porque o Covid-19 é um chamado para a sustentabilidade (ambiental-social-econômica). Do que adianta uma nação virar potência mundial ofertando uma péssima qualidade de vida para a sua população? Fábricas inundando o mundo de plástico e pessoas passando fome.
Os Governos do mundo estão causando uma verdadeira tragédia ambiental, social e econômica e precisamos pensar em formas de tomarmos as rédeas para um futuro melhor para nossos filhos e netos. No Brasil, do que adianta sermos a maior biodiversidade do mundo e permitirmos o desmatamento da pouca floresta que nos resta? A Mata Atlântica já foi reduzida a 7%. O que mais vamos sugar da Terra?
Precisamos romper concreto, valorizar a Natureza e a vida e ordenar o desenvolvimento sustentável para nossos governantes. São muitos os desafios pela frente, há muita insegurança. Mas se nos conectarmos novamente com a Terra, vamos aprender que há muita segurança, independência e esperança.
Podemos cuidar da nossa Terra! Mas só podemos fazer isso juntos, em coletividade! Se estivermos em harmonia e conectados com ela, é pura cooperação e abundância! Nossa casa está sendo destruída e nada fazemos. Somos meros observadores, passivos.
Acredito que a pandemia do Covid-19 serve como um alerta (mais um), da necessidade de trabalharmos e cooperarmos mais como uma sociedade, assim como abelhas e formigas fazem tão elegantemente. Nessas horas percebemos que não estamos acima nem abaixo de nenhuma espécie, de nenhuma raça. Estamos co-evoluindo com estes seres que aqui habitam conosco e que nos ensinam (pasmem!) até mesmo a nos organizar, construir, cultivar, criar imunidade... Tudo que aprendemos é um reflexo na Natureza, não o contrário, é nossa grande Mãe.
Este é o chamado para a reconexão com a Natureza, com os valores da vida e do equilíbrio e harmonia, e que possamos invocar nossos guerreiros interiores para entrar nesta batalha de amor, pela Vida.
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Carolina Olga Ribeiro é agricultora orgânica, responsável pela cadeia produtiva do Sítio Cultivar, em Nova Friburgo, incluindo a produção de sementes para uso próprio e para trocas. É mestra em Agricultura Orgânica pela UFRural-RJ, atuando na área de conservação de sementes orgânicas. É pós-graduada em Agricultura Biodinâmica pela Universidade de Uberaba-MG e Instituto Elo.
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