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Por que algumas pessoas se automutilam?
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
Parece epidemia, jovens se automutilando. Automutilação é agredir a si mesmo, sem necessariamente desejar o suicídio. A ideia do automutilador é que ao se ferir obtém alívio da dor emocional a qual ainda não sabe resolver maduramente. É uma troca entre a dor emocional e a dor física. Por que alguém decide machucar seu próprio corpo?
A dor mental básica no ser humano é a angústia que produz sintomas físicos como aperto no peito, dificuldade para respirar, pressão na nuca, frio na barriga, perda ou aumento do apetite, sensação de dificuldade de engolir, e outros sintomas. Manifestações físicas da angústia ocorrem por ser uma forma de aliviar a mente.
Lidar conscientemente com dores emocionais é um desafio. A dor dói e não queremos pensar nela. Mas a dor da angústia é um sinal, um alarme dizendo que há algo errado que precisa conserto, não necessariamente através de medicação. É como a luz vermelha do painel do carro que ao acender indica um defeito. A angústia não é inimiga. Ela serve como sinal de que existe algo na sua vida que precisa ajuste, mudança, reparo.
Ao se machucar intencionalmente, a dor provocada pela automutilação diminui o sofrimento da angústia porque a pessoa passa a se concentrar na dor da ferida física. Em torno de 20% dos jovens adolescentes se mutilam, sendo 88% do sexo feminino, e mais comum entre os 14 e 16 anos de idade. Em 60% dos casos há um diagnóstico de transtorno do humor e 90% escolhem se cortar ou se arranhar. Muitos fazem isto em locais no corpo que dá para disfarçar com o uso de calça comprida, camisa ou blusa com manga longa, mesmo que esteja no verão.
Alguns automutiladores possuem uma alteração de caráter chamada Transtorno de Personalidade Borderline. Mas nem todos que se automutilam são borderlines. A palavra “borderline” significa “fronteira”, “limite”. Pessoas com características borderline apresentam um comportamento fronteiriço ou no limite entre a normalidade e a loucura. Muitos jovens praticam a automutilação ao estar vivendo sob forte pressão psicológica, possuem sentimentos de auto-depreciação e têm dificuldade de expressar verbalmente o que sentem. Em cima disso, eles têm uma imaturidade do ego, uma fragilidade psicológica que facilita esta atitude doentia.
Geralmente se ferem dando socos em si mesmos, se cortando com gilete, faca, vidro, ou outro objeto cortante, dão chicotadas em si, mordem uma parte do corpo, batem a cabeça na parede, usam agulhas para furar a pele, entre outras formas de se mutilar. A forma mais comum de automutilação é fazer cortes nas pernas, coxas, barriga, braços e pulsos. Dentre os motivos que levam pessoas a se automutilarem estão: punir a si mesmas; diminuir a ansiedade, frustração, raiva, tristeza; tentativa de mostrar o quanto aguentam uma dor física; falta de autocontrole emocional; fugir da sensação dolorida de vazio; querer se vingar de alguém e gerar culpa no outro; e também para evitar o suicídio.
Apesar de que a principal função da autoagressão é provocar dor física para aliviar a dor emocional, atendi uma jovem moça que me disse que se automutilava porque se sentia um nada. Ela havia sido desprezada pelo pai que se separou da mãe e não a procurava como filha, e a mãe havia ido para longe, deixando-a com uma avó grosseira com ela. Ela se sentiu desprezada. Se sentiu não ser uma pessoa. E ao se cortar e sentir a dor, era como se dissesse para si mesma: “Eu sou alguém! Eu sou esta pessoa que sente esta dor!”
A automutilação pode causar complicações como infecções, cicatrizes, lesões permanentes e morte. O tratamento envolve psicoterapia para a pessoa poder desabafar, ser acolhida, entender os traumas que viveu e o que tem feito com eles, aprender a lidar com suas emoções dolorosas de forma consciente e auto-protetora. Em alguns casos pode ser preciso tomar alguma medicação temporária prescrita pelo médico psiquiatra para reduzir a ansiedade excessiva, a alteração do humor ou outro sintoma complicado.
Até que a pessoa aprenda a administrar saudavelmente suas emoções e pensamentos distorcidos, o profissional ensina a diminuir o modo de se machucar. Exemplo, ao invés de se cortar com gilete, a pessoa pode segurar uma pedra de gelo por alguns minutos.
Cesar Vasconcellos de Souza
Saúde Mental e Você
O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.
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