Aceitar nossa impotência nos liberta

César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Todos somos impotentes diante de muitas coisas e em muitos momentos. Quando na ilusão de que podemos exercer poder para mudar algo diante do qual somos impotentes, nossa vida pode ficar perturbada. Pode surgir tristeza, raiva, irritação, ansiedade e outros sintomas. Porém, ao admitirmos nossa impotência diante de, por exemplo, mudar o comportamento desagradável de alguém, ficaremos prontos para fazer alguma coisa boa e construtiva em nossa própria vida. Será possível parar de gastar nossa energia na tentativa de mudar a pessoa.

Muitas vezes podemos sofrer consequências de maus tratos dos outros e depois, anos mais tarde, quando aquelas pessoas que nos fizeram sofrer não estão mais por perto, ou estão mas não mais nos perturbam, apresentamos sintomas. Estes sintomas foram construídos porque eram defesas que havíamos construído para lidar com aqueles maus tratos feitos contra nós. Mas o tempo passou, a pessoa foi embora, morreu, ou está perto ainda, mudada para melhor ou não, e as defesas agora nos aprisionam.

Isto é mais ou menos como você fraturar um osso da perna, o médico coloca gesso, você precisa usar um apoiador para andar, e depois que o gesso é retirado e você recupera aquele membro com fisioterapia, você ainda quer usar o apoiador. Ele não é mais necessário, como algumas defesas psicológicas que usamos no passado, mas insistimos em usá-las. Assim ficamos presos com limitação da liberdade de ação desnecessariamente.

Uma das prisões neste caso pode ser o ressentimento, a mágoa de quem nos tratou mal. Então, para a liberdade em nós, será necessário exercer o perdão que pode ficar menos difícil de dar se procurarmos compreender o por que aquela pessoa agia daquela maneira. Quem sabe ela copiava a maneira como foi tratada quando criança. Talvez reagia com medo. Talvez era presa pelo vício em algo. A compaixão e o perdão, portanto, poderão ser aplicados para com ela dentro de nosso coração, o que nos aliviará.

Veja este depoimento fantástico: “Em criança, cresci esperando que meus pais alcoólicos me dessem o amor de que eu precisava. Quando saí de casa, transferi essa expectativa para o meu namorado alcoólico. Vivia para o seu amor e esperava que ele mudasse seu comportamento que estava me ferindo. Enquanto me apeguei à esperança de que ele iria me amar da maneira que eu queria ser amada, me tornei prisioneira do alcoolismo. Depois de frequentar o Al-Anon [grupo de ajuda mútua para familiares e amigos de alcoólicos www.al-anon.org.br] por algum tempo, comecei a compreender o quanto da minha vida tinha sido gasto esperando que os outros mudassem para que eu pudesse ser feliz. Eu tinha perdido muito tempo tentando mudar as coisas que não podia controlar. Quando finalmente aceitei que não podia controlar a maneira de beber do meu namorado, fiquei livre. Também percebi minha impotência perante os meus familiares. Senti alguma tristeza junto com esse despertar espiritual, mas o Al-Anon me manteve ocupada aprendendo sobre alcoolismo como doença e seguindo em frente com os passos. Eu me perguntava por que deveria tentar combater o alcoolismo, então decidi admitir que o alcoolismo é mais poderoso do que eu. Agora estou livre para descobrir a pessoa dentro de mim que é animada, divertida, amorosa e digna de amor. Hoje estou aprendendo a me dar o amor incondicional e a aceitação que sempre quis receber das pessoas que não os tinham para dar. A única pessoa que pode me amar do jeito que quero ser amada sou eu mesma.”

(Fonte: Esperança para Hoje, p.361, 2018, Grupos Familiares Al-Anon do Brasil.) 

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