Você escreve “historinhas” ou “livrinhos” para crianças?

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 06 de dezembro de 2021

Volta e meia eu me deparo com essa pergunta: você escreve “historinhas”
ou “livrinhos” para crianças? Um arrepio me vai dos pés à cabeça. Os textos
infantis com valor literário são extremamente difíceis e delicados de serem
construídos, e quem escreve para crianças e jovens precisa considerar alguns
fatores relevantes.
É razoável que o escritor infanto-juvenil tenha em mente que as histórias
direcionadas a esse grupo de leitores tenham caráter literário por excelência.
Quero dizer que não podem ser mescladas por intenções pedagógicas, nem
tendenciosas, como por questões raciais, políticas ou religiosas. Mesmo tendo
consciência de que tais questões possam se fazer presentes na construção da
trama, elaborar um texto com intenções pré-definidas direciona a história a
determinados caminhos, o que pode comprometer sua qualidade literária. Se o
sentimento do escritor está delineado pelo universo indígena, a história dos
personagens índios e não índios deve ser elaborada de acordo com a
inspiração, afetos e intuições do autor.
De fato, ao respeitar os princípios literários, os textos podem ser lidos por
pessoas de todas as idades, épocas e lugares. A literatura é universal. Porém,
se para tocar mais especificamente o público infantil, a idade deve ser
considerada, até porque o leitor tem seus centros de interesse condizentes
com a experiência de vida e escolaridade. Gostaria de trazer, como exemplo,
as obras “Pinóquio”, “Alice no País da Maravilhas”, “Cinderela”, populares
contos de fadas populares que sobreviveram ao tempo. Será que as histórias
de Monteiro Lobato cairão no esquecimento? Permanecerão vivas aos olhos de
diversificados leitores? E a “Bolsa Amarela” de Lygia Bojunga?
Outro aspecto a ser ponderado é a linguagem. O leitor não tem que ser
seduzido para mergulhar na leitura? Será que uma criança de oito anos vai se
interessar por textos que empreguem vocabulários mais complexos, que lhe
exijam níveis de entendimento mais amplos? Como Guerra e Paz, de Tolstói?
Dom Casmurro, de Machado de Assis? Não é mais fácil um leitor adulto ter
vontade de ler “O Gato e o Escuro”, de Mia Couto, do que uma criança se

debruçar sobre “Um Rio Chamado Tempo, uma casa Chamada Terra” do
mesmo autor? Belíssima obra, por sinal.
Como foi desafiador para Andrea Viviana Taubman escrever “Meu Amigo
Partiu”, que conta a história de um menino que perdeu seu melhor amigo.
Quando escrevi “Aventureiros da Serra”, conto infantil que aborda o câncer
infantil, fiz um delicado trabalho de escrita para adequar a linguagem ao leitor
juvenil.
Quem escreve para crianças e jovens tem responsabilidades, dado que a
literatura infanto-juvenil influencia a formação do caráter, os processos de
amadurecimento e construção de identidades, os padrões de convivência e
conduta. Não se escreve de qualquer forma um tema que venha à mente. É
importante ter critérios com o que se vai e como contar para alguém que está
começando a aprender a viver.
Será mesmo a literatura infantil feita de livrinhos e historinhas?
Ou resultado de um projeto literário sério, criterioso e cuidadosamente
trabalhado?

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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