Soneto 27

Tereza Malcher

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Shakespeare foi abençoado nas ideias que fundamentaram sua vasta e diversificada obra. Ele conseguiu abranger os meandros da existência humana, incluindo até os momentos de vigília antes do adormecer. 

Está nas minhas mãos o livro “44 Sonetos Escolhidos: Homenagem ao Bardo, nos 450 anos de nascimento 1564-2014”, no qual a tradutora, Thereza Christina Rocque da Motta, seleciona 44 sonetos dele. O 27 se reporta ao momento em que nos deitamos, olhamos vagamente para o teto, as paredes do quarto, sem direção, na verdade, e a imaginação acaba por nos embalar, relaxando o corpo cansado.

Ei-lo.

Cansado do trabalho, corro ao leito,

Para repousar meus membros exaustos de viagem;

No entanto, inicia-se uma jornada em minha mente,

Depois que a atividade do meu corpo cessa:

Assim, meus pensamentos (vindos de muito longe)

Começam uma lenta peregrinação até onde estás,

E fazem que meus olhos sonolentos não se fechem,

Encarando o negror que os cegos veem:

Exceto que a visão imaginária de minh’alma

Traz tua sombra invisível,

Que, como uma joia suspensa no escuro,

Adorna a noite turva, a renovar seus traços.

                           Vê! Assim de dia, minhas pernas e, à noite, minha mente

   Nem por mim, nem por ti, encontram paz.

 

O poema 27 vai ao encontro a que um amigo da família, já falecido, o psiquiatra, Dr. Jadyr de Araújo Góes, dizia: a mente trabalha incessantemente durante o dia e durante a noite, de modo que nossos melhores pensamentos e ideias surgem quando dormimos. Por isso, quando temos algo a resolver e não sabemos como, é aconselhável nos deixarmos dormir. Quando acordamos, podemos vislumbrar uma solução. 

Nosso corpo é o maior aliado que temos. Muitas vezes, o usamos de forma inadequada, principalmente as nossas capacidades mentais. Infelizmente, vivemos em uma moderna cultura que nos acostuma a colocar fora de nós os melhores recursos a que podemos recorrer. Ao reconhecermos que os momentos de vigília são nobres, quando nosso pensamento vai longe, trazemos imagens da alma, fatos esquecidos, reflexões sobre o que nos sensibiliza. Ainda experimentamos um turbilhão de ideias geniais — loucas ou sensatas. São momentos em que a divindade, a saudade, a criatividade e a inteligência se misturam e nos mostram alternativas. Nos trazem o novo.

Ah, é o nosso momento furta-cor! 

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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