Escritoras e aventureiras

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

O que me alentou nestes tempos pandêmicos foram os filmes que assisti em casa, a maioria na Netiflix, que oferece séries interessantes ao telespectador. Eu acabava de ver uma e começava outra. Tendo de ficar recolhida em casa, eu me dividia entre leituras e filmes. Redescobri assuntos que tinham ficado na minha infância, até mesmo num passado recente, como a astronomia e as aventuras. Busquei filmes de aventuras, estilo que há tempos não me interessava especialmente. Por sugestão de amigos, comecei a assistir a série britânica -americana Outlander, baseada na saga literária A Viajante do Tempo, cuja narrativa épica funde o romance histórico, o drama e a aventura numa sequência de fatos elaborada com desenvoltura, continuidade e originalidade. Como sempre faço, tão logo sou tomada pelo interesse, quase abduzida pela obra, a bisbilhotice me assola e quero saber de tudo: quem é o autor, os atores, o diretor, curiosidades e outras coisas mais. Assim, tenho prazer imenso em mergulhar no universo em que a ficção é produzida, desde a criação do texto até a transposição para a película exibida na televisão. 

Para minha surpresa, quem criou e ainda está escrevendo a obra é uma mulher, a americana Diana Gabaldon. Já são oito volumes publicados, numa coleção planejada para dez volumes. Confesso que não prestei atenção de imediato na autoria da série quando comecei a assisti-la. Até porque, infelizmente, os autores têm seus nomes expostos nos créditos do filme de modo diminuído ante os autores ou diretores. Depois de acompanhar os primeiros capítulos, pensei que tivesse sido criada por um homem devido as cenas de enfrentamento e batalhas, muitas vezes de grande crueldade. Entretanto quando soube da autoria da série, observei a sensibilidade e delicadeza de outras cenas que mostravam relações de afeto, entre familiares, amantes e amigos. Então, notei claramente a presença do toque feminino.

Tanto a autora da obra literária, quanto a produção da série, em termos de cenário, figurino, adereços e ambientação, foram e são cuidadosos ao respeitarem as características da época, o que denota a realização de uma pesquisa histórica detalhada e ampla, uma vez que a protagonista, ao tocar numa pedra, viaja no tempo e vai para parar na Escócia em meados do século XVIII. Como a série ainda está sendo escrita e produzida, desde a primeira temporada revela um trabalho de equipe brilhante, respaldado no compromisso de honrar o texto literário.

O que mais me chamou a atenção foi o fato de Diana Gabaldon imaginar um universo ficcional que tanto desperta o interesse masculino. A emancipação feminina ao longo do tempo tem permitido que a mulher explore cada vez mais suas capacidades, indo além do convencional sem medo e pudor. Tal libertação é importante no ato da criação literária, uma vez que sentimentos assim, guardados em instâncias inconscientes, bloqueiam a construção de textos. A superação de intolerâncias amplia as capacidades humanas de criação e realização; é a transformação evolutiva que dá novas cores à arte literária. 

Além do mais, a percepção feminina da vida e das relações humanas trazem um quê de docilidade à obra que tem caráter épico. Como fez a autora britânica J.K. Rowling em Harry Portter, quando concebeu um menino de 11 anos, aprendiz de bruxo, que enfrenta desafios quase invencíveis.

Essa série também me tocou porque gosto de escrever aventuras, o que já fiz em dois livros: Um Cão Cheio de Ideias, ed. Paulinas, 2007, e Aventureiros da Serra, RHL Livros, 2012. Foi ótimo por ter tido contato com a obra de Diana Gabaldon nesta pandemia que me despertou a vontade de mergulhar no mundo da ficção mais uma vez. 

As aventuras são sedutoras ao escritor, mas exigem trabalho de pesquisa, criatividade e perspicácia. Quando escrevi Aventureiros da Serra até largura de rio medi.  

Que as escritoras sejam iluminadas e tenham coragem para presentearem o mundo com diversão, conhecimento e valores.

 

P.S.: Ah, por favor, não quero ser feminista nesta coluna, mas tenho orgulho de reverenciar a presença da mulher na literatura.

 

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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