Caixas de medo

Tereza Cristina Malcher Campitelli

Momentos Literários

Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

 

Nestes tempos de pandemia, certa madrugada, lá pelas 3 horas, fui
tomada por um medo indefinido, sei lá de quê. Tentei encontrar em minha volta
um motivo que pudesse me causar tal sensação. Nada havia. Um diálogo entre
o escuro e uma gata, contido no livro de Mia Couto, então, O Gato e o Escuro,
editado pelo Grupo Companhia das Letras, em 2008, guiou minhas reflexões a
respeito. Ah, como a literatura infantil guarda sabedoria.

— Dentro de cada um há o seu escuro. E
nesse escuro só mora quem lá inventamos.
— Não estou claro, Dona Gata.
— Não é você que mete medo. Somos nós que
enchemos o escuro com nossos medos.

Ao estarmos mais aquietados, podemos encontrar tempo de abrir nossas
caixas de medo para compreendê-los. Para cuidar deles. Tratá-los, para
melhor dizer.

***

Num piscar de olhos, a pessoa é tomada por um estado emocional ante
uma situação que possa lhe fazer mal. Ou coloque em risco sua integridade
física, emocional e moral. O medo, assim, toma conta de alguém como um
invasor que assola os pensamentos, arrepia o corpo e dá um nó cego na alma.
Há sempre motivos, mas a maioria é aumentado nos meandros do imaginário.
Ah, como ele é competente para acabar com a alegria e a sensação de bem-
estar! Se na cozinha, na rua ou no trabalho, é um indesejável companheiro que
finca o pé ao lado de alguém e faz questão de assustar. Pressionar. Restringir.
Às vezes, não se sabe ao certo o que ele anuncia. Muitas vezes, pode
embrulhar traições, ser feito de abandonos e perdas. Ser resultante de
agressões, físicas ou não. O certo é que sempre revela uma ameaça. Além do
mais, as caixas de medo podem até juntar todos os buracos negros que foram

feitos ao longo da vida, que geram uma sensação descomunal de temor e
desamparo. Nossas costas não são largas o suficiente para dissipá-los, e, na
maior parte, nos curvamos ante aos tantos espantos que provocam. Dele
podemos nos tornar escravos com enorme facilidade.
Não é preciso ter noite fria, nem madrugada escura para o medo surgir,
que sempre traz um presságio, daqueles que contraria a vontade que se tem
de estar tranquilo. Mesmo se fraco ou falso, mesmo se poderoso ou amargo, o
medo não tem hora, nem lugar para nos encruar. É sedento e empombado
como a dor de dente. Sequestra nossa mente, espalha-se poderosamente por
todos os pensamentos e abandona-nos à solidão. O medo se alimenta da
reclusão e gosta de ser guardado em segredos. Quem está sob o estado de
temor vive numa angústia que transpassa o coração, às vezes por um longo
tempo, quiçá a vida inteira. Quem o tem, conhece bem a sua maldade.
Quem o sente precisa de alento, mas nunca deve ser considerado como
um pobre coitado. É preciso enfrentá-lo!, com coragem e determinação. É
verdade, este sentimento tem eficiência para inibir a inteligência e a
criatividade. Entretanto, se aceito e entendido, quem o domina é capaz de
reunir condições para superar os desafios nele contidos. Para tornar-se pessoa
liberta e feliz.
Sim, senhor! O tempo que a pandemia nos oferece pode nos ser
produtivo!

***

Eu tenho medo de unha encravada, pois conheço a imensidão desta dor!
Mas confesso que não gosto dos fantasmas vivos, que sabem roubar a
esperança com maestria e mentem com a cara mais lavada deste mundo, que
possuem mais crueldade do que qualquer bondade. São tão assustadores que
escondem os piores malfeitos atrás de sorrisos sedutores.
E o maior dos medos, o da morte. Querem saber? Não me preocupo com
a minha morte, mas não quero perder as pessoas que amo. Nem meus
cachorros e minhas borboletas.

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Tereza Cristina Malcher Campitelli

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Tereza Malcher é mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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