Tempos rudes

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

terça-feira, 28 de maio de 2024

“Que coisa é a formosura senão uma caveira bem vestida?”

Recebeu destaque na internet uma distinta senhora que ostenta um título do qual muito se orgulha e que faz com que ela mereça ser notícia de primeira página. Não se trata de nenhuma cientista, nenhuma líder de causas humanitárias, nem mesmo de uma atriz ou cantora famosa. Naturalmente que há em nosso país outras mulheres admiráveis, e eu me lembro, assim de pronto, da dra. Zilda Arns, que, ensinando às mães métodos simples e baratos, tirou da desnutrição e da morte milhares de crianças Brasil afora, sem pedir um tostão ao governo ou a quem quer que fosse. A Pastoral das Crianças, criada por ela, já inspirou similares em outros países e foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz.

Mas a senhora da qual estou falando é admirável (ou pelo menos admirada) por outros merecimentos, ou melhor dizendo, por um único merecimento, embora muito grande, tão grande que não deixa de ser notado por onde ela passa. Notável sobretudo quando a citada senhora é vista pelas costas. Em resumo: ela tem o maior traseiro do Brasil, foi eleita a Rainha Nacional do Bumbum.  Quando vi sua foto, o que mais me causou espanto foi a habilidade do fotógrafo, que conseguiu colocar tudo aquilo na telinha do computador. É coisa para tela de cinemascope.

Nada contra as mulheres calipígias. A beleza, onde quer que se situe, é sempre um colírio neste mundo onde há tanta feiura. Também não quero criticar ninguém, cada um goste do que quiser ou puder. Beleza é um conceito muito vago, para o sapo a sapa é a coisa mais linda que existe. Além disso, como sentenciou o Pe. Antônio Vieira, “que coisa é a formosura senão uma caveira bem vestida?”, para em seguida concluir, melancolicamente, que mesmo a formosura feminina é “a cada ano cortada com o arado do tempo”. Se não me engana a lembrança de um livro de José de Alencar lido há muitos anos, em “A pata da gazela” um personagem se apaixona pela heroína ao encontrar um pé de sapato que ela havia deixado cair. Ele conclui que a dona de pezinho tão delicado só podia ser uma mulher encantadora.

Enfim, tem gosto pra tudo neste mundo, quem ama o feio bonito lhe parece. Mas certas notícias que eu vejo me fazem pensar que estamos vivendo tempos especialmente vulgares, embora seja certo que a vulgaridade sempre existiu, é coisa do começo do mundo. Mas atualmente estamos exagerando. Basta ligar o rádio, por exemplo, para ver que estamos ouvindo mais sapos cururus do que uirapurus. Onde estão os antigos poetas da MBP?  Caíram no mais profundo silêncio. E mesmo dentre os atuais, é um uirapuru para cada mil sapos cururus. Assim na música, assim no humor, assim em tudo mais.

Mas não desanimemos. Sempre haverá gente fina, cuja grandeza, se mede pelo que têm na mente e no coração, e não pelo tamanho de qualquer parte do corpo. Aprendamos com a fala de Cora Coralina, nos últimos versos do poema “Assim eu vejo a vida”: “Nasci em tempos rudes/ Aceitei contradições/ lutas e pedras/ como lições de vida/ e delas me sirvo/ Aprendi a viver”.

Publicidade
TAGS:

Robério Canto

Escrevivendo

No estilo “caminhando contra o vento”, o professor Robério Canto vai “vivendo e Escrevivendo” causos cotidianos, com uma generosa pitada de bom humor. Membro da Academia Friburguense de Letras, imortal desde criancinha.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.