O caso Marotti e a luta pelo fim da violência contra a mulher

Lucas Barros

Além das Montanhas

Jovem, advogado criminal, Chevalier na Ordem DeMolay e apaixonado por Nova Friburgo. Além das Montanhas vem para mostrar que nossa cidade não está numa redoma e que somos afetados por tudo a nossa volta.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Depois de dois anos e quatro meses, na última terça-feira, foi realizada a audiência que submeteu Rodrigo Marotti ao julgamento pelo tribunal do júri popular, pela 1ª Vara Criminal de Nova Friburgo. O réu era acusado de dolosamente ter matado Alessandra Vaz e Daniela Mousinho. Contudo, o conselho de sentença – nome dado ao corpo de jurados julgadores - entendeu de forma diferente, restando a condenação por incêndio com resultado morte, previsto no art. 258 do Código Penal.

Cabe salientar que o jornal A VOZ DA SERRA cobriu com exclusividade  o julgamento, sendo  o único veículo de imprensa a acompanhar a audiência desde as manifestações na frente do Fórum até a leitura da sentença criminal condenatória.

Do lado de fora do Fórum, o clima era de apoio e solidariedade aos familiares das vítimas, contando com cartazes, gritos por justiça e cruzes simbólicas representando a morte de mulheres, nas grades do prédio da Justiça. Havia muita expectativa acerca de uma eventual condenação do acusado à pena máxima.

Iniciada a audiência, o Ministério Público requereu o depoimento de muitas testemunhas oculares, amigos e familiares da vítima. As testemunhas oculares ouvidas foram alguns vizinhos que, logo de início, prestaram os primeiros socorros às vítimas recém-queimadas, momentos que geraram muita comoção e choros dentro do plenário pelo verdadeiro cenário de horror descrito por todos.

Posteriormente, a irmã da vítima, Andreza Vaz, prestou um depoimento muito emotivo. Com muita dor após ter que relembrar a figura da sua irmã, e conversas que tiveram, chorou  e teve que interromper o seu testemunho para respirar.  “Eu vou conseguir, eu sou forte”, disse ela antes de terminar sua fala e depois se juntar à plateia que assistia ao júri.

Após todas as testemunhas ouvidas e os debates orais entre Ministério Público e Defensoria, em conversa com os familiares das vítimas, que aguardavam a sentença final, era perceptível a esperança de que o acusado fosse condenado pelo duplo homicídio qualificado. Em conversa, Andreza Vaz afirmou: “A prisão por homicídio traz um conforto para a família, mas o sentimento continua sendo de impunidade, pela má aplicação da lei no Brasil”.

A leitura da condenação do acusado pelo crime de incêndio com resultado morte contou com a presença do réu, dos familiares da vítima e do acusado. Após a sentença, transtornados, muitos familiares da vítima desabaram em lágrimas, clamando por justiça. Houve um princípio de confusão e gritos por justiça que terminou com familiares deixando o fórum chorando copiosamente.

Fato é que no júri popular quem julga se o acusado não teve dolo em matar as vítimas não é juíza titular e presidente do ato, Simone Dalila Nacif Lopes, mas sim, sete cidadãos comuns, sorteados como jurados e juízes dessa causa. No caso, foram quatro homens e três mulheres.

A decisão não agradou  sociedade friburguense e muitas pessoas na`cidade  têm se questionado: “Por que sete pessoas leigas devem julgar uma causa de um crime tão barbaro?”. Bom, o sentimento de inconformação com o resultado de júri popular não vem de hoje, e caso semelhante aconteceu na recente condenação do caso da boate Kiss, por exemplo.

O júri popular é um instrumento antigo no Direito que data desde o século 5 antes de Cristo e que foi instituído no Brasil, desde 1822, pelo Imperador Dom Pedro I. O procedimento é adotado até hoje em crimes dolosos contra a vida, mas que traz suas controvérsias. 

Pelo lado romântico do Direito, os jurados – pessoas do povo - serem leigos e representantes do povo permite ao júri que seja um processo mais permeado pelo “bom senso” da sociedade no julgamento. Por outro lado, pela falta de conhecimento jurídico, há o questionamento sobre se não existe a possibilidade de que deixem de levar em conta provas por motivos emocionais, o que é comum.

Ademais, é importante ressaltar que a expectativa da população é que haja uma decisão do júri que coincida com a opinião pública e represente a sociedade, mas, em contrapartida, é importante lembrar que um jurado vota muito de acordo com a classe social, sexo, etnia e religião a que pertence, frustrando às vezes a vontade popular. 

Contudo, o procedimento previsto no Brasil é esse, e não há margens para se fazer diferente, a não ser mudar a lei.

É perceptível, ainda, uma reprovação social, muito grande em relação ao defensor público que defendeu o acusado e convenceu os jurados da causa a uma pena menos grave ao acusado. Fato é que ninguém no Brasil, por mais punitivista que a sociedade seja, poderá ser condenado sem que exista uma defesa justa dentro de um processo.  

Sem uma defesa, ninguém pode ser considerado culpado. E, caso seja, o processo não seria válido! A direito à defesa é extremamente importante para a democracia dentro de um processo. Não podemos confundir opiniões pessoais com ataques pessoais voltados a um profissional público que, respeitosamente, exerceu a função para a qual foi investido. O direito de defesa é garantido por lei para todos desse país.

Ao final, a magistrada, de modo técnico, proferiu a sentença levando em conta redução pela primariedade e os bons antecedentes do acusado. Em contrapartida, aumentou a pena por entender que a culpabilidade ultrapassou a normal do tipo, o sofrimento das vítimas e a agressividade da conduta. Em relação às circunstância genéricas, aumentou a pena por motivo torpe (financeiro) e em decorrência de violência de gênero.  Na terceira fase da dosimetria da pena, aumentou a pena devido à casa ser habitada, por resultar em morte e pelo concurso forma de crimes. Por fim, o acusado ainda foi condenado pelo furto, em repouso noturno, do carro da vítima Alessandra. Ao final, sua pena ficou em 19 anos, quatro meses e 70 dias-multa. 

A sentença completa do processo está disponível no site do Tribunal de Justiça, através do processo de número: 0250994-79.2019.8.19.0001.

Feminismo e feminicídio

A morte de Alessandra Vaz e Daniela Mousinho gerou enorme comoção na sociedade e muitos movimentos feministas acompanharam e se manifestaram, em solidariedade, distribuindo panfletos informativos por toda cidade e conversando com populares. 

A realidade mundial é que a violência contra a mulher atinge todas as classes sociais, etnias, religiões e que transcende muitas gerações. Vivemos numa verdadeira epidemia de mortes dentro da pandemia viral, ao ponto de o Brasil ser o quinto em número de feminicídios em todo planeta.

Segundo dados apurados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (ABSP), os crimes de feminicídio somaram 1.338 mortes somente em 2020. Isso gera a assustadora marca média de que uma mulher foi morta a cada sete horas no Brasil. 

Raisa Ribeiro, professora de Direito Constitucional, pesquisadora do Núcleo Interamericano de Direitos Humanos e escritora, explica que, historicamente, o Direito Criminal nunca se preocupou com o amparo jurídico das mulheres vítimas de violência e que os movimentos feministas tiveram fundamental importância na alteração dessa realidade.

Andreza Vaz, momento antes da sentença que não condenou o acusado pelo homicídio, disse: “As mulheres se sentem cada vez mais na necessidade de se unirem por se sentirem reféns de leis fracas e de homens violentos. Juntas somos mais fortes nunca fez tanto sentido nesse momento de dor”.

Está marcado para o próximo dia 23 novas manifestações em apoio aos familiares de Nahaty, mulher assassinada grávida juntamente com o seus pais. A solidariedade entre as mulheres tem amparado a dor de quem sofre e lutado, mesmo com passinhos de formiguinha, por justiça e maior voz na sociedade.

 

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