Decradi indicia presidente da Academia Friburguense de Letras por intolerância religiosa

Declarações apontadas como crime foram feitas entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano
sexta-feira, 01 de março de 2024
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Reprodução/ Redes Sociais)
(Foto: Reprodução/ Redes Sociais)

A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância do Rio de Janeiro (Decradi) indiciou na última quinta-feira, 29 de fevereiro, a presidente da Academia Friburguense de Letras, Maria Janaína Botelho Correa, pela prática do crime de intolerância religiosa contra judeus. Ela é acusada de ofender e atacar judeus e a comunidade judaica, com publicações em redes sociais.

De acordo com a delegada Rita Salim, titular da Decradi e responsável pelas investigações, Janaína pode responder pelos crimes de intolerância religiosa e preconceito. Segundo a legislação brasileira, "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional" é crime e sujeito a pena de prisão de um a três anos e multa.

Janaína foi professora da Universidade Candido Mendes, onde deu aulas de História Geral do Direito, História do Direito Brasileiro e História da Alimentação. As declarações apontadas como intolerantes aconteceram entre os meses de janeiro e fevereiro de 2024, em resposta a postagens do jornalista Caio Blinder. A denúncia contra Janaína cita frases como "Judeus canalhas"; "Você é um lixo como os judeus sionistas"; "Judeus sionistas genocidas!", entre outros ataques.

Durante as investigações, Janaína compareceu à 151ª DP de Nova Friburgo para prestar depoimento sobre o caso. Ela admitiu ser dona e responsável pelo perfil que fez os comentários na internet. Contudo, argumentou que não se tratava de postagens e sim comentários, respondendo a publicações feitas por outro usuário.

No depoimento, Janaína alegou ainda que o termo "assassinato seletivo de judeus sionistas" escrito por ela em resposta a postagem de Blinder, seria sobre uma prática de guerra conhecida por quem acompanha a política internacional. Ao g1, ela explicou que se tratava de um debate sobre as mortes de militares de alta patente durante a guerra.

Em nota, a Universidade Candido Mendes disse estar "surpreendida pela notícia de declarações de cunho antissemita, supostamente publicadas por uma de suas professoras em seu perfil pessoal nas redes sociais". A direção da universidade afirmou que determinou "a adoção das providências para apuração interna da veracidade dessas declarações e a aplicação das sanções cabíveis". 

"Vale esclarecer que a professora supostamente envolvida com as publicações se encontra afastada do quadro docente da Universidade há quatro anos. A Universidade Candido Mendes tem uma tradição de absoluto respeito aos Direitos Humanos e à Liberdade Religiosa, interpretando tais manifestações como incompatíveis com os valores sempre defendidos por esta Casa. Manifestamos nossa total solidariedade à Comunidade Judaica ofendida por esta lamentável conduta", diz um trecho da nota. 

(Fonte: g1.globo.com)

Por mais educação e menos ódio

Texto por Marcel Segal 

“Em 1987 eu estava apenas nascendo, e o jornal A VOZ DA SERRA, junto com meu saudoso avô, publicou duas matérias sobre judeus naquele ano: a primeira comemorando o feriado de Chanucah, quando lembramos a criação do Segundo Império Judaico na região onde hoje é Israel, há 2100 anos. E a segunda matéria respondendo comentários antissemitas já tão presentes na cidade naquela época. Hoje recai sobre mim a obrigação de fazer o mesmo. 

Me chamo Marcel Segal Hochman, sou judeu e estudei e vivi por dois anos e meio na cidade de Sderot, a dois quilômetros da Faixa de Gaza. Em minha escola morreram 44 pessoas nos ataques brutais do Hamas. Não houve tempo para luto, Israel está sendo atacada por Hezbollah, Houthies, Irã, Síria, Hamas, Milícias Iraquianas com o apoio de Rússia e China, no epicentro de uma guerra mundial.  

O antissemitismo mundial explodiu e a operação em Gaza se mostra a mais difícil da história, com 500 quilômetros de túneis (sete vezes o tamanho do metrô da cidade do Rio de Janeiro), jihadistas que acreditam que morrer para expansão do Islã é o ápice da existência, armados até os dentes, lutando entre civis, torturando reféns e enviando mensagens às suas famílias. Cada dia traz o desespero para resgatar meninas que podem estar grávidas de seus estupradores. 

Quando eu vi pela primeira vez as declarações de Janaína Botelho sobre Israel e judeus, semanas antes do caso tomar proporção, eu a convidei para um debate público através do telefone que ela mesma tinha postado, desafiando um internauta que discordava dela. Ao me responder, disse que não poderia debater, por não ser especialista em Oriente Médio. Não foi por falta de insistência minha que esse debate televisivo não se concretizou até aqui, afinal ela é apresentadora.  

Suas visões, mesmo as supostamente anti-Israel nunca foram baseadas em registros historiográficos ou arqueológicos, mas num sentimento antissemita que infelizmente é estrutural em nossa sociedade no qual ela e muitos outros embarcaram. Ele ficou comprovado pelas falas que ela mesmo deixou escapar em seu perfil oficial. Por exemplo, “Malditos sionistas, vocês são o lixo da humanidade e vão pagar caro por isso. Aguardem’’, “Eu atualmente sou antisemitista, nojo dessa gente”, “Eu defendo quem teve a terra usurpada pelos malditos sionista que Hitler nos alertou”, “Eu apoio o Hamas, e leva pra casa povos oprimidos pelo colonialismo sionista’’, “Eu sou pró-Hamas S2”, e ao curtir um comentário que dizia que “judeus deveriam voltar para a Polônia e Ucrânia”, (onde foram massacrados pelos nazistas). 

Outro perfil na plataforma X que ela alegou ser falso, publicou falas extremamente similares às que ela fez em seu perfil oficial ao longo de muitos meses. A última, que causou comoção pública foi a que pedia assassinatos seletivos de sionistas. Em outras, o perfil dizia ‘’Judeus canalhas’’ e “Malditos sionistas’’, “Eu sou antissemita, e daí?’’, “Polícia militar e bandidos são a mesma coisa’’, “ Israel vai pagar caro pelos seus crimes de guerra, o antissemitismo quintuplicou, eu mesma passei a ser antissemita’’, só para citar alguns casos da coletânea de absurdos que eram postados ali. 

As justificativas dela para seu antissemitismo foram incoerentes e fantasiosas. Justificou sua fala dizendo que o corretor ortográfico modificou antissionista para antisemitista, uma hipótese que contraria a própria função do corretor. Em seu depoimento, segundo matéria do jornal O Globo, voltou atrás em dizer que o perfil era falso, dizendo que foram deslizes, erros de digitação mas que o perfil é seu também.   

Na verdade, sua conduta de ataques a judeus continuou por meses, e ela foi avisada diversas vezes e escolheu jamais se retratar. Posteriormente, disse em seu Facebook ter feito uma matéria sobre meu avô e portanto não ser antissemita, mas paralelamente bloqueou a mim e meus familiares de comentarem, numa prática que já demonstra um profundo desprezo pelas opiniões das minorias que atacou. 

O que leva uma historiadora, apresentadora, professora universitária e presidente da Academia Friburguense de Letras celebrada, a um ódio tão profundo e sem qualquer embasamento? O que nós tiramos disso como sociedade?

Há muitas pessoas na nossa sociedade padecem do mesmo antissemitismo que acometeu Janaína em algum grau, apenas não foram tão longe em declarar abertamente serem antissemitas, ou citar Hitler como uma pessoa adequada para receber avisos. 

Elas citam os números de mortes do Ministério da Saúde do Hamas, ou se apropriam do holocausto para atacar judeus (porque exatamente essa escolha?), ou assinaram uma nota dizendo que o Hamas é um movimento legítimo de resistência em 2021 e jamais se retrataram como é o caso do deputado federal friburguense e de partidos, ou pedem para boicotar negócios de judeus como fez o ex-presidente do PT, ou fazem manifestações com uma bateria uniformizada de Hamas como vimos em diversas cidades e nos principais protestos anti-Israel. 

Não desejo mal nenhum a Janaina e certamente sua pesquisa na cidade não é invalidada pelas suas falas preconceituosas e inaceitáveis. Acho que ela precisa ser punida, dentro da lei, pelo ódio que suas falas geram que pode se transformar em perseguição e violência. 

O que espero é que ela faça uma retratação de verdade, e se eduque na historiografia básica da região, antes de querer ensinar os outros. Eu dei muitas oportunidades para isso, lhe fazendo perguntas sobre a região que ela jamais respondeu e lhe convidando para um debate que eu imagino que ela deveria ser a primeira a querer participar já que faz acusações tão cheias de certeza. 

Sionismo é um conceito milenar indiscernível do estudo bíblico. O Sionismo moderno, criou uma casa para milhares de vítimas de perseguições ao redor do mundo, inclusive do holocausto. 

Me despeço com algumas falas do pastor sionista e grande defensor dos direitos das minorias Marthin Luther King Jr: ‘Quando as pessoas acusam sionistas, elas querem dizer judeus, você está falando antissemitismo’. ‘O que me preocupa não é o grito dos maus mas o silêncio dos bons’.” 

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