A vida é frenesi

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 04 de março de 2023

Eu não tenho talento pra cantar ou para dedilhar violão. Até invejo quem tem. Meu talento é ler pessoas. Escrever sobre elas. Sobre o que sabem e o que não sabem. Sobre o que são na superfície, no esconderijo de suas existências ou mesmo sobre o que invento sobre elas na minha mais fértil imaginação. 

Já reparou como os pombos das cidades grandes são feios? Sujos, bem sujos pela poluição, que fazem serem mais cinzas do que o cinza dos prédios que perfilam suas avenidas. O verde das árvores, todas as árvores que formam as Matas Atlântica e Amazônica, não são tão monocromáticos como o cinza do cimento e da poluição que impregna os pombos. A multiplicidade de verde tornam os tantos verdes em outras cores. Verdes talvez, mas que tipo de verde? 

Bom é ser de todas as cores, carregar tantas quantas forem as cores, dos arco-íris, da natureza silvestre, dos antigos baobás nas savanas, dos olhos de todas as mulheres. Elas enxergam melhor, não pela nitidez das visões de seus olhares, mas pela sensibilidade que, talentosa e instintivamente, filtra raios solares noturnos e diurnos também. 

Se eu soubesse tocar violão, dos meus dedos saltariam cores entre as notas musicais. Mas eu não sei sequer dedilhar um violão, quiçá um de sete cordas, como aquela moça. Parecida com a personagem Dona Anja de Josué Fernandes. Semelhante, muito semelhante, à Luiza do Antonio Carlos Jobim. Pode ser que ela seja a Beatriz do Edu Lobo com o Chico Buarque. (Beatriz que, na verdade, deveria ser Agnes). 

- Agnes? 

- Maria Alice!

Maria Alice e todas as demais mulheres do mundo do homônimo “Todas As Mulheres do Mundo” do Domingos Oliveira. A insuspeição: ela é ela. E elas não são de ninguém. Nem mesmo de seus autores, progenitores, amantes, admiradores. 

Não precisa ser homem ou hétero para admirar a beleza, a desenvoltura, a individualidade de uma mulher. 

Admirar é o que faz a vida ser frenesi. Se admirar é frenesi completo, desenfreado, desembestado, desimpedido. Somos. Será? Quem haverá de nos impedir? Desimpedidos de se gostar e saber que amor e perfeição não casam. Mesmo que aparentem andar juntos por aí até a marcha nupcial, amor sobrevive na imperfeição ao ponto que perfeição não lhe encaixa. 

Eu sou todas as cores. Se coloridos, colorimos os caminhos por onde passamos, inclusive os dias. Os dias distribuídos nessa linha reta meio que dividida também em horas, mas mais clara quando traçada ano a ano… Porém,  mesmo que traçada em semanas ou meses, inevitavelmente, nos leva a linhas de chegada. 

Queria que aquele dia não acabasse. Romper o ventre não bastaria. Nascer é pouco. Viver é do que podemos querer mais! 

Talvez seja verdade, possivelmente seja incerto se não for nada disso. O que sei, nem eu mesmo sei se é verdade. A verdade é tão fora de si. Não é sobre mim ou sobre os outros ao fim. É o tempo. É a vida. 

Pode ser que o mundo não cante ou toque violão. Pode ser que o tempo nem saiba observar pessoas, falar sobre elas. O tempo tem ego tão grande que engole a si mesmo. O tempo podia mesmo é se foder em plenitude e pleno se foder.

Porra, as mães são sagradas! Minha mãe, nossas mães. Mamãe. Por que as mães morrem? 

Escapulir é melhor que viver renascendo? Porque se achar é melhor que fingir fugir se achando. Vai saber… Se soubesse — esqueceria. O tempo tem Alzheimer? Não. O tempo tem maldade de nós envelhecermos sem nos ensinar a ser jovens enquanto juventude.  

Eu só queria ser o tempo sem ter a sua malícia. Sem ter a sua maldade. Sem ter a sua finitude que escapa ao seu (meu) próprio fim. Mas se é assim… Melhor que a vida seja mesmo frenesi.  

Mais importante que saber tocar violão é perceber a canção. Perceber, para além de toda a música e sons. E, ao perceber, também se perguntar: por que querer a eternidade se na finitude que temos perdemos tempo com bobagens?

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