Estou a fim de...

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 26 de março de 2022
Foto de capa

Um amigo me apresentou uma entrevista do dramaturgo, escritor e psicanalista Contardo Calligaris em que defende o direito à tristeza e contesta o sentido da felicidade. “Não quero ser feliz. Quero é ter uma vida interessante”. 

Na tese, o doutor em psicologia diz que ter uma vida interessante “inclui pequenos prazeres, mas também grandes dores. Ter uma vida interessante significa viver plenamente. Isso pressupõe poder se desesperar quando se fica sem alguma coisa que é muito importante para você. É preciso sentir plenamente as dores: das perdas, do luto, do fracasso”. E, completa: “Eu acho um tremendo desastre esse ideal de felicidade que tenta nos poupar de tudo o que é ruim”.

O que é felicidade, afinal? O homem desde muito tempo tenta responder a isso. Na teoria. Acredito que, na prática, cada um deve responder por si só. Não acredito em tese fechada para o conceito, mas acho que cada qual tem que descobrir a sua forma de encontrar bem-estar. Sabendo que para identificar o que é bom, a experiência do ruim não deixa de ser professora.

De todas as afirmações de Calligaris, confesso que me apeguei a uma mínima frase, quando ele é contestado sobre o que seria então o contraponto ao “eu quero ser feliz” ou o “eu preciso ser feliz”. O contraponto é o “Estou a fim de...” Defende: “A partir disso, qualquer coisa é válida”.

Calligaris tem razão. Quantas vezes fazemos de fato aquilo que estamos a fim de fazer? Essa liberdade é a essência do nosso bem-estar mais íntimo. Se estou com vontade de chorar que eu chore. Se estou com vontade de rir que eu ria. Se quero ligar para aquela pessoa — ligo. Se não quero falar com aquele sujeito — não falo. Não há inconsequência alguma em fazer o que está a fim de fazer, em ser o que se quiser ser. Estou a fim de…

Você está a fim de que hoje? De nada? Que seja! Nada também é um desejo e muitas das vezes uma necessidade. Eu quero e acho que você também: ter a liberdade de fazer o que está a fim. Essa permissão pode ser mais que temporária ou ligeira. É um modo de viver que deve se colocar em prática permanente. Atento para não ser arrogante, aberto para o outro, pois viver tem muito a ver em também se achar no outro. A tal arte do encontro. O tão sonhado respeito em, ao se permitir, compreender que esse é um direito de todos.

As obrigações existem e ninguém aqui está dizendo para se evocar a irresponsabilidade. Mas é preciso dizer que devemos ter responsabilidade consigo mesmo. Essa é a primeira e mais importante. Essa responsabilidade consigo mesmo não é se tornar um chato, um vigilante, um juiz. Mas responsável por dispensar aquilo que não te faz feliz, tudo que atrapalha essa jornada pelo viver.  

“O sentido da vida está na vida”. Contardo Calligaris dedicou muito da sua vida a achar esse sentido que ele resume nessa frase simples, mas absolutamente complexa. Porque, como diz ele, para a maioria das pessoas, perceber a vida como sentido de si mesma é um escândalo.

Assim, mais importante que ser feliz é buscar ter uma vida interessante. Tornar a vida interessante é algo que nem Calligaris daria fórmula pronta. Na equação poética, cabe somente a si mesmo montar da forma que bem entender a ordem dos fatores, sabendo que não há resultado certo ou errado, talvez sequer possa se estipular resultado. Porque não é o resultado que será interessante, mas as fórmulas que aplicamos e experimentamos nessa busca vida.  

 

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