Doce dezembro?

Wanderson Nogueira

Palavreando

Aos sábados, no Caderno Z, o jornalista Wanderson Nogueira explora a sua verve literária na coluna "Palavreando", onde fala de sentimentos e analisa o espírito e o comportamento humano.

sábado, 09 de dezembro de 2023

Nem todo dezembro é de graças, como nem todo fevereiro é de carnaval. Toda essa festa e toda essa intenção de fartura escondem muitas das misérias e também das riquezas humanas. Traz saudades imensas, algumas recheadas de dores profundas, outras de vivências que, apesar de impossíveis de se repetirem, são provas de que o amor habitou o peito. 

Essa mania de nos imporem um estado de espírito coletivo não precisa ser comprada como os adquiridos presentes amontoados das vitrines capitalistas. Ser solidário apenas em dezembro é tapear o sono do resto do ano inteiro. Nossa humanidade é posta à prova mesmo nos invernos de agosto e em cada quinta-feira de desatenção. Nossa verdade aparece quando ninguém está vendo. Todo o resto pode ser apenas publicidade, autopromoção, pagamento para tirar dos ombros as faltas e os equívocos cometidos. Aversão a julgamentos, mas o que vale é a leveza da consciência.   

Pudera pendurar sonhos nas árvores de natal. Mas estrelas cadentes não são Papai Noel em seu trenó. Na maior parte do mundo não neva nos 25 de dezembro. Mas mesmo sem neve, há corações congelados que nenhuma lareira pode derreter. Sensibilidade salva mais do que Cristo. Ser Cristão e não ter empatia é o mesmo que não ser Cristão. A espiritualidade transcende as religiões. 

Nem toda segunda-feira é de preguiça. Nada tão sem graça quanto feriados nos domingos, mas mesmo nessa condição, domingo é o primeiro dia da semana e para muitos a terça pode ser o último dia. Portanto, não somos dias enfileirados no calendário. Somos o agora de céus nublados e os ontens de Sol à pino. A forma que nos energizamos deles é o que realmente importa. O modo de se comportar diante de cada acontecimento é o que nos define. 

Fazer acontecer — é viver. Deixar acontecer, também. 

À toda brutalidade, não basta somente esperança. Indignação não pode ser apenas imitação de criança pirracenta. Os tons de insônia não se colorem apenas com chás calmantes. Instantes de calmaria não são caprichos. Paz pode ser tudo o que se quer. Entre um bocejo e outro, o mundo faz guerra. A Estupidez é a pior das ignorâncias.

Não precisa chegar dezembro para ser altruísta. Por que esperar fevereiro para ser carnaval? Um novo ano brota em muitas ocasiões para além dos réveillons ou dos nossos aniversários. Renascemos muitas vezes sem precisar morrer. Em outras, saímos de certas histórias que já não nos escrevem e tampouco nos definem ou acrescentam. Bons personagens sabem colocar fim ou simplesmente se despedem antes do antepenúltimo capítulo. Felizes para sempre? Se biblioteca inteira, talvez em menos da metade das centenas de prateleiras.

Números para nomear dias. Em algumas línguas, os dias da semana são planetas. Os signos importam quando nos aprofundamos no singularismo do mapa astral. Do contrário, será apenas um monte de baboseira em notas de jornal. Sou Leão, com ascendente em Sagitário, Lua em Libra, Vênus em Virgem, Marte em Câncer, Mercúrio também em Leão. Tendências, previsões nunca serão certezas. O céu tudo explica, mas é vasto demais para se desvendar.

Difícil esquecer aquele 21 de dezembro. Lindo aquele dia 11/12. Há amigos e famílias que se reúnem apenas no Natal. Não quero mensagens apenas a cada 4 de agosto. Quero surpresas agradáveis e companheirismo quando enfrentar o inesperado de tudo o que não se tem controle. Se apaixonado, quero te ver todos os dias. A vida, às vezes, é uma fatalidade. Em todas as demais está a possibilidade de diversão. Quisera ter mais cem anos pela frente, amando os dezembros ou rechaçando a ideia de que dezembros têm que ser sempre doces. Muitas vezes, só faz calor pra caralho. 

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