A promessa de trabalhar menos sem perder produtividade nem salário seduziu empresas e funcionários ao redor do mundo — e também chegou ao Brasil. Entre janeiro e junho de 2024, 21 empresas embarcaram no projeto-piloto da semana de 4 dias, organizado pela
Reconnect Happiness at Work em parceria com a
4 Day Week Global. Mas, um ano após o início do teste, menos da metade delas decidiu manter o modelo original.
Modelos mais enxutos demandam planejamento, tecnologia, engajamento da liderança e mudança profunda na forma como se mede produtividade
A experiência foi inspirada na metodologia 100-80-100: 100% do salário, 80% da carga horária e 100% da produtividade. A proposta não era apenas enxugar a jornada semanal para quatro dias de trabalho e três de folga (modelo 4x3), mas repensar como se trabalha, priorizando o bem-estar e a eficiência.
Das 21 empresas que iniciaram o projeto, 19 chegaram ao fim: duas desistiram no caminho, uma por conta das enchentes no Rio Grande do Sul e outra por mudanças internas na diretoria. Ao final do teste, apenas 46,2% das participantes mantiveram o esquema integral de quatro dias de trabalho por semana, com salário cheio e produtividade inalterada.
Apesar do discurso otimista que costuma cercar esse tipo de iniciativa, os resultados mostram que a aplicação prática da semana de 4 dias ainda enfrenta barreiras importantes no Brasil. Para boa parte das empresas, o modelo precisou ser ajustado à realidade do negócio.
Flexibilidade foi a saída
Embora os organizadores recomendassem o modelo 4x3, com a jornada reduzida sem alteração no rendimento esperado, algumas empresas optaram por caminhos diferentes. Algumas liberaram os funcionários após o almoço nas sextas-feiras. Outras impuseram restrições: o dia de descanso, por exemplo, não podia ser aplicado em semanas de fechamento contábil ou em períodos críticos da operação.
Outras empresas preferiram adiar decisões mais definitivas. Cerca de 7,7% optaram por testar o modelo apenas em setores específicos, enquanto outra fatia semelhante decidiu estender o piloto por mais tempo, para avaliar melhor os impactos antes de formalizar mudanças.
Essa variedade de formatos revela que, embora desejável, a semana de 4 dias ainda esbarra em questões operacionais. Para muitas empresas, especialmente as de menor porte ou com demandas sazonais, manter a produtividade em apenas quatro dias ainda parece um desafio complexo, mesmo com o uso de tecnologia e reorganização de tarefas.
Resultados positivos, mas sem unanimidade
Os dados colhidos ao longo do projeto revelam pontos positivos importantes. A carga horária média das empresas caiu de 43 para 35 horas semanais. Cerca de 84% dos colaboradores relataram melhora na saúde mental, 88,7% afirmaram estar mais satisfeitos com o trabalho, e 93% notaram aumento na colaboração entre as equipes.
Algumas empresas apontaram dificuldades na adaptação de equipes e líderes, especialmente em ambientes com atendimento ao cliente ou alta rotatividade. A ideia de "fazer mais com menos tempo" exigiu reestruturações internas nem sempre fáceis, e, em alguns casos, foi preciso rever expectativas iniciais.
Acompanhamento e uso de IA ajudaram na transição
Durante os seis meses do piloto, as empresas participaram de seis encontros com a equipe da Reconnect. Nessas sessões, foram discutidos temas como reorganização de processos, bem-estar, liderança e até o uso da inteligência artificial como apoio para ganhar tempo e eficiência.
Semana de 4 dias: tendência ou utopia?
A experiência brasileira se soma a iniciativas semelhantes em países como Reino Unido, Islândia e Portugal. Em comum, esses testes mostram que a semana de 4 dias pode trazer benefícios relevantes, mas não é uma solução única, nem aplicável de forma padronizada a todos os tipos de empresa.
No Brasil, onde longas jornadas de trabalho ainda são a norma e o presenteísmo é culturalmente valorizado, a transição para modelos mais enxutos exige mais do que boa vontade: demanda planejamento, tecnologia, engajamento da liderança e uma mudança profunda na forma como se mede produtividade.
Ainda que promissora, a semana de 4 dias no Brasil está longe de ser consenso. Os dados do piloto mostram avanços em bem-estar e eficiência, mas também revelam que o modelo ideal precisa ser flexível, realista e adaptado às particularidades de cada organização.
Mais do que decretar o fim da semana de cinco dias, a iniciativa abre espaço para uma pergunta fundamental: como tornar o trabalho mais sustentável para todos — sem sacrificar resultados?
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