Quarentena prolongada acende alerta para violência infantil doméstica

Juíza Adriana Valentim lembra que agressões deixam marcas para toda a vida
sábado, 06 de junho de 2020
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
A juíza Adriana Valentim, titular da Vara de Infância e Juventude de Nova Friburgo (Arquivo pessoal)
A juíza Adriana Valentim, titular da Vara de Infância e Juventude de Nova Friburgo (Arquivo pessoal)

O Brasil registra mais de 230 agressões a crianças e adolescentes, diariamente, resultando num total de 85 mil notificações de diferentes tipos de agressões, por ano. Este é o resultado de pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Pediatria em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Ministério dos Direitos de Humanos.

Quando criou o Dia Mundial das Crianças Vítimas de Agressão, em 4 de junho de 1982, o objetivo da Organização das Nações Unidas (ONU) foi o de alertar a sociedade, motivar debates e propor reflexão a respeito desse tipo de violência. O que, infelizmente, não tem evitado as agressões recorrentes no Brasil e mundo inteiro. 

A gravidade desta violência é profunda. A agressão física e psicológica não se restringe ao momento em que ocorre, nem desaparece quando cessa. Ela deixa feridas que podem até cicatrizar, mas estarão presentes para sempre, deixando marcas para toda a vida. Este é um tema que deveria despertar o interesse de toda a sociedade, em busca por respostas para tentar descobrir as razões e saber como lutar contra. 

Zelar pelas crianças não é uma tarefa exclusiva dos pais, mas também dos familiares, da comunidade, dos profissionais de saúde, das autoridades, dos educadores, dos governantes, enfim, da sociedade como um todo. Também é necessário chamar a atenção para a carência de proteção e de educação das crianças, que se encontram numa fase frágil, de construção de mentalidade, caráter e de valores. 

Garantir um ambiente seguro e são para o crescimento das crianças é um dever de todos nós. Quando se pensa em violência, remete-se logo à física, mas não só esta. Segundo a ONU, existem quatro tipos de violência, classificadas como: abusos físicos, sexuais, psicológicos e negligências.

De acordo com especialistas, traumas da violência doméstica podem fazer com que a criança se culpe pelo próprio sofrimento, promovendo, assim, a autoagressão por achar ser a causa deste problema. Outro resultado é a agressão como uma forma de defesa, pois como ela não consegue se defender dos maus-tratos, acaba descontando em outras pessoas, principalmente nos colegas. Este convívio com a violência impacta também no crescimento e desenvolvimento de sua personalidade. 

Nesta entrevista a juíza Adriana Valentim, titular da Vara de Infância e Juventude de Nova Friburgo, aborda estas questões. 

AVS: O que levou à criação do Dia Mundial das Crianças Vítimas de Agressão, e por que em 1982? O que havia antes e quais avanços ocorreram desde então?

Adriana Valentim: A data foi criada a partir da constatação de que um grande número de crianças inocentes foi vítima de extrema violência durante a Guerra do Líbano, mas o seu objetivo inicial foi ampliado para chamar a atenção de toda a humanidade acerca de todo o tipo de violência sofrido por crianças ao redor do mundo, chamando à reflexão e ao comprometimento com a proteção dos seus direitos fundamentais. Os relatos de violência a crianças remontam à Idade Antiga e, sob essa perspectiva, podemos afirmar que houve um verdadeiro abismo até a adoção de um verdadeiro sistema de garantia de direitos. 

No entanto, antes de 1982, alguns documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) já reconheciam a criança como um ser em desenvolvimento e, que, portanto, necessitavam de proteção e cuidado especial por meio de uma legislação específica. 

No Brasil, até a vigência da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, não havia um sistema de proteção integral da criança e do adolescente, e apenas os menores “em situação irregular”, como os abandonados e delinquentes, mereciam a atenção do Estado. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, também constitui importante marco no reconhecimento dos direitos das crianças como direitos humanos, sendo a base de várias leis a partir desse momento editadas.

Segundo a ONU, existem quatro tipos de violência: abusos físicos, sexuais, psicológicos e negligências. Algum destes é mais comum ou cada um deles gera consequências entre si?

No exercício da minha função como juíza da infância e juventude, posso afirmar que recebo comunicações, quase que diárias, da ocorrência dos mais variados tipos de abuso contra crianças. A negligência é o tipo de violência mais comum e visível, mas, muitas vezes, há outros tipos de violência envolvidos. Por exemplo: normalmente, a criança que sofre violência física ou sexual, também foi vítima de abuso psicológico e de negligência. Por isso, além da ação rápida, para fazer cessar a situação de risco em que a criança se encontra, a intervenção deve ser multidisciplinar, exigindo a atuação de vários setores da área de saúde, educação e assistência social.

Quando foram criados os Juizados de Menores?

No Brasil, os Juizados de Menores foram criados e regulamentados após a promulgação do Código de Menores, em 1927, anterior ao Código de Menores de 1979, assumindo o Estado sua função de responsável legal pela tutela dos menores abandonados e infratores, que eram, simplesmente, institucionalizados. Não havia um sistema de proteção voltado para a prevenção da violência, com um enfoque na criança como sujeito de direitos que precisam ser respeitados pelo Estado, pela família e pela sociedade.

Como avalia os avanços, as conquistas do ponto de vista legal, inclusive na Vara da Infância?

Como já mencionado anteriormente, com a promulgação da Constituição de 1988 e do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), em 1990, foi inaugurada uma nova fase, com inúmeros avanços no sistema de proteção dos direitos das crianças e adolescentes, elevados ao status de prioridade absoluta. O ECA estabelece várias diretrizes para a implementação de políticas públicas visando à prevenção de todo o tipo de violência. Há um rol de medidas protetivas que podem ser aplicadas em favor da criança e a família pode ser responsabilizada. 

A sociedade também é chamada a exercer seu dever de proteção dos direitos das crianças. Nesse contexto da violência que vitima milhares de crianças, ninguém pode se calar. É preciso que qualquer suspeita de violência seja noticiada aos órgãos competentes. Infelizmente, o Brasil ainda carece de políticas públicas efetivas visando à prevenção da violência infantil, seja através da educação ou do atendimento às famílias na área de saúde e assistência social, e, nesses casos, o Judiciário pode ser acionado para obrigar o Estado a cumprir seu papel.

Como podemos identificar uma criança possível vítima de violência? Existe uma mudança mais perceptível em seu comportamento?

Existem inúmeros sinais que o próprio juiz da Infância, mesmo não sendo um técnico, consegue visualizar: a repetição dos atos de violência sofridos, a falta de autoestima, o comportamento autodestrutivo, o desinteresse pelos estudos, o envolvimento com drogas e com a ilicitude, dentre outros. O atraso no desenvolvimento global da criança também é um sinal bem característico.

Onde e como denunciar violência contra crianças e adolescentes em Friburgo?

Qualquer violência contra crianças deve ser denunciada através dos seguintes canais:

* Conselho Tutelar 1 - Telefones: (22) 2543-6200; 2543-6297; plantão: (22) 99872-9468; e-mail: conselhotutelar.novafriburgo@gmail.com

* Conselho Tutelar 2 - Telefones: (22) 2523-0037; plantão: (22) 98835-4299; e-mail: conselhotutelar2.novafriburgo@gmail.com

* Ministério Público: Telefone: 127 (Ouvidoria) ou pelo site: www.mprj.mp.br/comunicacao/ouvidoria/formulario

 

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