Primeira senadora tomou posse em 1979 e foi recebida com flor e poesia

Eunice Michiles enfrentou resistência dos colegas homens, que não aprovaram os projetos de lei dela para garantir direitos às mulheres
sexta-feira, 30 de setembro de 2022
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Senado Federal)
(Foto: Senado Federal)

Ao longo de um século e meio, apenas políticos homens eram eleitos para o Senado. Até que há 43 anos o cenário mudou com a posse da primeira senadora do Brasil: a mulher que rompeu a exclusividade na Câmara Alta foi Eunice Michiles, uma ex-professora de grupo escolar e ex-deputada estadual, do Amazonas.

A histórica posse ocorreu em 31 de maio de 1979, no início do governo do general João Figueiredo. Documentos guardados no Arquivo do Senado, mostram que os parlamentares receberam a colega com deferência e empolgação. Na cerimônia de posse, a novata foi presenteada com flor, chocolate e poesia.

Na realidade, não faltaram flores. Nesse mesmo dia, um cesto com rosas vermelhas chegou às mãos da senadora, enviado pelo senador Paulo Brossard (RS), em nome da bancada do MDB, o partido oposicionista. Eunice pertencia à Arena, a sigla de sustentação da ditadura militar.

No discurso inaugural, a nova senadora se apresentou como uma “mulher simples, misto de dona de casa e política”, e confessou que se sentia “inibida” no novo ambiente:

— Não me proponho a trazer, a não ser eventualmente, assuntos políticos para o debate, pois nada teria a acrescentar ao que renomados políticos têm proposto ao exame deste Senado. Vou procurar trazer a ótica feminina à análise dos problemas brasileiros. A mãe e dona de casa, que tem uma experiência milenar e procura um espaço maior de participação, deseja ser ouvida.

Em seguida, subiu o tom ao dizer qual seria o norte de sua atuação parlamentar:

— Como primeira senadora, sinto os olhares de milhões de mulheres na expectativa de que lhes saiba interpretar as reivindicações. O Código Civil nos coloca ao nível do índio, da criança e do débil mental. Somos fruto de uma cultura patriarcal e machista, onde a mulher vive à sombra do homem e rende obediência ao pai, ao marido ou, na falta deste, ao filho mais velho. Em 1979, temos muito a melhorar.

Eunice, de fato, seguiu essa linha inédita. A maior parte dos projetos de lei que ela apresentou buscava dar direitos às mulheres. Uma de suas primeiras propostas eliminava do Código Civil de 1916, o arcaico artigo que permitia ao homem anular o casamento e devolver a mulher aos pais caso descobrisse que ela não era virgem. O prazo para a devolução era de dez dias, contados a partir da cerimônia de casamento. A senadora, que tinha 50 anos, argumentou:

— Vejam como era difícil a situação das moças do meu tempo. Éramos incentivadas a ser bonitas e provocantes, mas ai de nós se cedêssemos aos impulsos e fôssemos “desonradas”. A virgindade era a marca maior de nossa conotação de objeto. Exige-se que um objeto, ao ser adquirido, seja zero quilômetro. Já com o homem era diferente. Quanto mais rodado, melhor. O tempo se encarregou de mudar conceitos e atitudes. A geração jovem não atribui à virgindade feminina o mesmo valor da geração passada. Assim, o dispositivo de nosso Código Civil é uma distorção entre o social e o jurídico e por isso precisa ser reformulado.

Outro de seus projetos de lei permitia que a mulher com filhos fizesse uma jornada de trabalho mais curta, com redução proporcional no salário. Eunice também apresentou um projeto de lei que acabava com a possibilidade de o homem casado em comunhão de bens contratar empréstimos e dar o patrimônio da família como garantia sem o consentimento da mulher.

— Não podemos mais aceitar no direito de família que apenas o marido seja o cabeça do casal. A mulher não pode ser obrigada a assumir uma dívida que ela não contraiu e cujos reflexos vão encontrar a família como a mais prejudicada — disse.

Levou ao Congresso Nacional o debate sobre a preservação do meio ambiente. Preocupada com a destruição da Amazônia, ela redigiu um projeto que previa a instituição do Dia Nacional de Defesa da Fauna, e outro que determinava a inclusão da “educação ecológica” nas escolas. Nenhum dos dois vingou. Essa ainda não era uma preocupação nacional. Dizia-se que o ambientalismo não passava de uma frivolidade de países ricos e que o Brasil tinha mais era que se preocupar com a fome e a miséria.

Em 1986, Eunice Michiles decidiu não disputar a reeleição no Senado e candidatou-se a deputada federal. Eleita pelo PFL, integrou a Assembleia Nacional Constituinte e, agora respaldada por uma bancada feminina, finalmente conseguiu aprovar uma série de direitos para as mulheres. Em 1999, ela se retirou da vida pública. Hoje, com 93 anos, vive em Brasília. (Fonte: Senado Federal)

 

 

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