Pedagoga: “A escola é um lugar de debate, que informa e traz conhecimento”

À luz do Dia Mundial da Juventude, profissional analisa o papel do ensino e diz que professores têm obrigação de informar a verdade, sem relativizar
quarta-feira, 11 de março de 2020
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
A pedagoga Lucia Mineiro:
A pedagoga Lucia Mineiro: "A escola é um lugar de debate, que informa e traz conhecimento, é inevitável não conversar"

Por definição, escola é uma instituição concebida para o ensino de alunos sob a direção de professores. Para muitos especialistas é em uma instituição de ensino, aliada à educação familiar, que se forma um cidadão completo. Uma das dúvidas frequentes é saber até onde vai o limite da educação proporcionada pela escola e a oferecida pela família. Afinal, quais os temas, disciplinas e tipos de abordagens devem ser feitas dentro de uma instituição de ensino?

No próximo dia 30 será celebrado o Dia Mundial da Juventude e, para abordar temas relacionados à educação familiar e escolar, A VOZ DA SERRA conversou com a pedagoga Lúcia Mineiro. Há quase 37 anos atuando na área, Lúcia comenta a função da escola de debater assuntos importantes, da criação de uma consciência coletiva, do respeito às diferenças, entre outros assuntos. 

A VOZ DA SERRA: Qual é o principal papel da escola na educação de crianças e adolescentes?

Lúcia Mineiro: É formar cidadãos conscientes de seu papel dentro da sociedade. O aluno tem que conseguir, através das ferramentas que vai receber da escola, enxergar essa sociedade, e se inserir com uma participação ativa. Que seja capaz de enxergar o passado e a gente trabalha muito essa questão do histórico da humanidade e do nosso conhecimento ser fruto do conhecimento do nosso passado, inserir-se no presente para projetar-se no futuro.

O aprendizado deve ser somente nas disciplinas conhecidas como Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História, Química etc?

As unidades de ensino são ferramentas que potencializam o aluno como um ser total. Através da escola os conteúdos oferecem referências e através do senso crítico o aluno vai organizando suas informações, filtrando o que vai ajudá-lo a ser um cidadão que ele quer ser.

Na sua opinião, política e religião devem ser temas abordados em sala de aula?

Sim. O homem em sua natureza é político e religioso, só que é preciso ter muito cuidado porque essa política e essa religião não pode ter rótulo. A política não pode ser partidária, mas é preciso entender o seu papel, suas responsabilidades, o seu direito e o direito do outro. Eu sou contra o ensino de políticas partidárias e o estudo de uma religião específica. Como escola, devemos apresentar toda a produção humana. Nesse sentido, a ética e a moral são inevitáveis à formação do cidadão. O aluno precisa saber o porquê de escolher determinado partido ou uma religião, ele tem que ter consciência e suas próprias opiniões. Por mais que se queira, a escola dificilmente o forja. Ele segue o seu caminho à luz daquilo que ele acredita e do que recebe de informação da sua família. Quando o aluno vem para a escola, ele não vem vazio. Há um histórico, um princípio de formação de sua família. Os dois juntos vão ajudá-lo na formação de sua personalidade.

Como abordar assuntos complexos sem estimular polêmica?

A verdade tem que ser dita. Não podemos falar na Segunda Guerra Mundial sem lembrar das atrocidades cometidas naquele período. Como educadores, temos a obrigação de informar a verdade, sem relativizar.

A escola é um espaço para discutir e aprender sobre ideologia de gênero?

A gente sabe que existem pessoas transgêneros e isso é cientificamente comprovado. É um assunto que precisa ser conversado na escola, nós precisamos falar sobre respeito. Eu só posso dizer se eu concordo ou discordo de alguma coisa quando eu conheço. Para conhecer é preciso informação. A escola é um lugar de debate, que informa e traz conhecimento, é inevitável não conversar. Quando existe algum conflito que envolve uma pessoa trans a gente precisa conversar sobre o assunto. Entender que é uma pessoa como qualquer outra, que merece respeito e tem todos os direitos. O trans não é diferente em nada.

É na escola que se deve aprender educação sexual? Como é a metodologia de ensino com relação a esse assunto?

Educação sexual é diferente de fomentar a prática sexual. A gente fala nas escolas sobre o funcionamento do corpo, de todos os órgãos, do sistema digestivo, respiratório, urinário. Por que não falar dos órgãos sexuais? Até porque esses órgãos no seu processo de formação despertam desejo nas pessoas e o que fazer com esse desejo se você não tem orientação? É um assunto tabu. A falta de informação gera uma curiosidade que não é saudável. Na escola temos que trabalhar com o resultado da prática sexual, muitas das vezes inadequada. A gente trabalha com gravidez precoce, automutilação, doenças venéreas, abuso sexual, depressão, assédio, discriminação. Se temos que trabalhar com todos esses temas, por que não com a prevenção? Quando a família trabalha de forma correta esse tema, a escola vem reforçar o que o aluno já recebeu de informação. Quando não consegue trabalhar o tema – o que é um número expressivo – a escola vem para ajudar nessa missão.

Assuntos controversos, quando debatidos na escola, geram a construção de uma consciência nos jovens?

Tudo tem que ser debatido com fundamentação, respeitando as diferenças de opinião. Tudo isso à luz da verdade. Eu não posso criar um mundo paralelo e querer que isso prevaleça diante dos meus alunos ou que ele seja a verdade que vá nortear o trabalho com os estudantes. Tudo tem que ser dentro da construção que a nossa sociedade tem, daquilo que a gente experimenta. Informação gera informação. Somos resultado da nossa história e do nosso posicionamento e reposicionamento. O debate é importante para enxergarmos outras possibilidades, para perceber acertos e erros.

A escola é o complemento da educação que se aprende em casa e vice-versa?

É uma via de mão dupla. Os pais precisam passar de forma clara os valores familiares, mas também os da sociedade em que vivem. Delegar à escola a formação da consciência total do aluno é errado. É um trabalho que é feito em conjunto e é aqui que é importante reconhecer o trabalho da escola. Existem coisas primordiais. Se um aluno não respeita os próprios pais dificilmente vai respeitar um professor. Não se pode ter a ilusão de que a escola é responsável por tudo. O aluno tem que trazer coisas de casa.

O que não deve ser aprendido na escola?

Intolerância e falta de respeito. Quando uma pessoa é intolerante e não respeita nada dificilmente você consegue trabalhar alguma coisa. Nós somos sociais, a diversidade nos embeleza e nos dá a firmeza na construção da nossa personalidade e saúde mental. A nossa sociedade adoece pela falta de respeito nos diversos campos, principalmente pela intolerância nas opiniões divergentes. É difícil conviver com a velocidade das mudanças que acontecem na nossa sociedade. Não podemos nos esquecer que precisamos ser críticos, agir de acordo com nossas convicções, respeitando as diferenças. Essa clareza que precisamos respeitar e precisamos ser respeitados é que nos possibilita conviver longe da barbárie. E vemos por aí a intolerância chegar a níveis que matam.

 

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TAGS: Educação