O que nos faz começar a comer e o que nos faz parar

Novo estudo com ratos sem cérebro explica como o corpo regula fome e saciedade
sexta-feira, 13 de junho de 2025
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)
Será que realmente temos livre-arbítrio quando se trata de comer? Esta é uma questão incômoda que está no cerne do motivo pelo qual tantas pessoas têm tanta dificuldade em seguir uma dieta.

Pesquisadores acreditavam que o corpo enviaria sinais ao cérebro de estômago cheio e as pessoas parariam de comer. Mas não é nada disso
Para obter respostas, o neurocientista Harvey J. Grill, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, recorreu a ratos e perguntou o que aconteceria se ele removesse os cérebros deles, exceto o tronco cerebral. O tronco cerebral controla funções básicas como a frequência cardíaca e a respiração. Mas os animais não conseguiam cheirar, não conseguiam ver, não conseguiam se lembrar.

Será que eles saberiam quando tivessem consumido calorias suficientes? Para descobrir, o Dr. Grill pingava comida líquida em suas bocas. “Quando chegavam a um certo limite, deixavam a comida escorrer pela boca”, disse.

Esses estudos, iniciados décadas atrás, foram o ponto de partida para um conjunto de pesquisas que tem surpreendido continuamente os cientistas e demonstrado que a sensação de saciedade dos animais não tem nada a ver com a consciência.

Saciedade

O trabalho ganhou ainda mais relevância à medida que os cientistas descobrem como exatamente os novos medicamentos que causam perda de peso, comumente chamados de GLP-1s, incluindo o Ozempic, afetam os sistemas de controle da alimentação no cérebro.

A história que está surgindo não explica por que algumas pessoas ficam obesas e outras não. Em vez disso, oferece pistas sobre o que nos faz começar a comer e quando paramos.

Embora a maioria dos estudos tenha sido em roedores, é difícil pensar que os humanos sejam de alguma forma diferentes, explica Jeffrey Friedman, pesquisador de obesidade da Universidade Rockefeller, em Nova York. Os humanos, disse ele, estão sujeitos a bilhões de anos de evolução, que levaram a elaboradas vias neurais que controlam quando comer e quando parar de comer.

Ao investigarem como a alimentação é controlada, os pesquisadores descobriram que o cérebro recebe constantemente sinais que indicam a densidade calórica de um alimento. Há uma certa quantidade de calorias que o corpo precisa, e esses sinais garantem que o corpo as receba.

O processo começa antes mesmo de um animal de laboratório dar uma única mordida. A simples visão da comida estimula os neurônios a antecipar se esse alimento conterá muitas calorias. Os neurônios respondem mais intensamente a um alimento como manteiga de amendoim, rico em calorias, do que a um alimento de baixa caloria, como ração para camundongos.

O próximo ponto de controle ocorre quando o animal prova o alimento: os neurônios calculam a densidade calórica novamente a partir de sinais enviados da boca para o tronco encefálico. Finalmente, quando o alimento chega ao intestino, um novo conjunto de sinais enviados para o cérebro permite que os neurônios determinem novamente o conteúdo calórico.

E é, na verdade, o conteúdo calórico que o intestino avalia, como descobriu Zachary Knight, neurocientista da Universidade da Califórnia em São Francisco. Ele observou isso quando infundiu diretamente três tipos de alimentos no estômago de camundongos. Uma infusão era de alimentos gordurosos, outra de carboidratos e a terceira de proteínas. Cada infusão continha o mesmo número de calorias.

Em cada caso, a mensagem para o cérebro foi a mesma: os neurônios estavam sinalizando a quantidade de energia, na forma de calorias, e não a fonte das calorias. Quando o cérebro determina que calorias suficientes foram consumidas, os neurônios enviam um sinal para parar de comer.

Knight diz que essas descobertas o surpreenderam. Ele sempre pensou que o sinal para parar de comer seria “uma comunicação entre o intestino e o cérebro”. Haveria uma sensação de estômago cheio e uma decisão deliberada de parar de comer.

Usando esse raciocínio, algumas pessoas que fazem dieta tentam beber um copo grande de água antes de uma refeição ou se fartar de alimentos de baixa caloria, como aipo. Mas esses truques não funcionaram para a maioria das pessoas porque não levam em conta como o cérebro controla a alimentação. 

De fato, Knight descobriu que camundongos nem sequer enviam sinais de saciedade ao cérebro quando tudo o que recebem é água. É verdade que as pessoas podem decidir comer mesmo quando estão saciadas ou podem decidir não comer quando estão tentando perder peso. E, afirma Grill, em um cérebro intacto — não apenas um tronco cerebral — outras áreas do cérebro também exercem controle.

Mas, alega Friedman, no final, os controles do cérebro normalmente anulam as decisões conscientes de uma pessoa sobre se ela sente necessidade de comer. Ele diz que, por analogia, você pode prender a respiração — mas apenas por um tempo limitado. E você pode suprimir uma tosse — mas apenas até certo ponto.

Scott Sternson, neurocientista da Universidade da Califórnia em San Diego e no Instituto Médico Howard Hughes, concorda.

“Há uma grande proporção de controle do apetite que é automático”, diz Sternson, que também é cofundador de uma startup, a Penguin Bio, que desenvolve tratamentos para obesidade. “As pessoas podem decidir comer ou não em um determinado momento”. Mas, acrescenta, manter esse tipo de controle consome muitos recursos mentais. “Eventualmente, a atenção se volta para outras coisas e o processo automático acaba dominando”.

Ao investigarem os sistemas de controle da alimentação no cérebro, os pesquisadores se surpreendem continuamente. Eles aprenderam, por exemplo, sobre a rápida resposta do cérebro apenas à visão da comida.

Fome ativada

Neurocientistas encontraram em camundongos alguns milhares de neurônios no hipotálamo, no fundo do cérebro, que respondiam à fome. Mas como eles são regulados? Eles sabiam, por estudos anteriores, que o jejum ativava esses neurônios da fome e que os neurônios ficavam menos ativos quando um animal estava bem alimentado.

A teoria deles era que os neurônios estavam respondendo aos estoques de gordura do corpo. Quando os estoques de gordura estavam baixos, como acontece quando um animal jejua, por exemplo, os níveis de leptina, um hormônio liberado pela gordura, também estavam baixos. Isso ativaria os neurônios da fome. À medida que um animal se alimenta, seus estoques de gordura são repostos, os níveis de leptina aumentam e, presumia-se, os neurônios se acalmariam.

Acreditava-se que todo o sistema respondia lentamente ao estado de armazenamento de energia no corpo. Mas então três grupos de pesquisadores, liderados independentemente por Knight, Sternson e Mark Andermann, do Centro Médico Beth Israel Deaconess, examinaram a atividade dos neurônios da fome a cada momento.

Eles começaram com camundongos famintos. Seus neurônios da fome disparavam rapidamente, um sinal de que os animais precisavam de comida. A surpresa aconteceu quando os pesquisadores mostraram comida aos animais.

“Mesmo antes da primeira mordida, a atividade desses neurônios se desligou”, diz Knight. “Os neurônios estavam fazendo uma previsão. O camundongo olha para a comida. O camundongo prevê quantas calorias irá comer. Quanto mais calórico o alimento, mais neurônios se desligam”.

“Os três laboratórios ficaram chocados. Foi muito inesperado”, conta Bradford B. Lowell, que trabalhou com Andermann no Israel Deaconess. 

Lowell então perguntou o que aconteceria se ele desligasse deliberadamente os neurônios da fome, mesmo que os camundongos não tivessem comido muito. Os pesquisadores podem fazer isso com manipulações genéticas que marcam os neurônios para que possam ligá-los e desligá-los com um medicamento ou com uma luz azul. Esses camundongos não comiam por horas, mesmo com comida bem à sua frente.

Lowell e Sternson realizaram independentemente o experimento oposto, ligando os neurônios em camundongos que tinham acabado de fazer uma refeição farta, o equivalente para camundongos a uma ceia de Natal. Os animais estavam reclinados, sentindo-se satisfeitos.

Mas, relata Andermann, que repetiu o experimento, quando ligaram os neurônios da fome, “o camundongo se levanta e come mais 10 a 15% do seu peso corporal”. Ele acrescentou: “Os neurônios estão dizendo: ‘Concentre-se apenas na comida’”.

Os pesquisadores continuam surpresos com o que estão descobrindo — camadas de controles no cérebro que garantem que a alimentação seja rigorosamente regulada. E indícios de novas maneiras de desenvolver medicamentos para controlar a alimentação.

 

(Fonte: infomoney.com.br)

 

Publicidade
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Apoie o jornalismo de qualidade

Há 80 anos A VOZ DA SERRA se dedica a buscar e entregar a seus leitores informações atualizadas e confiáveis, ajudando a escrever, dia após dia, a história de Nova Friburgo e região. Por sua alta credibilidade, incansável modernização e independência editorial, A VOZ DA SERRA consagrou-se como incontestável fonte de consulta para historiadores e pesquisadores do cotidiano de nossa cidade, tornando-se referência de jornalismo no interior fluminense, um dos veículos mais respeitados da Região Serrana e líder de mercado.

Assinando A VOZ DA SERRA, você não apenas tem acesso a conteúdo de qualidade, mantendo-se bem informado através de nossas páginas, site e mídias sociais, como ajuda a construir e dar continuidade a essa história.

Assine A Voz da Serra

TAGS: