O impacto das mídias sociais na saúde mental dos jovens

Jonathan Haidt convida à reflexão sobre as relações entre tecnologia e transtornos mentais
sexta-feira, 31 de janeiro de 2025
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)
Quando uma criança ou adolescente enfrenta um problema de saúde mental, como ansiedade ou depressão, não é raro que os pais se perguntem: “Por que isso está acontecendo?”. Esse questionamento, carregado de dor e incerteza, reflete a busca humana por nexos causais [relação entre causa e dano]. 

Não há dúvidas de que a vida mental dos jovens de hoje está profundamente entrelaçada com o mundo digital. Mas, atribuir às mídias sociais o papel de principal vilã é uma visão que não faz justiça à complexidade do fenômeno
Ao longo do tempo, os campos da psiquiatria e da psicologia têm se esforçado para entender por que alguns jovens desenvolvem transtornos mentais enquanto outros não. Recentemente, a percepção crescente de que mais e mais crianças e adolescentes estão enfrentando problemas de saúde mental trouxe esse tema ao centro do debate público.

É a partir deste gancho que o psicólogo social Jonathan Haidt constrói o argumento de seu mais recente livro, “A Geração Ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais” (Cia. das Letras). Baseando-se no modelo tecnológico das gerações — que define os limites geracionais a partir de mudanças tecnológicas na sociedade — Haidt foca na chamada geração Z, nascida aproximadamente entre 1995 e 2012, o primeiro grupo de indivíduos a atravessar a puberdade com acesso a smartphones e mídias sociais.

A família, antes reunida em frente à televisão, hoje está individualizada, com cada membro interagindo sozinho com uma ou mais telas. Ao mesmo tempo, pesquisas que usaram metodologias padronizadas para avaliar características dos jovens ao longo das décadas convergem ao indicar que — ao menos nos EUA — as idades médias do primeiro encontro romântico, do primeiro emprego e mesmo da primeira experimentação de drogas vêm aumentando. No entanto, o grande diferencial da geração Z está no fato de serem os primeiros a se exporem à tecnologia justamente no período crucial da formação de suas identidades: a adolescência.

Haidt atribui o declínio da saúde mental de jovens a dois fatores principais: o aumento do uso de mídias sociais e a diminuição do brincar sem supervisão. Ele sugere que uma “grande reconfiguração da infância” vem ocorrendo devido à combinação de uma superproteção no mundo offline e uma baixa proteção no mundo online. Esse argumento serve de justificativa para as quatro grandes recomendações que apresenta em seu livro: 1. Nada de smartphones antes do ensino médio; 2. Nada de redes sociais antes dos 16 anos; 3. Escolas livres de celular, inclusive nos recreios; e 4. Mais independência e brincadeiras livres no mundo real.

Ansiedade e depressão 

Desde sua publicação, o livro tem sido alvo de críticas de pesquisadores na área, muitos apontando que as evidências até agora são inconclusivas e que as mídias podem até ter efeitos benéficos para alguns jovens. Ao mesmo tempo, iniciativas de saúde pública para restringir o acesso de jovens às novas tecnologias já começaram a ser implementadas em diversos países. A preocupação com os impactos negativos de novas tecnologias na saúde mental não é novidade: rádio, televisão e videogames já foram alvo de críticas no passado. Mas será que a atual ênfase nas mídias sociais é apropriada?

O foco nos jovens se justifica, pois a adolescência e o início da idade adulta representam o pico de incidência de transtornos mentais. Mais do que isso, em países nos quais dados epidemiológicos de qualidade estão disponíveis, observa-se um aumento na prevalência de transtornos como ansiedade e depressão nessa faixa etária. Alguns poderiam argumentar que esse crescimento é resultado de maior acesso à informação e redução do estigma, mas indicadores menos dependentes de relato, tais como visitas a emergências e taxas de suicídio, também estão em ascensão.

O aumento nos indicadores de piora da saúde mental coincide com a disseminação das novas tecnologias, o que justifica um exame mais atento da matéria. Dados norte-americanos sugerem que por volta de 2010 houve um crescimento nos problemas de saúde mental entre adolescentes, especialmente entre as meninas; neste mesmo período iniciou a rápida disseminação de smartphones. Entretanto, é fundamental lembrar que correlação não implica causalidade.
    Assim como podemos imaginar que o uso excessivo de redes sociais afeta a saúde mental, também é plausível que jovens ansiosos ou deprimidos busquem refúgio no mundo virtual. 

Há diversas hipóteses que explicam como o uso excessivo de mídias sociais prejudica a saúde mental, como privação de sono e fragmentação da atenção. O portal que cada jovem carrega em seu bolso transforma cada um em gestor de sua própria imagem, gerando preocupações constantes com seguidores e curtidas, além da pressão para criar o clique perfeito. Vale lembrar que a câmera frontal dos celulares, tão essencial para os selfies, foi introduzida há menos de quinze anos.

Para os pais, é difícil resistir ao argumento de que “todo mundo está fazendo”. Como deixar seu filho ser o único da turma sem smartphone? Curiosamente, este argumento costuma aparecer em quase todas as casas na hora de convencer os pais, e praticamente todas as crianças são “as únicas que ainda não têm”. E, se todos estão usando, deve ser seguro, certo? 

Há 400 anos, e o que se sabe hoje

Dada a natureza social das novas tecnologias, Haidt destaca que uma resposta coletiva torna-se necessária. Para além da decisão de fornecer dispositivos e controlar acesso, é importante reconhecer que os efeitos podem se dar mesmo em quem não os utiliza. Imaginemos, por exemplo, uma situação em que a maioria da sala está fazendo uso: não dá para dizer que quem não está usando não será impactado.

Desde seu lançamento, o livro “A Geração Ansiosa” tem atraído atenção por sua visão sobre a saúde mental dos jovens. Embora a obra traga à tona um fenômeno que merece escrutínio, sua ênfase em uma única grande explicação pode, ainda que não intencionalmente, perder o foco do debate sobre saúde mental.

Há mais de 400 anos, Robert Burton, em “A Anatomia da Melancolia”, já identificava 44 possíveis causas para a depressão. No último século, na tentativa de se consolidar como uma especialidade médica, a psiquiatria acabou adotando teorias monocausais para explicar a origem dos transtornos mentais, como se a descoberta de uma única causa pudesse dar legitimidade a esses problemas, tão difíceis de quantificar e entender.

Curiosamente, essa abordagem ignorou a complexidade inerente à saúde mental. Hoje, sabemos que os transtornos mentais se assemelham muito mais a doenças como o câncer ou doenças cardiovasculares, cuja compreensão da etiologia multifatorial tem permitido grandes avanços em sua prevenção e tratamento nas últimas décadas.

Reconhecer as nuances dos fatores que influenciam a saúde mental dos jovens é crucial e qualquer debate sério sobre o problema precisa ir além de explicações simplistas. Não há dúvidas de que a vida mental dos jovens de hoje está profundamente entrelaçada com o mundo digital. No entanto, atribuir às mídias sociais o papel de principal vilã por trás da epidemia de transtornos mentais é uma visão que não faz justiça à complexidade do fenômeno. 

Um exame cuidadoso da literatura científica tampouco permite afirmar que essas plataformas sejam inofensivas, exigindo, portanto, uma abordagem cautelosa, principalmente se levarmos em consideração que a exposição maciça acaba sendo um experimento social com indivíduos ainda em desenvolvimento. A obra A Geração Ansiosa é um convite valioso à reflexão sobre as relações entre tecnologia e saúde mental dos jovens, mas certamente não oferece a palavra final sobre o assunto.

(Fonte:Trechos de artigo do psiquiatra Christian Kieling / estadodaarte.estadao)

 

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