Meio Ambiente: Nova Friburgo retrocede na coleta seletiva

Sem uma política que incentive e dê ferramentas para a separação do lixo, cidade recicla apenas 0,11% dos resíduos
sábado, 04 de junho de 2022
por Christiane Coelho, especial para A VOZ DA SERRA
Detritos nas margens do Rio Bengalas: cena diária e triste (Fotos: Henrique Pinheiro)
Detritos nas margens do Rio Bengalas: cena diária e triste (Fotos: Henrique Pinheiro)

Neste domingo, 5, celebra-se o Dia Mundial do Meio Ambiente, uma data para lembrarmos da importância da preservação do meio em que vivemos e não só de informar sobre as ações que cada um pode fazer, mas também de colocá-las em prática. Uma delas, é a coleta seletiva e a destinação de resíduos recicláveis para esse fim. Uma prática simples, que qualquer um pode já começar dentro da sua casa. Com duas lixeiras: uma destinada a resíduos secos (papel, plástico, vidro) e outra para resíduos úmidos, já se pode iniciar uma ação em prol da preservação do meio ambiente. 

Mas, em Nova Friburgo, muitos que desejam começar a separar os resíduos, não vão adiante com essa prática por não terem a quem destinar o que foi separado, não há no município a coleta seletiva pública e nem uma política que incentive essa prática. Isso reflete diretamente no resultado apontado pelo Mapeamento dos Fluxos de Recicláveis Pós-Consumo no Estado do Rio de Janeiro, da Federação das Indústrias do Estado (Firjan). 

O levantamento aponta que o município recicla apenas 0,11% dos resíduos coletados. Em 2021, foram coletados mais de 78 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos e apenas 90 toneladas foram resíduos recicláveis coletados seletivamente, o que corresponde a apenas 0,11% do total. 

Para Fernando Cavalcante (abaixo), professor, geógrafo e especialista em engenharia ambiental, a coleta seletiva é um pilar fundamental para a construção da sustentabilidade. “Numa floresta, todos os resíduos produzidos são reabsorvidos pela própria floresta mantendo um delicado equilíbrio. Na sociedade humana, grande parte do que é produzido vai para o lixo e daí para a natureza. De uma forma ou de outra, poluindo e contaminando solos, água e atmosfera. A coleta seletiva, embora não resolva totalmente o problema, minimiza os danos à natureza, e cria um arranjo produtivo para a reciclagem dos produtos, que gera empregos e negócios. E no final das contas o meio ambiente agradece o alívio da pressão das milhares de toneladas de lixo produzidas diariamente e procurando um lugar na natureza para ser depositada”, explica ele.

Fernando acredita que a solução parte do pressuposto de entender o universo do lixo como um arranjo produtivo, que gera negócios milionários, empregos e sustentabilidade. “A partir daí a catação de recicláveis por cooperativa de catadores e a implantação da coleta seletiva representa, na realidade, a recuperação de matérias primas valiosas, e a manutenção de ambientes naturais mais limpos. A partir deste entendimento, praticar a coleta seletiva passa a ser uma ação óbvia e necessária. É por isso que a educação ambiental é fundamental para se realizar qualquer política ambiental. Sem o entendimento do objetivo, por que fa zer?”, questiona ele.

Sem cooperativas, sem reciclagem

O mapeamento feito pela Firjan também identificou a ausência de cooperativas atuando no setor não só em Nova Friburgo, mas na região Centro-Norte. Isso deve-se à informalidade dos trabalhadores da área, de acordo com o estudo. O que se identificou no mapeamento foi a atuação de sete empresas formais, operadores que recebem e destinam resíduos sólidos não-perigosos, no município. Duas empresas atuam na prestação de serviços de gerenciamento de resíduos, duas indústrias recebem resíduos de outras empresas e internalizam como matéria-prima na produção e três empresas são atacadistas de materiais recicláveis. Essas são empresas que, no ano de 2019, receberam resíduos não perigosos de maneira formal, ou seja, registrando adequadamente no sistema de controle de resíduos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea).

Muitas empresas da cidade têm projetos de destinação e reaproveitamento. Para Fernando, os projetos de separação e reaproveitamento dos resíduos industriais, acompanham as evoluções tecnológicas. “Hoje há um maior aproveitamento dos tecidos pelas confecções. O resíduo diminuiu na última década. Mas ainda há muito que fazer para reciclar/reaproveitar tais resíduos”, acredita ele. 

Essa ideia é compartilhada pela presidente da representação regional da Firjan no Centro-Norte fluminense, Márcia Carestiato Sancho. "No mapa de atores formais da reciclagem da nossa região não visualizamos cooperativas de reciclagem. Por outro lado, nossa região tem o melhor resultado de separação de recicláveis pós-consumo nas empresas: 44,6% do volume gerado saem separados por tipo das empresas, um número bem acima da média estadual. Isso demonstra o engajamento das empresas do Centro-Norte com relação ao tema. Temos potencial para transformar lixo em recursos e existe campo para melhor aproveitamento desse material. Acreditamos que a solução está no fortalecimento e desburocratização do encadeamento produtivo da reciclagem”, disse ela.

Retrocesso na educação ambiental e coleta de resíduos

Em 2003, foi implantado em Nova Friburgo um programa de coleta seletiva. De acordo com o Plano Municipal de Saneamento Básico, elaborado em 2014, o projeto era articulado junto com o programa de educação ambiental realizado nas escolas públicas e para toda a população. O documento informa que o programa de coleta seletiva era realizado com 30 pontos de entrega voluntários, os ecopontos, onde os resíduos recicláveis, como papel, latas, plásticos e vidros, eram depositados pelos cidadãos. 

Nos bairros Cônego e Cascatinha era feita a coleta porta-a-porta em dias pré-determinados. A coleta seletiva também era realizada em escolas municipais. O programa de coleta seletiva foi avaliado com condições operacionais parcialmente adequadas, pois os ecopontos ainda são poucos para o número de moradores.

Segundo Fernando Cavalcante, o chamado lixo seco oriundo dessa coleta seletiva era levado para a esteira de catação da Empresa Brasileira de Meio Ambiente (EBMA), a concessionária responsável pelos serviços de coleta e tratamento final dos resíduos domiciliares e de saúde do município,  onde a Cooperativa de Catadores separava os tipos de recicláveis e os preparava para a venda. “Chegaram a vender, por exemplo, 40 toneladas de plástico fino por semana”, revela ele. Esse número é quase a metade de todo o material reciclável recolhido em 2019.

Fernando também lembra que em toda a cidade a educação ambiental voltada para as escolas sustentavam a motivação da população para separação dos resíduos. Foi desenvolvida uma história em quadrinhos para o público infanto juvenil e uma peça de teatro itinerante. Também tinha um filme educativo que foi trabalhado em todo o município. O Limpim foi o personagem criado para simbolizar o espírito da campanha da coleta seletiva.

Dados do Plano Municipal de Saneamento Básico de Nova Friburgo comparados com os dados do Mapeamento dos Fluxos de Recicláveis Pós-Consumo no Estado do Rio de Janeiro, da Firjan demonstram o retrocesso da cidade na coleta seletiva. Em 2007 era recolhido o dobro de resíduo reciclável que em 2019, cerca de 181 toneladas. Dados de 2013 mostram que eram recolhidos 411% a mais de material reciclável, 370 toneladas, comparado com as 90 toneladas de 2019.

A EBMA

A VOZ DA SERRA entrou em contato com a Empresa Brasileira de Meio Ambiente (EBMA), responsável pela coleta do lixo doméstico no municíio, através de sua assessoria de empresa, pedindo informações sobre o trabalho prestado na cidade, números, recicláveis, entre outros dados e fomos informados que a política da empresa, enquanto concessionária, é só passar as informações ao concessor, ou seja, à Prefeitura de Nova Friburgo. Não obtivemos nenhum dado da empresa.

Em seu site na internet, a empresa, estranhamente, informa que “cobre todo o território de Nova Friburgo, realizando a coleta seletiva, porta a porta e a instalação de Pontos de Entrega Voluntária (PEVs). Atualmente, a cidade conta com 20 PEVs e 37 ecopontos instalados em locais estratégicos. Mas, na prática, a coleta seletiva é realizada porta a porta somente em alguns bairros, como: Caledônia, Cônego, Sítio São Luiz e Cascatinha. Todo material da coleta seletiva é destinado à Cooperativa de Catadores do município – organização criada em colaboração com recicladores, que antes atuavam no lixão da cidade. Hoje, de forma organizada, a Cooperativa de Catadores utiliza uma usina de reciclagem onde são realizados os processos de coleta, enfardo e venda, gerenciando seus negócios, gerando mais renda para a população de Nova Friburgo e estimulando a economia local.”

O contrato de concessão de serviços de coleta e tratamento final dos resíduos domiciliares e de saúde do município com a EBMA, firmado em 1998, termina em 2023, quando uma nova licitação deverá ser feita para escolha de nova empresa ou continuação da mesma, caso saia vencedora.

O Conselho Municipal de Meio Ambiente criou a Câmara Técnica de Resíduos Sólidos para subsidiar a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável na construção dos parâmetros fundamentais para a criação do Plano Municipal de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos, que criará toda a regulamentação para essa nova licitação.

Prefeitura leiloou 21 toneladas de recicláveis em 2021

Informações passadas pela prefeitura, no entanto, contradizem o que a EBMA informa em seu site. A prefeitura informou, através de nota, que, por ordem judicial, a Cooperativa de Catadores deixou de atuar na EBMA, desde 2016 e que a separação dos resíduos recicláveis é feita pelos funcionários da concessionária. Informou ainda que realizou um leilão online, em agosto de 2021, no qual mais de 15 toneladas de materiais recicláveis recolhidos na cidade e separados pela EBMA foram arrematadas, arrecadando R$ 21.215,73.  

A nota diz ainda que o recurso foi destinado ao Fundo Municipal de Meio Ambiente, que é gerido pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente. Ainda de acordo com o município, há expectativa de realizar um novo leilão  em breve, já com 40 toneladas. A data e os lotes serão divulgados com antecedência.

De acordo ainda com a prefeitura, o serviço de coleta seletiva foi inserido no contrato de concessão por meio do sexto termo aditivo e alterado no sétimo termo, de 2020. Na nota, a prefeitura informou que “a redação em vigor determina que a concessionária reestruture e opere o sistema de triagem, seleção e reciclagem dos resíduos sólidos coletados, e amplie a coleta seletiva até a constituição de uma cooperativa de trabalho ou ente associativo semelhante, disponibilizando todo o material reciclado, devidamente separado, identificado e pesado, em favor do município para dar a destinação legal.”

A prefeitura informou ainda que, segundo informações apresentadas pela EBMA para fins do ICMS Ecológico, a coleta seletiva é realizada porta a porta, atendendo aproximadamente 173 pontos coletados compreendidos entre escolas e residências, além de realizar a coleta em PEV´s (Pontos de Entregas Voluntárias).

 

Segundo a nota da prefeitura, o governo está viabilizando um processo de contratação de instituição que fará o estudo-diagnóstico para implementação do Plano de Gestão Integrado de Resíduos Sólidos, atendendo à lei federal 14.026/2020, que atualiza o Marco Regulatório de Saneamento Básico. Com isso, a cidade deverá ganhar um contrato mais moderno e compatível com as atuais políticas de gestão de resíduos.

Centro de Estudos Ambientais

Nova Friburgo tem também o Centro de Educação Ambiental (CEA), que segundo a prefeitura, foi construído para a promoção de palestras e encontros sobre a temática, mas teve seu imóvel destruído pelas chuvas de 2011. Após anos desativado, um novo imóvel foi construído para abrigar a unidade e reinaugurado em 2020. O espaço é equipado e possui instalações modernas, incluindo sala de audiovisual, visando oferecer conteúdo de educação ambiental para estudantes de escolas públicas e privadas e do serviço de coleta de lixo, transporte e tratamento de todos os resíduos gerados na cidade.

A prefeitura informou ainda que está retornando com as atividades do Centro. Neste mês, quando se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Sustentável promoverá a visita dos alunos da Escola Municipal Professora Adezir Almeida Garcia ao local, com a participação de membros do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Commam). Já o recurso do CEA com objetivo de promover a educação ambiental é destinado ao Fundo Municipal de Meio Ambiente, coordenado pelo Commam.

Transformando lixo em arte

A Associação Comercial Industrial e Agrícola de Nova Friburgo (Acianf) também está se mobilizando para trazer para a cidade a exposição “Fui lixo, sou arte”, do Recicla Orla, projeto que disponibiliza pontos de recolhimento de recicláveis nos quiosques da orla do Rio de Janeiro. O intuito da exposição é oferecer significados alternativos para o valor dos resíduos gerados pelo consumo, questionar a sociedade e incentivar a reciclagem e o consumo consciente, através de obras de arte feitas com resíduos. 

As peças foram desenvolvidas pela Reciclotron, uma startup de impacto socioambiental, nascida na Universidade Federal Fluminense (UFF) e acelerada pelo Sebrae, que desenvolveu uma tecnologia digital gameficada  engajando consumidores num ecossistema criativo de transformação cultural. Estímulos artísticos e jogos incentivam a aprendizagem, bonificando a adoção de práticas sustentáveis como a reciclagem de lixo eletrônico e o consumo consciente.

A exposição conta com cinco obras de arte feitas a partir de resíduos eletrônicos. A principal delas é a Angel Életronique DC2321, uma escultura com 2,5 metros, feita pelo artista André Rongo. “Angel Électronique DC2321 é uma guerreira da sustentabilidade, que nasceu na periferia, superou desafios e doenças para lutar por uma vida melhor para todos e defender um novo modelo de sociedade, mais engajado com a proteção ambiental, mais responsável com negócios éticos e eco conscientes e mais inclusiva para as pessoas. Demonstrar que o lixo que muitos descartam sem pensar, guarda oportunidades para desenvolver a própria sociedade. Angel, quer nesse tempo cada vez mais digital, proteger um ecossistema de vida sustentável, harmônica e próspera, rumo ao mundo que queremos”, descreve ele.

Enquanto a exposição não sobe a serra ela poderá ser apreciada desta segunda-feira, 6, ao próximo sábado, 11, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, Rio de Janeiro, de 13h às 18h, com entrada franca.

 

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