Muito se fala da importância do autoconhecimento e, por isso, o termo já se tornou até trivial. As pessoas acreditam que esse conhecimento vai ser o grande libertador de todo o sentimento de insuficiência que quase todo mundo experimenta atualmente. Mas sendo prático: como fazer isso deveria ser o nosso foco, já que a mente agitada nos afasta de todas as ferramentas para que esse caminho seja trilhado.
O Yoga Sutra, um dos documentos filosóficos mais bonitos da humanidade, diz que todo ser humano experimenta 5 obstáculos para evolução espiritual e que são as causas primárias de todo o sofrimento. São chamados de klesas, que são estados mentais que deixam a mente humana nublada e manifestam uma série de ações negativas.
Sabe-se que com esse tipo de mente nublada não se pode chegar a nenhum conhecimento de autotransformação. Einstein disse que não se pode resolver um problema com o mesmo estado mental que o criou e, é exatamente disso que se trata autoconhecimento: desapegar de velhos hábitos confortáveis.
Os 5 klesas são: avidya - falta de conhecimento ou ignorância; asmita - egoísmo, ou super identificação com o ego, que também poderia ser reconhecido como a vaidade que impede uma conexão com a própria alma; raga - apego, que te desencoraja a sair da zona de conforto para um território mais evoluído; dvesha - aversão, já que não aceitamos de forma alguma o que não é conveniente pro nosso ego, e ficamos preso numa vivência de sentimentos inferiores (discriminação, preconceito, dogmatismo, ceticismo, julgamento); e abhinivesha - o medo, especialmente o medo da morte, na confusão de que a existência está vinculada somente a esse corpo, pois só acreditamos no que os olhos terrenos veem.
Falar sobre hábito é falar sobre o funcionamento do sistema nervoso central e autônomo, já que cada tipo de pensamento aciona uma corrente elétrica em um circuito bem específico de neurônios. O interessante é que a reincidência desses pensamentos vai ativar o mesmo circuito de neurônios, ao invés de todos os outros, o que favorece a repetição do processo. Aí então, pensamentos e emoções se tornam produtores de hábitos. O neurônio é vivo e sensível a repetição de estímulos.
O nosso apego, ou hábito, que nesse sentido funcionam como sinônimos, é um grande limitador, pois acreditamos que comportamentos que funcionaram em algum momento especifico e critico da nossa vida vão funcionar para sempre, ou, até mesmo o apego a dor, pois achamos mais confortável sentir o mau que conhecemos do que se abrir para o bom desconhecido.
Momentos críticos como o que estamos vivendo não devem gerar desilusão no sentido de perda de esperanças ou descrenças em geral, mas desilusão no sentido maior da palavra, que é desmontar as ilusões. Nós vivemos iludidos dentro das nossas conveniências, e grandes crises podem ser o despertar de todos esses klesas ao mesmo tempo. A verdade é que as pessoas adoram romantizar que situações ruins geram aprendizado, mas caso não exista transformação nesses hábitos mentais, a situação indesejável é somente uma situação ruim, nada a mais.
A humanidade se reinventa e sustenta dessa forma a sua evolução. Essa capacidade de se reinventar faz com que o tempo seja de evolução e não simplesmente um cronômetro. Dizer “eu sou assim mesmo e não vou mudar” é se afundar no apego e na ignorância ao mesmo tempo, já que tudo se transforma o tempo todo no planeta, e não é um único ego inflamado que vai estar fora desse processo.
Nesse período de isolamento, os peixes já deram a cara em Veneza, os pássaros voltaram a aparecer em Roma, ou seja, a Terra dá o seu jeito, regida por uma inteligência maior. O homem comum, vivendo no mundo, está suscetível a todo o tipo de influência e reage a elas influenciado por emoções e perturbações da mente. Esses hábitos desconectam o homem dessa inteligência maior. É nesse sentido, que temos a grande chance de pegar uma carona nessa inteligência transformadora através da mudança dos hábitos que nos desconectam.
O filósofo e cineasta Richard linklater diz o seguinte: “Passamos pela vida esbarrando uns nos outros, sempre no piloto automático, como formigas, não sendo solicitados a fazer nada de verdadeiramente humano. Pare. Siga. Ande aqui. Dirija ali. Ações voltadas apenas a sobrevivência. Toda comunicação servindo para manter ativa a colônia de formigas de um modo eficiente e civilizado. “O seu troco”, “Papel ou plástico?”, “Crédito ou débito?”, “Aceita ketchup?”. Não quero um canudo. Quero momentos humanos verdadeiros. Quero ver você. Quero que você me veja. Não quero abrir mão disso. Não quero ser uma formiga.”
A imagem que acompanha esse artigo, dessa artista única da nossa cidade, representa saraswati - a forma feminina do criador. Representa todo o conhecimento e a inteligência que rege todas as coisas. Saraswati significa também “aquela que flui”, como o rio, pois o conhecimento não tem dono, ele flui da boca dos mestres, sábios e professores para nossos ouvidos, da mesma forma que flui um rio, que também não tem dono.
Aquele Rio que corre dentro de uma propriedade pertence a ela apenas momentaneamente, depois vai chegar até outras pessoas. Ninguém o possui, mas todos usufruem. O conhecimento está aí fluindo por diversos rios, basta que a gente acalme a mente para ser banhado por ele.
Então, lavem as mãos e respeitem a quarenta para se protegerem do vírus, mas, destruam os velhos hábitos, para que a gente possa aprender com ele.
* Igor é instrutor de Yoga
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