Hospital Raul Sertã: Operação Raio X do MPT revela série de irregularidades

A VOZ DA SERRA teve acesso com exclusividade ao relatório que expõe falhas graves que comprometem o atendimento, colocando vidas de pacientes e profissionais em risco
sexta-feira, 24 de maio de 2024
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Arquivo AVS/Henrique Pinheiro)
(Foto: Arquivo AVS/Henrique Pinheiro)

Em 20 de fevereiro deste ano, auditores fiscais da Gerência do Trabalho de Nova Friburgo (do Ministério do Trabalho e Emprego), realizaram fiscalização no Hospital Municipal Raul Sertã, no âmbito da Operação Raio X, atendendo uma ordem de serviço específica do Projeto de Prevenção de Acidentes e Doenças do Trabalho. 

A ação foi desenvolvida pela equipe de auditores fiscais Andrea Guarino Werneck, Aurimar Mendonça de Oliveira, Geovania Teixeira Cardinot Motroni e Julio Cesar Borges. As vistorias, nos mais diversos locais de trabalho e áreas de serviços inerentes à atividade hospitalar, foram acompanhadas por dois empregados concursados, vinculados à área de Administração Hospitalar, Ronan Muzi da Costa, e à área de Segurança e Saúde do Trabalho, Viviane Navega, presentes em todos os momentos da ação fiscal. 

Nos atos da fiscalização, a organização foi devidamente notificada a apresentar documentos comprobatórios do cumprimento de itens referentes às Normas Regulamentadoras (NR) pertinentes às atividades desenvolvidas e inerentes às especificidades dos ambientes de trabalho. A fiscalização permaneceu em andamento, com diversas notificações formais e expressas e farta análise de documentos.

Além da ação voltada aos trabalhadores do órgão público, também foram fiscalizadas diversas empresas como prestadoras de serviços hospitalares, cedentes de estagiários, contratadas em obras internas e manutenção geral, naquilo que era pertinente ao ambiente de trabalho compartilhado e sob gestão do município de Nova Friburgo.

IRREGULARIDADES

Raio X

Na área administrativa, a auditoria constatou a falta de gestão profissional e continuada, quanto aos problemas, que são inúmeros, desde o atendimento aos ofícios que são encaminhados pelos responsáveis por setores à administração, até o não atendimento das solicitações e exigências descritas nas atas da Cipa. Como, por exemplo, os diversos ofícios encaminhados do setor de Raio X para a direção do Hospital Raul Sertã, sem que os mesmos tenham sido atendidos: em um deles cita as paredes com infiltrações, mofo e emboço solto; em outro, denunciam a utilização da sala da administração como depósito dos produtos químicos para a revelação, produtos estes que estavam armazenados dentro de caixas pelo chão.

Neste mesmo setor, as vistorias e entrevistas realizadas, seja com os trabalhadores ou com os responsáveis, bem como farta análise dos documentos pertinentes à radiologia, confirmaram que o órgão não cumpre os mais diversos itens relativos às obrigações atinentes à atividade, demonstrando que a gestão de riscos ocupacionais também é relegada a segundo plano, pela administração pública.

Também foram confirmadas a não realização da monitoração individual e de áreas. Alguns equipamentos de proteção individual (EPIs) apresentavam-se desgastados e com indícios de escorrimento da camada plumbífera, em aventais de proteção. O supervisor de radioproteção afirmou que realiza a verificação de eficácia dos EPIs, anualmente, mas não acompanha o descarte dos equipamentos que se tornem inservíveis, a partir da análise. Importante ressaltar que o estabelecimento não possuía responsável técnico nomeado.

Câmara escura

“Existe instalado um exaustor dentro da câmara escura e foi solicitado o nome da empresa que realizou a instalação e o Laudo de Adequação para saber se o exaustor atende o que preconiza a NR-32 e se o local instalado foi adequado. A organização não apresentou nenhum documento e nem soube informar qual a empresa que o instalou. Informações colhidas, no curso da inspeção fiscal, indicam que foi uma empresa terceirizada que instalou. O sistema de exaustor é necessário e obrigatório, pois os gases provenientes dos químicos são tóxicos. A auditoria constatou que dentro das câmaras escuras é muito quente, reclamações também passadas pelos trabalhadores, que muitas das vezes adentram na câmara sem o jaleco e sem a máscara devido ao calor dentro da sala. Informações dão conta que a temperatura ideal deve estar em torno de 18°C a 24°C, com umidade relativa do ar de 40% a 60%. A revelação para filmes de Raios-X é mais eficiente quando usadas dentro de um limite de temperatura (ideal 21ºC). Foi identificado que a porta para a câmara escura foi trocada, por não apresentar condições de vedação. A porta que foi colocada não se encontra em boas condições.”

Entre outras questões básicas ignoradas foram identificadas como pontos de energia elétrica sem os espelhos pondo em risco de choque os trabalhadores do setor; mobiliário sucateado; como o sistema de drenagem dos tanques é feito de modo improvisado, por vezes ocorre entupimento, inundando a câmara escura — e neste caso, tampos dos ralos são tirados para dar mais vazão.

Obras e riscos para os trabalhadores

O hospital passa por obras de manutenção de alguns locais, como o de repouso de trabalhadores e enfermarias. Tais serviços estão sob encargo de empresa cujo contrato foi firmado diretamente com o município de Nova Friburgo. No momento da ação fiscal, as obras estavam ocorrendo em enfermarias da área denominada Clínica Médica e o ambiente de trabalho apresentava diversas irregularidades, cujos autos de infração já foram lavrados, tais como:

  • Não isolamento de área das obras, acarretando dispersão de poeiras para o ambiente hospitalar, em pleno funcionamento no entorno das obras, bem como acesso irrestrito dos trabalhadores aos ambientes com risco biológico;
  • Ausência de cumprimento de itens básicos da NR 18 por parte da empresa terceira, como local para refeição, vestiário, etc.
  • Nos locais de construção, da futura cozinha e refeitório também foram verificadas diversas irregularidades:
  • Não isolamento de área das obras, acarretando dispersão de poeiras para o ambiente hospitalar; próximo ao atual refeitório, em pleno funcionamento no entorno das obras, bem como acesso irrestrito dos trabalhadores, aos ambientes com risco biológico;
  • Ausência de cumprimento de itens básicos da NR 18, por parte da empresa terceirizada, como local para refeição, vestiário, instalações sanitárias e não fornecimento do inventário de riscos.

A sala das nutricionistas apresenta paredes com infiltração e o forro do teto apresenta cupim; mobiliário inadequado (cadeiras com estofado rasgado e espuma aparente); e janela cujo vidro quebrado foi substituído por madeira.

Já na sala de descanso da Clínica Médica, a parede com revestimento de azulejos tem parte com reboco aparente; cortina improvisada com pedaços de tecido TNT; móveis com ferrugem; cama beliche com estrutura quebrada, com “emendas” de pedaço de madeira; teto com infiltração; não há armário para pertences pessoais, bolsas com as roupas e objetos pessoais ficam empilhadas no chão.

O posto de enfermagem da Clínica Médica apresenta mobiliário em ferro com pontos de ferrugem; chão de piso vinílico com vários pontos deteriorados, onde aparece o contrapiso; móveis em péssimo estado de conservação; esquadria da janela sem acabamento, com partes de reboco aparente; e fiação aparente.

Mobiliários

A auditoria constatou que a maior parte do mobiliário disponível está sucateado. Em todos os setores fiscalizados foram encontrados móveis velhos, quebrados, inadequados para o ambiente hospitalar e irregulares, quanto a sua ergonomia. 

Em vários postos de trabalho foram encontrados cadeiras e bancos sem regulagem que permitissem adaptá-los às características dos diversos trabalhadores. Além disso, foram encontradas algumas cadeiras e bancos de plástico, ou dobráveis, inadequados ao trabalho.

Como o hospital não disponibiliza lençóis, cobertores e travesseiros, nem se responsabiliza pela higienização desses itens, os trabalhadores são levados a trazê-los de casa, o que também aumenta o risco de contaminação. E, uma vez que a organização não mantém armários para os trabalhadores, essas roupas de cama ficam guardadas em grandes bolsas que, por sua vez, ficam empilhadas no chão dos locais destinados a guarda dos pertences ou de descanso dos empregados.

Gestão de pessoal

Visando pôr fim às diversas irregularidades, e para o bem da comunidade de trabalhadores do Hospital Municipal Raul Sertã, foi concedido prazo ao Município de Nova Friburgo/Fundação Municipal de Saúde de Nova Friburgo para que procedesse com a regularização de diversas obrigações trabalhistas e de Saúde e Segurança do Trabalho, que vinham sendo infringidas por mais de uma década.

O relatório final da operação, com fotos de todos os setores fiscalizados, foi entregue pelos auditores fiscais do trabalho aos órgãos interessados, Ministério Público do Trabalho, Justiça do Trabalho e Ministério Público Estadual, onde são descritas as mais diversas irregularidades verificadas, com farto aporte documental e fotográfico, além dos autos de infração lavrados, motivados pelo descumprimento da Legislação Trabalhista e das Normas de Segurança do Trabalho.

Visando pôr fim às diversas irregularidades, e para o bem da comunidade de trabalhadores do Hospital Raul Sertã, foi concedido prazo ao município de Nova Friburgo para que procedesse com a regularização de diversas obrigações trabalhistas e de Saúde e Segurança do Trabalho, que vinham sendo infringidas por mais de uma década, então, através de Ação Civil Pública (ACP) tendo como autor o Ministério Público do Trabalho, tendo como réus a Prefeitura e a Fundação Municipal de Saúde. Foram determinados prazos para que a administração pública cumprisse as obrigações, sob pena de punição pecuniária. A Prefeitura de Nova Friburgo tinha até esta sexta-feira, 24, para responder aos questionamentos, mas até o fechamento desta edição, não obtivemos essa confirmação. 

Por fim…

Na semana passada, o prefeito Johnny Maycon postou vídeo no instagram sobre visita que fez ao Hospital Raul Sertã, “para acompanhar o fluxo de atendimento, ouvir as pessoas e averiguar o abastecimento dos elementos essenciais de assistência aos pacientes”. Na postagem, ele enfatizou que a escala de atendimento de urgência estava completa, com 12 médicos de plantão. “Conversamos com inúmeros pacientes e seus familiares, a fim de ter um feedback de como está sendo o atendimento, ouvindo elogios e críticas. Também dialogamos com os nossos servidores, agradecendo-os por todo empenho e dedicação”, enfatizou o prefeito.

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