A hora de levar a ciência a sério

Brasil corre o risco de ser um país “arrasado por desastres naturais”
sexta-feira, 24 de maio de 2024
por Jornal A Voz da Serra
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)

O cientista Carlos Afonso Nobre, considerado referência internacional em aquecimento do planeta, alerta: “Ou o Brasil muda ou nos tornaremos um país arrasado por desastres naturais”. O climatologista argumenta que o país não pode deixar de aprender com a tragédia que assolou o Rio Grande do Sul para mudar os rumos do cenário catastrófico que se pode prever devido às mudanças climáticas.

Em entrevista à IstoÉ, o pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e membro do Painel Global de Sustentabilidade destaca a necessidade de proteger as matas, que reduzem em até 30% o efeito nocivo das enchentes e defende as transições do agronegócio para um modelo agropecuário regenerativo.

Sobre como proteger o clima na economia brasileira, baseada na produção de matéria-prima, ele defende adotar modernas tecnologias na energia, agricultura e em todos os outros setores. “Elas mostram soluções para reduzir as emissões, tornar a agricultura e a pecuária mais resilientes a esses eventos extremos. As áreas modificadas para agricultura regenerativa, onde há uma agropecuária mais sustentável, não chegam a 10%. É muito pouco”, argumenta.

Segundo ele, a agricultura e a pecuária regenerativas usam uma área muito menor e são mais produtivas e lucrativas. “Resistem melhor aos eventos extremos. No setor de energia a transição também é pequena. Mais de 80% do consumo do mundo ainda é fóssil, um risco muito grande”.

Nobre reitera que o Brasil caminha devagar para vencer o grande desafio da humanidade que é reduzir as emissões. “Esses eventos extremos não têm mais volta. Temos que tornar os sistemas em que vivemos algo para nós mesmos, nossa saúde, sobrevivência e melhoria da produção de alimentos e manutenção da biodiversidade através de uma série de atitudes. Precisamos também de sistemas de alerta mais efetivos. Já melhorou, porque os eventos de setembro do ano passado e de agora no Rio Grande do Sul foram anunciados com muitos dias de antecedência, com a previsão de riscos passada para as defesas civis”.

E o que falta? “As defesas civis ainda estão pouco preparadas, precisam melhorar muito. A gente sempre compara com o Japão. É um país de inúmeros terremotos, não existe previsibilidade, o terremoto é previsto na hora em que começa. E aí todo mundo, desde a escola, foi educado para saber o que fazer nos terremotos. A infraestrutura de rodovias, tudo está mais resiliente. 

No Brasil esses eventos são previstos com pelo menos três dias de antecedência. A defesa civil precisa ir imediatamente até as áreas de risco e tirar as populações. Precisamos de sirenes de alerta e ações para que as pessoas sejam alojadas com alimentos, medicamentos e água. Hoje todo mundo se comunica com celulares, mensagens, mas veja em quantas cidades do Rio Grande do Sul acabou a eletricidade e a internet. A população precisa saber para onde ir”, ressalta.

Poder público e as mudanças climáticas

Sobre o caos que esses eventos causam, Nobre diz que é uma boa oportunidade para despertar, para aprender com essa tragédia. “Vai ter eleição de vereador e prefeito em outubro e novembro deste ano. Tenho dito que independente de ideologia, de partido político, não votem em negacionista. Eles causam um enorme risco para o país. É hora da ciência”, enfatiza.

Para ele, todos os estados estão sensíveis a esse tipo de ocorrência no país. “No ano passado, tivemos em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, a maior chuva da história do Brasil, com 600 milímetros em 24 horas, que matou 64 pessoas. Esses eventos acontecem na região serrana do Rio, quase 330 milímetros em 24 horas. No Espírito Santo, mais de 30 pessoas morreram. Não tem jeito: vai ser no mundo inteiro”. (…)

E como avalia o comportamento do poder público em relação às mudanças necessárias?Não se ajustou”, respondeu, de pronto. 

“A primeira política de adaptação foi publicada em 2016 e pouquíssimo em orçamento foi implementado. O Brasil se compromete com redução das emissões em 50%, zerando o desmatamento até 2030. Poucos países no mundo vão ter esse sucesso, a adaptação é baixíssima. Depende do governo federal e também das defesas civis municipais, com investimento que não acontece por conta dos políticos que estão no Congresso, nas assembleias e câmaras municipais. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, não se diz negacionista, mas depois do evento horrível que matou 54 pessoas no ano passado, na bacia do rio Taquari, não aumentou o orçamento para 2024 para proteger a população. Isso é muito ruim. Ou o Brasil muda ou nós nos tornaremos um país arrasado por desastres naturais.”

Publicidade
CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE
Publicidade
Publicidade
Publicidade

Apoie o jornalismo de qualidade

Há 79 anos A VOZ DA SERRA se dedica a buscar e entregar a seus leitores informações atualizadas e confiáveis, ajudando a escrever, dia após dia, a história de Nova Friburgo e região. Por sua alta credibilidade, incansável modernização e independência editorial, A VOZ DA SERRA consagrou-se como incontestável fonte de consulta para historiadores e pesquisadores do cotidiano de nossa cidade, tornando-se referência de jornalismo no interior fluminense, um dos veículos mais respeitados da Região Serrana e líder de mercado.

Assinando A VOZ DA SERRA, você não apenas tem acesso a conteúdo de qualidade, mantendo-se bem informado através de nossas páginas, site e mídias sociais, como ajuda a construir e dar continuidade a essa história.

Assine A Voz da Serra

TAGS: