Histórias e curiosidades das pandemias em Nova Friburgo

Historiador conta como os moradores enfrentaram outras pandemias e epidemias, que atingiram a cidade ao longo dos seus 203 anos
sábado, 15 de maio de 2021
por Christiane Coelho (Especial para A VOZ DA SERRA)
Hoje, abandonado, o antigo Lazareto era o local onde os pacientes da gripe espanhola eram tratados (Foto: Henrique Pinheiro)
Hoje, abandonado, o antigo Lazareto era o local onde os pacientes da gripe espanhola eram tratados (Foto: Henrique Pinheiro)

Essa não é a primeira pandemia da história do mundo. Nem de Nova Friburgo. De acordo com o historiador friburguense, Edson Lisboa, na vinda dos colonos suíços para Nova Friburgo, muitos foram infectados pelo cólera, quando o navio ficou parado no Porto de Estavayer Le Lac, na Holanda. Dos 2.013 imigrantes embarcados no Urânia, nome do navio que trouxe os suíços para colonizar Nova Friburgo, 311 morreram em alto mar, vítimas da doença. Famílias inteiras sucumbiram na viagem. 

Os anos se passaram, mas a imagem de pessoas doentes com febre e enterros no mar acompanharam as lembranças dos colonos que sobreviveram. Uma delas foi Maria Magnin, que perdeu marido e filhos. Aqui, casou-se mais duas vezes, gerando a numerosa descendência dos Magnin (Manhães) e Sangy em Nova Friburgo”, relata o historiador.

Nos documentos do rico acervo do Pró Memória, que fica na Fundação Dom João VI, há vários relatos da dimensão da tragédia no Urânia, como as Cartas da Colônia. No inventário das “malas dos órfãos”, constam os objetos pessoais dos imigrantes que morreram na travessia do Atlântico. “Através delas Maria José Braga vestiu seus personagens no seu antológico livro “Tempo Anterior”. O inventário do boticário Leopoldo Boelle é também uma importante fonte para os estudos históricos. Nele está descrita toda a farmacologia trazida para Nova Friburgo para o tratamento dos colonos”, cita Edson Lisboa.

Saúde pública e epidemias

O médico Galdino do Valle havia chegado ao poder em 1913, como presidente da Câmara, que na época assumia as funções do Executivo Municipal. Além de criar serviços próprios para realização de obras públicas, principalmente na organização do espaço urbano, Galdino teve preocupação especial com a saúde pública. Atentou para qualidade da água, isolando as áreas das represas. Também iniciou o processo de vacinação da população, e isolou doentes das epidemias em prédio próprio municipal, em local afastado do Centro, o Lazareto, onde se localiza um bairro da cidade com o mesmo nome, entre Duas Pedras e Conselheiro Paulino. Na época, doenças infecciosas, como o tifo, a tuberculose e o alastrim infestavam principalmente os centros urbanos e os doentes eram levados para este lazareto.

Gripe Espanhola 

Em 1918, após o fim da primeira Guerra Mundial, uma pandemia de gripe Influenza atingiu o mundo todo e ficou conhecida como Gripe Espanhola, por ser a Espanha um dos países mais castigados pela doença. A doença chegou ao nosso país durante a segunda onda. “Fala-se que a contaminação brasileira com a Gripe Espanhola ocorreu quando uma embarcação inglesa, o Demerara, atracou em três cidades do Brasil, em setembro de 1918: Recife, Salvador e Rio de Janeiro”, relata Edson Lisboa.

Monsenhor Miranda, pároco da Paróquia de São João Batista, registrou a passagem da gripe espanhola na cidade no seu livro “Centenário Paroquial”. Monsenhor Miranda relata que o primeiro caso aconteceu no dia 12 de outubro de 1918. Uma pessoa vinda do Rio de Janeiro estaria contaminada. Ela morava num cômodo na Rua General Osório, dividindo-o com outras pessoas, espalhando, assim, a doença. “A primeira morte causada pela Gripe Espanhola aconteceu, logo em seguida, no dia 20 de outubro. Foi o jovem Alfredo Carlos, de 24 anos, que trabalhava na “Casa Spinelli & Filhos””, conta o historiador.

Na ocasião, o prefeito interino de Nova Friburgo, Francisco Caetano da Silva, convocou os médicos Henrique de Beauclair, Julião do Amaral, Galdino do Valle Filho, Acurcio Benigno, Emilio Sampaio, além de Julião do Amaral e Luiz Maranhão, do Sanatório Naval, e Bonifácio de Figueiredo, da Estrada de Ferro Leopoldina para combater a pandemia. Convocou também os doutorandos Sylvio Braune e Mario Sertã. “Dr. Galdino do Valle sugeriu a adaptação de uma casa em hospital de emergência para tratar os enfermos, conforme carta publicada no Jornal da Cidade. No Teatro Dona Eugênia foi instalada uma enfermaria de emergência para tratar os infectados, sob o comando do dr. Acúrcio Benigno, auxiliado pelos doutorandos Mario Sertã e Sylvio Braune”, explica Edson Lisboa. 

Dr. Jaime Jaccoud escreveu um artigo sobre a Gripe Espanhola, em Nova Friburgo. Ele relata as lembranças de seu pai, Aristão Jaccoud, dono da Farmácia Central, sobre a Pandemia. Segundo Jaime, no centro de Nova Friburgo, existiam três farmácias: Braune, Central e Guariglia. “Na Central, Aristão e dois empregados se arrastavam na produção das receitas, mesmo acometidos pela gripe. E, independente dos que pudessem ou não pagar, todos recebiam os medicamentos. O mesmo acontecia nas outras duas farmácias. No meio da pandemia, a Farmácia Guariglia teve que fechar as portas, porque os funcionários foram acometidos gravemente pela doença”, relata Jaime Jaccoud, se referindo às lembranças do pai.

Outro personagem histórico, que também estava presente na pandemia da Gripe Espanhola foi Alberto Braune. Ele era farmacêutico e atendia na farmácia Braune. Embora não fosse médico fazia partos, visitava doentes e receitava remédios. Chegou a ser acusado de exercício ilegal da profissão, mas foi inocentado. ”Na pandemia da Gripe Espanhola, dr. Alberto Braune, como era conhecido, saía às ruas atendendo os moribundos que eram carregados em padiolas, ou eram sustentados por duas pessoas nos ombros e chegavam ao Centro de Nova Friburgo se arrastando, muitas vezes vindo de longe em busca de socorro, lembrava  D. Emília Salomão, que o ajudou muitas vezes”, conta Edson Lisboa,  que entrevistou a enfermeira Emília Salomão, em 1992, um pouco antes da sua morte. Ela trabalhou com Alberto Braune, por conta da pandemia da Gripe Espanhola, quando tinha apenas seus 15 anos de idade.

A pandemia de Gripe Espanhola foi rápida e fulminante. Em 1º de dezembro o Jornal “Cidade de Nova Friburgo” já convocava para uma missa em Ação de Graças pelo fim da pandemia. Segundo Monsenhor Miranda, de outubro até o dia 7 de dezembro, foram sepultadas 129 pessoas no Cemitério São João Batista.” É bom lembrar que os que morreram nas zonas rurais foram sepultados nos cemitérios de suas localidades. Nova Friburgo possuía em 1920, 28.651 habitantes, segundo censo do IBGE de 1920”, completa Lisboa.

Bebidas miraculosas para combater a gripe espanhola

Os jornais da época eram repletos de anúncios de remédios milagrosos, que se diziam capazes de prevenir e de curar a gripe. A oferta ia de água tônica de quinino às balas à base de ervas, de purgantes às fórmulas com canela. “A procura foi tão grande que algumas farmácias se aproveitaram da situação e aumentaram os preços dos remédios. No Rio de Janeiro, a prefeitura reagiu e tabelou os valores dos medicamentos”, comenta o historiador.

Na cidade de São Paulo, a população em peso recorreu a um remédio caseiro: cachaça com limão e mel. Em consequência, o preço do limão disparou, e a fruta sumiu das mercearias. De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça, foi dessa receita supostamente terapêutica que nasceu a caipirinha. “Coincidência ou não, uma das peças de maior sucesso em São Paulo em 1918 se chama A Caipirinha”, completa Edson Lisboa.

Sobre Edson Lisboa 

Edson Lisboa é historiador e escritor. Licenciado em História pela Faculdade de Filosofia Santa Dorotéia e pós graduado em Economia Agrária pela Universidade Federal do Paraná, é também membro da Academia Friburguense de Letras e autor do livro "Nos caminhos da Tapera" e co-autor dos livros "Teia Serrana" e "Os crimes da fazenda Pontes de Táboas", todos sobre a história de Nova Friburgo e região.

 

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