A história do Hospital Municipal Raul Sertã

Da Santa Casa de Misericórdia à unidade regional de hoje
sábado, 04 de julho de 2020
por * Por Janaína Botelho
Prédio da Santa Casa de Misericórdia de Nova Friburgo (Fotos: acervo pessoal)
Prédio da Santa Casa de Misericórdia de Nova Friburgo (Fotos: acervo pessoal)
No ano de 1849, pela primeira vez o código de posturas do município de Nova Friburgo se ocupa da questão social. Nessa ocasião, a Câmara Municipal que possuía, além do poder Legislativo igualmente o Executivo, fica obrigada pela lei de 1° de outubro de 1828, a estabelecer uma Casa de Caridade para alienados, idosos, inválidos, mendigos e vagabundos(andarilhos pobres); um hospital para os enfermos pobres e uma Casa Pia para asilo de crianças desvalidas, expostos e órfãs.

"A imprensa estimulava o óbolo piedoso para a manutenção da Santa Casa".
Como a receita da Câmara era pífia e não permitia cumprir a legislação, contava com a filantropia dos habitantes do município. Para tanto, previa que enquanto não houvesse os referidos estabelecimentos, os fiscais deveriam dar todo o auxílio ao enfermo pobre procurando-lhe os remédios, que seriam pagos pela Câmara. Estimulava que pessoas caridosas amparassem ou sustentassem os velhos e inválidos. Procurava-se por famílias para abrigar crianças expostas ou abandonadas.

O Estado era praticamente ausente no campo da assistência social. Essa deficiência foi minimizada pelas associações de auxílio mútuo, muito comum entre algumas categorias profissionais bem como entre imigrantes de mesma nacionalidade. Os indigentes, desvalidos e enfermos pobres contavam com a caridade da população. Os médicos disponibilizavam um horário em suas consultas para “atender aos pobres”, conforme anúncios no jornal O Friburguense. 

Na primeira década do século 20, se instala em Nova Friburgo a indústria têxtil Rendas Arp e o município começa a atrair a população das cidades vizinhas em busca de empregos na fábrica. O aumento da população carente pode ter contribuído para que um grupo de empresários e famílias tradicionais do município tomasse a iniciativa de criar uma estrutura que atendesse aos enfermos desamparados. 

Trajano de Almeida, Luiz Spinelli, Acácio Borges, tenente Renato Arnaldo da Silveira Lopes, Henrique Éboli, Getúlio das Neves, Mário Sertã, José Marques Braga, entre outros, se reúnem no Teatro Dona Eugênia com o então prefeito Sylvio Rangel e decidem criar uma associação de caridade. No dia 28 de abril de 1918 é formalizada a Associação de Caridade de Nova Friburgo que tinha como provedor o engenheiro Farinha Filho. Cumpre destacar que o sistema político havia sido alterado poucos anos antes.

Até pouco mais da primeira década do século 20 a administração do município era atribuição da Câmara Municipal. Essa associação contava para a construção da casa de saúde com subscrições, ou seja, doação de dinheiro por parte da população. Todos os participantes da associação subscreveram fazendo doações tendo sido indicado Monsenhor José Silvestre Alves de Miranda como presidente honorário da comissão. O dinheiro arrecadado era depositado na Caixa Rural de Nova Friburgo. 

Com essas doações foi possível a edificação de um estabelecimento pio, “um teto para os deserdados da fortuna” na Avenida Friburgo, esquina da Rua Dona Umbelina, aproximadamente onde hoje está o posto de saúde no centro da cidade.

A inauguração da Santa Casa de Misericórdia de Nova Friburgo foi muito festejada na cidade onde tocaram as sociedades musicais Campesina e Euterpe. Nessa ocasião, era prefeito Gustavo Lira da Silva e a inauguração contou com a presença do governador do Estado, Raul Veiga. A empresa de eletricidade de Julius Arp ofereceu gratuitamente a energia elétrica a Santa Casa e doou aparelhos para o estabelecimento. 

A Câmara Municipal votou um aumento no imposto sobre o consumo de aguardente, revertendo metade dele em benefício à Santa Casa. Os alunos do Colégio Anchieta contribuíram com um óbolo assim como a Sociedade União Beneficente humanitária dos Operários. A imprensa estimulava o óbolo piedoso para a manutenção da Santa Casa, concitando a população a retirar uma quantia dos seus “folguedos” e contribuir com uma pequena parcela aos pobres, se tornando um esmoler. 

A campanha sensibiliza a população e havia pessoas que doavam galinhas, latas de biscoito, latas de banha, sacos de batatas, doces, fumo, camas, injeções e enxovais para recém-nascidos. Nessa época era muito comum o jornal publicar os nome dos doadores com as respectivas quantias doadas, mas havia também as doações anônimas.

Em 1º de maio de 1921, a instituição beneficente passa a ser denominada de Benemérita Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Nova Friburgo. Na gestão do provedor Acácio Borges o empresário Raul Sertã doa a Santa Casa de Misericórdia um terreno no final da Rua General Osório, no valor de 120 contos de réis, a maior doação até então recebida. 

Antônio Lopes Sertã(1851-1894) português originário da vila Sertã vinha periodicamente à vila de Nova Friburgo mascatear, carregado de mercadorias em lombo de burros. Conhece Elisa(1858-1933) com quem se casa e têm seis filhos, dois deles Raul o médico Mário Sertã. Esse médico inaugura a primeira casa de saúde particular em Nova Friburgo no centro da cidade. Igualmente havia na Rua General Osório um pronto socorro particular, onde funcionou posteriormente o Colégio Modelo. 

Para o caso de doenças infecto contagiosas havia o lazareto, no bairro Duas Pedras, que pertencia à prefeitura.  Raul Sertã, além de seus premiadíssimos frutos nas exposições agrícolas e outros negócios era um homem de espírito público e muito caridoso. Além de obras pias incentivava o esporte e o Nova Friburgo Futebol Clube deve a Raul Sertã o estádio que possui no centro da cidade. 

No terreno doado por Raul Sertã foi edificado o Hospital Santo Antônio, também chamado de Hospital Regional de Nova Friburgo, com instalações iniciais bem mais modestas do que as atuais. A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia administrava esse hospital. As irmãs da Ordem de São Vicente de Paulo auxiliavam na hotelaria do hospital preparando as refeições e lavando a roupa dos pacientes. 

No entanto, em meados do século 20a população havia crescido de sobremaneira e já não se poderia contar apenas com os óbolos da população para manter o hospital. A prefeitura passa a ter em sua dotação orçamentária uma verba destinada ao Hospital Santo Antônio e praticamente o mantinha. No entanto, a administração era da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia.

Havia duas chapas que disputavam a direção da irmandade, as chapas “Acácio Borges” e “Novos Rumos”. Internamente havia uma rusga entre os descendentes de libaneses e judeus que traziam para o seio da irmandade questões políticas internacionais. Renato Abi Ramia, José Barucke e os judeus Jayme Segal e Mário Haiut rivalizavam, para ficar apenas em alguns exemplos. 

Wilton Pirazzo, Ítalo Spinelli, Pedro Américo de Souza Cardoso, João Hélio Rocha, Rui Machado, Haroldo Gonçalves Pereira, o comandante do Sanatório Naval Antônio Marques das Neves e o bispo Dom Clemente Isnard eram igualmente membros da irmandade. Porém, iniciam-se greves dos funcionários do hospital, insatisfação da população com os seus serviços e a conta política caía no colo do prefeito, Paulo Azevedo. Foi quando Paulo Azevedo toma a decisão de desapropriar o Hospital Santo Antônio, municipalizando-o, retirando da Santa Casa da Misericórdia a administração. 

Essa medida não agradou a muitos membros da irmandade e nessa ocasião era provedor o industrial José Luiz da Silva. Na realidade, a prefeitura já era responsável pelo posto de urgência ou pronto socorro, mas não tinha o controle sobre a administração geral do hospital. Dessa forma, pela primeira vez, a gestão da saúde passa a ser totalmente do órgão municipal. Paulo Azevedo muda o nome do hospital de Santo Antônio para Raul Sertã, em homenagem ao seu benemérito. O secretário de Saúde na ocasião era o médico Mário Bonin que passa a gerir todo o hospital. Finalmente, o governo assume o protagonismo da saúde da população.    

* Janaína Botelho é professora de História do Direito na Ucam e autora de diversos livros sobre Nova Friburgo. Curta no Facebook “História de Nova Friburgo”

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