Friburguenses relembram os personagens mais pitorescos da cidade

Lulu Carne Seca, Pisa Macio, Maria Tostão… A curiosa galeria que marcou a cena urbana e o imaginário popular desde os anos 70
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
por Adriana Oliveira (aoliveira@avozdaserra.com.br)
Foto rara mostra Lulu Carne Seca andando pela rua com pneu no pescoço (Foto de leitor)
Foto rara mostra Lulu Carne Seca andando pela rua com pneu no pescoço (Foto de leitor)

Uma simples postagem no Baú de História e Memória, um grupo público de Facebook já com mais de dez mil membros, puxou um fio que, desde junho, vem desenrolando um emaranhado de memórias afetivas dos friburguenses. Em quase mil comentários desde então, por ali desfila uma galeria de personagens pitorescos que, com suas bizarrices, marcaram a cena urbana e o imaginário coletivo desde os anos 70. Alguns temidos pelas crianças da época, outros divertidos para os adultos de hoje, mas todos, sem dúvida, inesquecíveis. 

O mais marcante deles foi, talvez,  Lulu Carne Seca, que chegou a virar marchinha de bloco de carnaval. Ele era visto pelas ruas ou nas arquibancadas do Campo do Friburgo equilibrando uma garrafa de Coca-Cola na cabeça. Segundo o artista plástico Mario Valdanini, que o retratou em uma de suas gravuras, o nome de Lulu  na certidão de nascimento era Luiz Gonzaga. Mas quando se dizia “incorporado pelo espírito” do personagem, ele botava a garrafa na cabeça e, às vezes, um cartaz ou até um pneu em torno do pescoço. Certa vez Lulu pediu ao artista uma fantasia de rei, sendo prontamente atendido: ganhou uma coroa e um novo cartaz, com os quais passeava pelas ruas dançando e assoviando. Mesmo maltrapilho, falava diretamente com o prefeito, juram.

Outro personagem impossível de esquecer, e também retratado por Valdanini (abaixo), foi dona Isa, mais conhecida como a Mulher da Faca - objeto que não tardou a ser trocado por uma vara, para que ela não se machucasse, nem a mais ninguém, enquanto açoitava a própria saia, em seu bailado particular. Conta Valdanini que "já bem idosa, ficava longo tempo exposta ao sol e à chuva, comendo passarinho frito que ela mesma caçava e preparava". Acabou sendo levada para a Casa dos Pobres, onde o artista foi visitá-la algumas vezes (foto mais abaixo).

Também foi lembrada Laura, ou Sileda, a mulher que andava de bicicleta cheia de sacolas penduradas, catando papéis e seguida por vários cachorros. Ela também foi pintada por Valdanini (abaixo). “Tudo o que ela achava, pendurava na bicicleta. Dizem ter sido aluna do Dores, viúva de um médico, professora, que tocava piano e que ia todos os dias ao cemitério visitar o túmulo dos pais e alimentar os pombos da Praça Getúlio Vargas”, contam.

Pisa Macio, ou Pisa Mansinho, era um pedinte muito popular na cidade na década de 80, lembrado com riqueza de detalhes. “Ele não falava nada. Dava um passo e esticava as mãos. Tinha a perna esquerda menor que a direita e pedia esmolas com um chapéu”, lembrou um internauta.

Cocadas e caquis

Também foi muito citado o seu Latini, um senhor de cabelos brancos que vendia cocadas pretas e brancas criteriosamente arrumadas em uma caixa de isopor dentro de uma bolsa de pano cáqui. “Olha a cocada, cocadinha do barulho”, anunciava. Ele morava numa rua sem saída ao lado da SEF. A esposa fazia as cocadas e ele as vendia.

E por falar em delícias, há quem nunca se esqueceu do Mata Cobra e seus picolés de água colorida - o de groselha era o favorito da turma daquele tempo.

Muitos se lembram também  da senhora que vendia caquis. Ela cantava: “Caqui, caqui!  Se tiver cica não paga,  é o caqui do Tingly!” Contam que ela usava um pano na cabeça e chegava a ficar corcunda com o peso da cesta cheia das frutas.

E por falar em mulheres, havia uma senhorinha a quem chamavam de Mudinha. Ela andava toda maquiada, com muito pó de arroz, sombra e batom, de chapéu, cheia de colares e anéis. “Eu ficava reparando em seus trajes e a quantidade de bijuterias que só aumentava! Meu irmão caçula corria dela, com medo”, relembrou alguém.

E as descrições que ficaram gravadas na memória? Maria Tostão era “uma velhinha enrugada de sol” muito conhecida em Olaria. Já Bibi Caminhão, “uma senhora muito alta, tipo europeia”, que andava pelas ruas do Centro. “Lembra quando ela entrava na nossa rua? A gente gritava Bibi Caminhão e saía correndo! Morríamos de medo dela”, contam.

E Dona Alcina? “Era uma senhora muito educada que agradecia, mas devolvia as moedas de pequeno valor. Trajava umas vestes parecidas com as das holandesas e usava uma sombrinha sempre aberta. Segundo ela, caso chovesse a sombrinha já estaria preparada”, descreveu alguém. “ Ela confeccionava toda a sua roupa à mão, usava uma touquinha branca que amarrava debaixo do queixo”, comentou outro.

Inesquecíveis portarias

Com muito carinho, vários friburguenses se lembram até hoje do seu Waldir, pipoqueiro com sua carrocinha sempre em frente ao Cinema Eldorado e, anos depois, na calçada da Alberto Braune em frente ao Cine Sao José. Tinha também o seu Patola, porteiro do cinema Leal, Compadre, do Eldorado, e o anão Ivan, que por muito tempo trabalhou na roleta de entrada do Clube do Xadrez.

Para quem estudou na Fundação Getúlio Vargas (abaixo), havia o motorista da caminhonete de apelido Bigode com “um mau humor insuperável”, definem. “Bigode corria como um desvairado naquelas caminhonetes caindo aos pedaços. Era motorista do Spinelli também. Seu Mário do bar fazia vitamina com sorvete de ameixa para ele”, relembram.

Geraldão, cuja fama de mau o precedia, aterrorizava as Braunes e a cidade inteira. Todos tinham medo dele, personagem fictício ou não. Já Caubi morava numa casa "mal assombrada" na Rua General Osório. Só se vestia de preto, com capa e botas cano longo. “Maurinho Maluco”, dizem, quebrou as cabeças das estátuas das quatro estações que ficavam na praça (mais abaixo). 

Bom Cabelo era um alemão com descendência africana. Boca de Anjo  e a esposa faziam show na praça engolindo pregos e cuspindo fogo. Seu Barroso andava sempre de paletó branco e todo enfeitado de flores. Passarinho vivia catando guimbas de cigarros pelo chão. 

Por falar em passarinho, lembraram ainda de um personagem que cantava de madrugada em inglês, uma voz linda, bem postada, que ecoava pelo Centro da cidade. Era o Ziza, que trabalhava no Fórum, cravou alguém. Paulo Vinicius preenchia as madrugadas de Friburgo com Duda no sax e ele mesmo no violão, fazendo serenatas. 

Tinha ainda o lavador de carros com o estranho apelido de Piranha, a quem muitos comerciantes pagavam só para que ele não limpasse nada com seus panos sujos. E o Sete Calças, que morava praticamente dentro do então Hospital Santo Antônio, com uma peça de roupa por cima da outra.

A propósito, uma das recentes figuras conhecidas da cidade, e que anda sumida, o andarilho Silvio Poeta se recupera em casa de um atropelamento. 

Relembre aqui outras memórias de Nova Friburgo: http://acervo.avozdaserra.com.br/noticias/lembrancas-de-uma-friburgo-que-deixou-saudades

 

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