Desmistificando o autismo

Confira a entrevista com a neurologista infantil Gislaine Cristina Abe
sábado, 02 de abril de 2022
por Christiane Coelho (Especial para a A VOZ DA SERRA)
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)

Apesar do autismo hoje ser diagnosticado também em pessoas já adultas, o ideal é que o diagnóstico aconteça cedo para que as terapias sejam iniciadas e toda potencialidade seja trabalhada. A VOZ DA SERRA conversou com a médica neurologista infantil, Gislaine Cristina Abe. Ela esclarece dúvidas sobre as diversas características do transtorno, diagnóstico e terapias.

Como o diagnóstico do transtorno do espectro autista é feito?  Existe um exame que confirme o autismo?
Gislaine Cristina Abe
: O diagnóstico do transtorno do espectro autista (TEA) é baseado em características clínicas e em aplicações de testes e questionários criados especificamente para isso. Atualmente, inserido na avaliação pediatrica de rotina aos 18 meses está o M-CHAT, um questionário que aponta as crianças com potencial risco para o autismo, e que deve ser encaminhada para uma avaliação especializada. O médico deve se basear no Manual DSM-5, que contém a descrição dos critérios necessários para se realizar o diagnóstico. No TEA, inclui-se um déficit na comunicação social ou interação social, e padrões restritos e repetitivos de comportamento. O déficit na comunicação mais comum, visto como um dos motivos mais frequentes de encaminhamento médico, é o atraso da fala na infância. Mais importante que a fala, é a interação e a comunicação. Uma criança autista pode falar, mas não ser capaz de interagir adequadamente. Um exemplo disso é a criança autista que tem ecolalia, ou seja, que repete a última palavra ou frase ouvida. A ecolalia persistente não é considerada normal para a idade. Outro critério são os padrões restritos e repetitivos de comportamento. Essa característica pode variar de intensidade em pessoas típicas, mas no autismo se apresenta como os movimentos contínuos, de girar, balançar, correr de maneira muito parecida em todas as ocasiões; interesses fixos, como a preferência por determinado assunto. Nesse caso, a criança só consegue dialogar dentro da área de interesse. Também se enquadra nessa categoria a famosa cena de colocar as mãos no ouvido quando há algum ruído alto. É a chamada hipersensibilidade a estímulos sensoriais, que também faz parte dos critérios diagnósticos. Os sintomas devem aparecer em idade precoce, e trazer prejuízo ao paciente. Uma pergunta que sempre ouço é: ¨Mas doutora, ele olha nos olhos, então ele não é autista¨. O padrão dos sintomas é bem variável de pessoa para pessoa, e o médico deve verificar se todos esses critérios estão presentes para se concluir que uma pessoa tem o diagnóstico de transtorno do espectro autista. Olhar nos olhos e não comunicar nada com esse olhar, pode ser um sintoma. Atualmente é um consenso que a grande maioria dos casos de TEA tenha causa genética. Embora seja possível que um exame genético aponte uma alteração compatível com o quadro de autismo, o teste negativo não exclui o diagnóstico, por isso ele não é rotineiramente solicitado. Quando o médico solicita exames complementares é para verificar se há alguma causa ou outra doença associada ao quadro de autismo. O teste auditivo é frequentemente solicitado para se excluir a possibilidade de déficit auditivo. Embora a ressonância nuclear magnética de crânio com espectroscopia tenha se tornado um exame de interesse para os médicos, pois às vezes ajudam no diagnóstico, sua normalidade não afasta a possibilidade do TEA.

Resumindo, ainda não há um exame que confirme o autismo. Quais as características do Transtorno do Espectro Autista?
Vou citar algumas mais comuns: não olhar (ou não gostar de olhar) nos olhos do interlocutor por período maior que dois segundos; ter sensibilidade sensorial acima do normal para sons, texturas, luzes, odores; apresentar padrões repetitivos de comportamento, como apegos a rotinas, objetos, ou manias; dificuldade de estar em ambiente com muitas pessoas; dificuldade em experimentar novidades ou em ter quebras de rotina a ponto de ficar paralisado ou não conseguir arrumar uma solução ou improviso. Em crianças, o brincar de modo estranho, e não imitar ou atender a chamados e comandos.

Quais os tratamentos para o autista? Todos precisam de medicação?
Não existe um tratamento medicamentoso para o autismo, existem medicamentos que controlam sintomas. Autistas também podem ser ansiosos, epiléticos, ter déficit de atenção, ser compulsivos ou agitados. Em alguns casos a medicação ajuda na redução desses sintomas, reduzindo o sofrimento. Nem todos os autistas precisarão do tratamento medicamentoso.

Quais as terapias indicadas?
Duas terapias são os pilares centrais do tratamento da criança autista: psicologia comportamental, fonoaudiologia. Outra modalidade que contribui muito para o desenvolvimento na criança autista é a terapia ocupacional. Outras terapias também podem ser indicadas, dependendo da necessidade do paciente. Psicomotricidade, musicoterapia, terapia nutricional, fisioterapia motora, dentre outras. 

Antigamente, achava-se que só meninos tinham autismo, hoje, já se sabe que não. Quais as diferenças entre meninos e meninas autistas?
É muito mais frequente o autismo em meninos, numa proporção de 3-4 meninos para cada menina. Porém os relatos da literatura médica descrevem os casos em meninas com um pouco mais de gravidade e resistência ao tratamento.

Há graus de autismo?
Hoje ainda se tem a classificação em graus para se definir o nível de suporte necessário para auxílio dessa criança ou adulto com autismo. Na nova classificação internacional de doenças (CID 11), foi incluído o grau como diferencial entre as categorias, tendo destaque a avaliação do QI, nível de inteligência. Vamos ver no futuro como isso funcionará na prática, mas é um recurso onde será possível diferenciar os indivíduos mais vulneráveis dentro do espectro.

Hoje também temos adultos diagnosticados tardiamente. Por que isso aconteceu? Não se tinha conhecimento para o diagnóstico?
O sistema de diagnóstico do autismo mudou ao longo do tempo. Desde 1943 onde Leo Kanner fez a primeira descrição de 11 indivíduos com características que hoje atribuímos ao autismo grave, até 1981 onde Lorna Wing cria o conceito de espectro, e em dias atuais, com novos critérios de diagnóstico através do CID-11 e do DSM-5, incluindo indivíduos com grau de comprometimento leve e moderado. Os adultos com diagnóstico tardio são indivíduos com sintomas leves, bem adaptados socialmente, provavelmente sem características dramáticas, que chamam atenção precocemente. Estes indivíduos poderiam perfeitamente se tornar adultos sem diagnóstico. Porém, em algum momento se percebem diferentes em suas escolhas, modo de pensar e agir. Ao buscar uma resposta com especialistas na área, é possível o diagnóstico, mesmo que tardio.

 

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TAGS: autismo