Nesta quinta-feira, 10, dia em que a escritora Clarice Lispector faria 100 anos de vida, A VOZ DA SERRA convidou os leitores a imaginarem em quais locais de Nova Friburgo a autora de “A paixão segundo G.H.” e “A hora da estrela” gostaria de estar, caso tivesse tido a oportunidade de morar aqui. O jornal inspirou-se na resenha escrita pela jornalista Mànya Millen para o Instituto Moreira Salles no ano passado, sobre o livro “O Rio de Clarice: passeio afetivo pela cidade”, lançado em 2018 pela Editora Autêntica.
Nele, a professora e biógrafa Teresa Montero descreve edifícios, praias, praças, restaurantes, hotéis, padarias, bancas de jornal, livrarias, cinemas e parques da capital frequentados pela escritora e, de quebra, revela um perfil menos circunspecto de Clarice, que adorava flanar pela cidade onde morou por 28 anos.
Segundo a Fundação Dom João VI, no entanto, a premiada escritora, traduzida para 32 idiomas, publicada em 40 países e tema de muitas homenagens, como os quatro painéis dedicados a ela na 1ª Bienal Virtual do Livro de São Paulo este ano, chegou a conhecer Friburgo. Em sua coluna de crônicas no “Jornal do Brasil”, Clarice escreveu sobre uma viagem de fim de semana à cidade serrana. Ela disse: “Friburgo me fascina. Tem casas cor-de-rosa e azul. A natureza fica tão tranquila quando chove!”.
A crônica, intitulada “Preguiça”, de 21 de outubro de 1972, está no livro “A descoberta do mundo”, segundo os pesquisadores da Fundação.
Segundo a biógrafa Teresa, por mais que Clarice fosse introspectiva, que não gostasse muito de fazer social, ela passeava muito pela cidade. A escritora tinha prazer em flanar pelas ruas, florestas, parques e praias do Rio, onde chegou em 1935, aos 15 anos.
Na capa do guia biográfico, por exemplo, a escritora curte a Praia de Copacabana na década de 60, ao lado dos filhos. Assim, em Friburgo, não seria difícil imaginar a mesma foto sendo ambientada, por exemplo, nos jardins do Country, no lago de Lumiar ou no Jardim do Nêgo.
O Leme, que Clarice dizia ser a “minha terra” – ela chegou lá em 1959 com os dois filhos, Pedro e Paulo, já separada do marido Maury Gurgel Valente, e permaneceu até morrer – ganhou o maior e merecido espaço. Desde 2016 a escritora, com seu cão Ulisses, está imortalizada no bairro numa estátua criada por Edgar Duvivier. Clarice gostava de circular pela rua, ir à feira, conversar com vizinhos, comprar cigarros, pilhas ou refrigerante no botequim em frente ao prédio. Em Friburgo, possivelmente ela seria muito vista pelo Centro, pela Vila Amélia, caminhando pela Avenida Alberto Braune, tomando café no Blau Blau ou no Grão Café, se fosse nos dias de hoje.
Algumas histórias contadas no livro comprovam a desconhecida faceta brincalhona da escritora. Uma das amigas de Clarice, a artista plástica Maria Bonomi, lembra que, quando vinha ao Rio, elas batiam ponto no restaurante La Fiorentina, no Leme, a qualquer hora do dia ou da noite, para conversar. Quando se sentiam incomodadas pela aproximação de outras pessoas, pegavam a pizza e iam comer na areia da praia, uma pequena travessura celebrada com muitos risos. Aqui, esta cena seria perfeitamente factível nas mesas da pizzaria Califórnia, aberta até tarde da noite, e nos bancos da Praça Getúlio Vargas.
Nas pesquisas mais aprofundadas e nas entrevistas com amigos e conhecidos, Teresa começou a descobrir uma mulher comum, que se fazia presente no dia a dia da cidade. “Claro que havia os momentos em que ela se concentrava no processo de criação, mas era mãe de dois filhos pequenos”, lembra a autora. É óbvio que, em Friburgo, Clarice bateria ponto na livraria Arabesco e no parquinho de brinquedos do Suspiro.
Quando precisava se dedicar a um livro, Clarice costumava se hospedar em um hotel, na época o Luxor Continental, no Leme. É como se ela, em Friburgo, reservasse o Dominguez, ou em qualquer outro com vista para as montanhas. “O Rio da Clarice é natureza pura”, afirma Teresa. Tudo a ver com Friburgo.
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