Todas as formas de violência contra mulheres registraram crescimento no Brasil, de 2022 para 2023, de acordo com dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Os números de estupros e estupros de vulneráveis (menores de 14 anos), por exemplo, cresceram 6,5% e alcançaram o novo recorde de 83.988 casos registrados no ano passado, o equivalente a um crime de estupro a cada seis minutos, segundo os registros das delegacias de Polícia Civil.
No início da série histórica, em 2011, foram registradas cerca de 43.869 mil ocorrências de estupro e estupro de vulneráveis no Brasil. “Isso significa um aumento de 91,5%, uma ascensão quase ininterrupta ao longo de 13 anos”, aponta o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
A violência contra a mulher de fato tem aumentado no Brasil ou estamos, enquanto sociedade, denunciando mais? “Há um processo de educação de todas as partes para reconhecer a violência de gênero e denunciá-la. Ao longo dos anos, vemos uma melhora dos registros, mas só isso não explica o crescimento, porque vemos também o aumento de homicídios, agressões e chamadas à central 190 da PM. Diferentes canais de acionamento indicam que a violência está crescendo”, afirma Juliana Martins, coordenadora de projetos do FBSP. “Vemos cada vez mais casos de violência dentro de casa, por pessoas próximas, com quem se tem um vínculo”, complementa Juliana.
De todas as ocorrências de estupro verificadas em 2023, pelo menos 76% correspondem ao crime de estupro de vulnerável, tipificado na legislação brasileira como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo, como deficiência ou enfermidade. A taxa média nacional de estupros e estupros de vulnerável foi de 41,4 por 100 mil habitantes.
A violência dentro de casa
Para Juliana Martins, os números de estupros e de estupros de vulneráveis evidencia o aumento dos últimos anos da violência intrafamiliar. “Vemos cada vez mais casos de violência dentro de casa, por pessoas próximas, com quem se tem um vínculo. Isso traz um grau de complexidade que é muito diferente de outras violências sobre as quais a gente fala. Torna mais difícil falar, denunciar, fica mais comum responsabilizar as vítimas. As próprias vítimas se sentem culpadas, têm medo. Temos que olhar para o que está acontecendo nas famílias brasileiras”, observa.
O perfil das vítimas
O perfil das vítimas de estupro e estupro de vulnerável não mudou significativamente em relação aos anos anteriores: são meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%). Também não houve variações na autoria e no local do crime: 84,7% dos agressores são familiares ou conhecidos, que cometem a violação nas próprias residências das vítimas (61,7%).
As vítimas de até 17 anos compõem 77,6% de todos os registros. Há prevalência de estupros de crianças e adolescentes na faixa de 10 a 13 anos, com 233,9 casos para cada 100 mil habitantes nesse grupo etário, uma taxa quase seis vezes superior à média nacional, de 41,4 por 100 mil.
No caso de bebês e crianças de até 4 anos, a taxa de vitimização por estupro chegou a 68,7 casos por 100 mil habitantes, 1,6 vezes superior à média no país. A maioria dessas vítimas é do sexo feminino, com taxa de 67,6 por 100 mil mulheres, seis vezes superior à média entre homens. Há, no entanto, uma particularidade a ser levada em consideração: entre os meninos, a maior incidência de estupros ocorre entre os 4 e os 6 anos de idade, caindo drasticamente à medida que se aproxima a vida adulta.
Os estados com maior taxa de estupro
Os estados com as maiores taxas de estupro foram Roraima, com 112,5 por 100 mil; Rondônia, com 107,8 por 100 mil; Acre, com 106,9 por 100 mil; Mato Grosso do Sul, com 94,4 por 100 mil; e Amapá, com 91,7 por 100 mil.
Em relação aos municípios, Sorriso (MT) lidera a lista, com 113,9, seguido por Porto Velho (RO), com 113,6, Boa Vista (RR), com 101,5, Itaituba (PA), com 100,6, e Dourados (MS), com 98,6.
Feminicídios continuam crescendo
Os feminicídios também continuam aumentando no Brasil. De 2022 para 2023, houve uma alta de 0,8%, chegando a um total de 1.467 vítimas, a maioria mulheres negras (63,6%), de 18 a 44 anos (71,1%). Mais da metade das mortes ocorre na residência – 64,3%, vítimas do parceiro íntimo (63%). O ex-parceiro é o autor do crime em 21,2% dos casos. Nove em cada dez autores de assassinatos de mulheres são homens.
O crime de stalking também registrou aumento
Os crimes de stalking, por sua vez, tiveram 77.083 registros em 2023, um aumento de 34,5% em relação ao ano anterior. Esse tipo de violência é caracterizada pela perseguição reiterada à vítima, seja por qualquer meio, ameaçando a sua integridade física ou psicológica, restringindo sua liberdade e a capacidade de locomoção, invadindo totalmente sua privacidade.
“Esse dado é especialmente relevante por ser o stalking um crime preditor de outras violências, como o feminicídio”, explica Samira Bueno, diretora executiva do FBSP. “E esse crescimento não tem influência ainda do fenômeno Bebê Rena, uma das mais populares séries de streaming, que deve resultar no aumento dos registros e tende a levar a um aumento das notificações em 2024”, completa a diretora executiva.
Importunação sexual
O crescimento do registro de crimes de importunação sexual é ainda mais elevado: 48,7%. Em números absolutos, foram 41.371 ocorrências no ano. O crescimento do registro do crime de assédio sexual foi de 28,5%, totalizando 8.135 casos. Tentativas de homicídio cresceram 9,2%, com um total de 8.372 vítimas. A violência psicológica aumentou em 33,8% e chegou a 38.507 registros.
Violência doméstica
Houve alta de 9,8%, das agressões decorrentes de violência doméstica, com 258.941 registros. A central 190, da PM, foi acionada 848.036 vezes para reportar episódios de violência doméstica. No que se refere a ameaças, houve crescimento de 16,5% no número de casos – 778.921 em números absolutos. As medidas protetivas de urgência (MPU) ultrapassaram a barreira de meio milhão: houve concessão de 540.255 delas. A Justiça acatou mais de oito a cada dez pedidos: 81,4%.
“Quando olhamos para a violência de gênero, estamos falando de relações sociais, especialmente no contexto da família, de valores, aspectos arraigados na nossa formação enquanto seres sociais. Como a gente muda isso?”, questiona Martins. “Com educação, embora isso pareça um clichê. Este é um debate que não pode ser interditado. Temos que falar disso nas escolas, de educação sexual, igualdade de gênero, as escolas são locais de fundamental papel para identificar violência, especialmente de crianças. A gente precisa de políticas de educação, acolhimento, que invistam na formação e capacitação com os profissionais que lidam com o atendimento, que entendem a complexidade desse tipo de violência. E informar incessantemente como se dá essa violência, onde procurar ajuda”, detalha a coordenadora do FBSP.
Vítimas de estupro em Nova Friburgo
De acordo com os dados do painel do Instituto de Segurança Pública (ISP), Nova Friburgo teve 61 vítimas de estupro em 2023; 49 em 2022; 61 em 2021; 61 em 2020; 60 em 2019; 56 em 2018; 55 em 2017; 48 em 2016; 52 em 2015; e 55 em 2014.
Detalhando os dados de 2023, das 61 vítimas, 55 foram mulheres. Com 16 casos sendo a relação entre a vítima e o autor (pai, mãe, padrasto ou madrasta); seis casos envolvendo outros parentes; 17 casos sem nenhuma relação e oito casos sem essa informação detalhada.
Já de acordo com dados passados pela Delegacia Especial de Atendimento à Mulher de Nova Friburgo (Deam), em 2024, de janeiro até esta semana, foram registrados cinco estupros, duas tentativas de estupro e 15 estupros de vulnerável no município.
Violência contra a mulher: condenados poderão ser identificados em site
A população do Estado do Rio de Janeiro poderá consultar a internet para identificar pessoas que foram condenadas por violência contra mulher. Projeto de lei com essa finalidade, apresentado pelo deputado estadual Léo Vieira (Republicanos), está em análise na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). A proposta segue uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com o projeto de lei 3.645/2024, o site da Secretaria estadual de Segurança Pública deverá conter uma lista de pessoas com sentença penal transitada em julgado pela prática dos seguintes crimes contra a mulher: feminicídio; estupro; estupro de vulnerável; lesão corporal; perseguição contra a mulher; violência psicológica e invasão de dispositivo informático.
Essa relação de pessoas condenadas por violência contra a mulher deverá incluir nome completo; filiação; data de nascimento; número do documento de identificação; endereço residencial e fotografia do identificado, tudo disponibilizado no site da Secretaria de Segurança Pública.
Segundo o deputado Léo Vieira, o projeto segue uma recente decisão unânime do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 18 de abril último validou o cadastro estadual de pessoas condenadas por sentença irrecorrível por crime de violência contra a mulher, considerando que não devem ser publicados nomes das vítimas ou informações capazes de permitir sua identificação.
“Todos os dias nós vemos no noticiário acontecimentos tristes decorrentes da violência contra a mulher. As pessoas já condenadas devem cumprir suas penas, e a sociedade tem o direito de saber quem elas são e o que fizeram. O cadastro tem esse objetivo, além de atender ao que o STF já permite”, argumenta o deputado estadual Léo Vieira.
O projeto de lei 3.645/2024 será analisado pelas comissões de Constituição e Justiça; Segurança Pública; Ciência e Tecnologia; Defesa dos Direitos da Mulher; Orçamento, da Alerj. (Com informações Marie Claire e Alerj)
Deixe o seu comentário