A Casa, a Rua e o Futuro

Confira o artigo do antropólogo Aluysio Athayde, fundador da .HAU – Bureau de pesquisa em comportamento, consumo e inovação
sábado, 06 de março de 2021
por Por Aluysio Athayde*
(Foto: Reprodução Internet)
(Foto: Reprodução Internet)
Um papel social é representado perante expectativas da sua plateia, a sociedade. Desempenhar um papel feminino, por exemplo, é estar sujeito a assumir determinadas posturas, jeitos, comportamentos, olhares, modos, daquilo que se espera dentro de determinada cultura. 

“Apesar das dificuldades e das constantes resistências, as mulheres ocupam inúmeros novos papéis no nosso século. Mais do que isso, a casa e a rua não parece ser mais uma dicotomia tão forte como antes”

Aluysio Athayde

Na sociedade Ocidental, a família, a casa, e o doméstico parecem estar juntos numa esfera caracterizada como feminina, enquanto as esferas públicas do trabalho, negócios e política fundem-se num mundo simbólico masculino. As relações comerciais estão imersas em competição, negociação e contrato que nossa cultura vê como separadas e em oposição às relações de intimidade, criação e cuidado associadas à família e ao lar. 

No Brasil, essa dicotomia é visível numa clara distinção entre a casa e a rua. O mundo da casa é caracterizado por estar, de certa maneira, fora do tempo e do espaço, como um nicho protegido das transformações a que passa a sociedade: a casa é cheia de conotações morais, relações pessoais, tradições religiosas, avessa ao individualismo e ao progresso. Já a rua constitui-se como o mundo das leis impessoais, do mercado, da história e do progresso individualista. 

Se a mulher é da rua, ela é “da vida”, sujeita aos mais diferentes preconceitos e críticas. Do mesmo modo, se a discussão foi na rua, então é quase certo que pode terminar em conflito. Em casa, pode-se promover um alto entendimento. Também falamos que comida de rua é ruim ou venenosa, enquanto a comida caseira é boa (ou deve ser assim) por definição. Até mesmo objetos e pessoas, como crianças, podem ser diferentemente interpretados caso sejam da rua ou de casa.

Os papéis de homem e mulher, o masculino e o feminino, associam-se a esses lugares. Mesmo hoje, no Brasil, com tantas transformações e rápidas mudanças, o homem ainda é o englobador do mundo da rua, do mercado, do trabalho, da política e das leis, ao passo que a mulher engloba o mundo da casa, da família, das regras e costumes relativos à mesa e à hospitalidade.

A Antropologia, desde os anos de 1930, já demonstrou que os papéis associados ao masculino/feminino, homem/mulher, são definidos de diferentes formas, nas mais diferentes culturas. Onde esperamos encontrar as características a que nós associamos ao papel da mulher, podemos encontrar comportamentos totalmente distintos. Em certas sociedades, não se imaginam homens e mulheres com temperamentos distintos; em outras, há uma espécie de inversão daquilo que é visto como natural na nossa sociedade: o papel masculino é associado ao afeto, e o feminino à competição e agressão. 

Muitos trabalhos e discussões já foram feitos em torno dessa temática. Um dos papéis fundamentais a que os antropólogos sempre se colocaram é o de desnaturalizar as visões: o papel de mulher pode ser desenvolvido de muitas maneiras, sem encará-lo com um essencialismo que o ligue a um lugar específico. 

A cultura molda temperamentos, personalidades, e como ela é dinâmica, esses papéis são transformados e atualizados. Apesar das dificuldades e das constantes resistências, as mulheres ocupam inúmeros novos papéis no nosso século. Mais do que isso, a casa e a rua não parece ser mais uma dicotomia tão forte como antes. Optar por estar numa dessas esferas não carrega mais tantos estigmas. 

Em tempos de pandemia, casa e rua parecem se fundir e, mais uma vez, espera-se que a mulher consiga dar conta de todos esses mundos. Esse é um momento para refletir sobre nossos papéis, sobre as associações que fazemos e o que esperamos de homens e mulheres.

Se a liberdade parece ser um caro valor ao ocidente, que ela possa estar presente nos mais diferentes espaços e que as mulheres possam exercê-la de modo pleno. 

*Aluysio Athayde é antropólogo, fundador da .HAU – Bureau de pesquisa em comportamento, consumo e inovação. 

 

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