Um papel social é representado perante expectativas da sua plateia, a sociedade. Desempenhar um papel feminino, por exemplo, é estar sujeito a assumir determinadas posturas, jeitos, comportamentos, olhares, modos, daquilo que se espera dentro de determinada cultura.
“Apesar das dificuldades e das constantes resistências, as mulheres ocupam inúmeros novos papéis no nosso século. Mais do que isso, a casa e a rua não parece ser mais uma dicotomia tão forte como antes”
Aluysio Athayde
Na sociedade Ocidental, a família, a casa, e o doméstico parecem estar juntos numa esfera caracterizada como
feminina, enquanto as esferas públicas do trabalho, negócios e política fundem-se num mundo simbólico
masculino. As relações comerciais estão imersas em competição, negociação e contrato que nossa cultura vê como separadas e em oposição às relações de intimidade, criação e cuidado associadas à família e ao lar.
No Brasil, essa dicotomia é visível numa clara distinção entre a
casa e a rua. O mundo da casa é caracterizado por estar, de certa maneira, fora do tempo e do espaço, como um nicho protegido das transformações a que passa a sociedade: a
casa é cheia de conotações morais, relações pessoais, tradições religiosas, avessa ao individualismo e ao progresso. Já a
rua constitui-se como o mundo das leis impessoais, do mercado, da história e do progresso individualista.
Se a mulher é da
rua, ela é “da vida”, sujeita aos mais diferentes preconceitos e críticas. Do mesmo modo, se a discussão foi na
rua, então é quase certo que pode terminar em conflito. Em
casa, pode-se promover um alto entendimento. Também falamos que comida de rua é ruim ou venenosa, enquanto a comida caseira é boa (ou deve ser assim) por definição. Até mesmo objetos e pessoas, como crianças, podem ser diferentemente interpretados caso sejam da rua ou de casa.
Os papéis de homem e mulher, o masculino e o feminino, associam-se a esses
lugares. Mesmo hoje, no Brasil, com tantas transformações e rápidas mudanças, o homem ainda é o englobador do mundo da
rua, do mercado, do trabalho, da política e das leis, ao passo que a mulher engloba o mundo da
casa, da família, das regras e costumes relativos à mesa e à hospitalidade.
A Antropologia, desde os anos de 1930, já demonstrou que os papéis associados ao masculino/feminino, homem/mulher, são definidos de diferentes formas, nas mais diferentes culturas. Onde esperamos encontrar as características a que nós associamos ao papel da mulher, podemos encontrar comportamentos totalmente distintos. Em certas sociedades, não se imaginam homens e mulheres com temperamentos distintos; em outras, há uma espécie de inversão daquilo que é visto como
natural na nossa sociedade: o papel masculino é associado ao afeto, e o feminino à competição e agressão.
Muitos trabalhos e discussões já foram feitos em torno dessa temática. Um dos papéis fundamentais a que os antropólogos sempre se colocaram é o de
desnaturalizar as visões: o papel de mulher pode ser desenvolvido de muitas maneiras, sem encará-lo com um essencialismo que o ligue a um lugar específico.
A cultura molda temperamentos, personalidades, e como ela é dinâmica, esses papéis são transformados e atualizados. Apesar das dificuldades e das constantes resistências, as mulheres ocupam inúmeros novos papéis no nosso século. Mais do que isso, a
casa e a rua não parece ser mais uma dicotomia tão forte como antes. Optar por estar numa dessas esferas não carrega mais tantos estigmas.
Em tempos de pandemia,
casa e
rua parecem se fundir e, mais uma vez, espera-se que a mulher consiga dar conta de todos esses mundos. Esse é um momento para refletir sobre nossos papéis, sobre as associações que fazemos e o que esperamos de homens e mulheres.
Se a liberdade parece ser um caro valor ao ocidente, que ela possa estar presente nos mais diferentes espaços e que as mulheres possam exercê-la de modo pleno.
*Aluysio Athayde é antropólogo, fundador da .HAU – Bureau de pesquisa em comportamento, consumo e inovação.
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