A definição de herói foi revista à luz da pandemia. Na minha concepção, os professores se tornaram grandes protagonistas desta empreitada humana de superar as limitações impostas pela Covid-19. Ao lado dos trabalhadores da saúde, os educadores lideraram uma jornada em prol da coletividade; à sua maneira, se rebelaram contra a impossibilidade de educar e quebraram os limites do físico para continuar, remotamente, uma missão tão grande quanto a própria vida: educar as novas gerações.
Da maneira do herói mitológico, extrapolaram os limites do que acreditamos ser possível; ao mesmo tempo, criaram uma nova maneira de resistência às adversidades. Se antes – como Joseph Campbell descreve em O Herói de Mil Faces – a nossa visão sobre o herói humano os dotava de “poderes extraordinários desde o momento em que nasceu ou em que foi concebido”, vemos, atualmente, o extraordinário sendo forjado no cotidiano adverso. Uma construção admirável!
Em sua jornada, o professor transformou os espaços domésticos – os seus e os dos alunos – em salas de aula. Nesse processo, aprendeu a dominar a tecnologia e a transformar as adversidades em formas de ensinar aos alunos o real significado da superação. No dia a dia, esteve mais próximo de pais e responsáveis; à semelhança dos heróis, sentiu o desânimo e a exaustão baterem forte, mas a autodeterminação em continuar deu esperança aos demais.
Quem não se emocionou com a professora Agnes Dissmann que percorria até 60 quilômetros para levar lições impressas aos alunos da região de Serra da Graciosa, no Paraná? Ou com o professor Arthur Cabral que, quando soube que um grupo de alunos estava excluído das aulas virtuais por falta de internet, subiu na bicicleta e foi levar lições até a casa deles, em uma comunidade na periferia do Recife? Ao longo da pandemia, que ainda permanece, essas histórias pouco triviais nos mostraram algo que havíamos esquecido: os educadores são, de fato, verdadeiros heróis modernos.
Eles são especialistas em vencer as muitas adversidades para além da pandemia. No Brasil, a falta de valorização desse profissional é histórica; muitos deles, inclusive, vivem em condições de vulnerabilidade social e econômica. É urgente que o país passe a cuidar de quem ensina. A pesquisa A situação dos professores no Brasil durante a pandemia aponta o nível do comprometimento da saúde mental do docente: a ansiedade afetou 68% dos professores; 63% relataram estresse e dor de cabeça; e 39% têm insônia. A volta às aulas presenciais se mostra um excelente momento para debatermos como vamos, como sociedade, responder adequadamente a tamanha dedicação. De invisíveis, a pandemia tornou o professor peça-central da resistência e da esperança do retorno à normalidade. Mas, não é normal seguirmos da forma anterior no que se refere aos educadores.
O retorno às aulas presenciais se mostra um momento de redescoberta da afetividade entre docentes e alunos. Se nos últimos meses a relação do professor era com as imagens que substituíram as câmeras fechadas, agora, o olho no olho volta ao centro do processo de ensino e aprendizagem; o (re)conhecer o aluno ganha um novo propósito – a voz, as expressões, o jogo corporal se ressignificam e contribuem para a superação de um tempo obscuro, inesperado e cheio de desafios. Espero que essa conexão também seja reforçada entre pais e professores pela via do afeto. Que eles se tornem aliados nesta luta que o professor tem empreendido por reconhecimento.
Os educadores, pela dedicação à sociedade, são muito mais do que atores sociais ou profissionais. São protagonistas de uma revolução que precisamos implementar na forma de aprender e de ensinar. Essa é uma peça-chave para que o país siga em direção a outro patamar de civilização.
Por último, para adicionar a essa reflexão – que espero inspirar com este artigo –, gostaria de agradecer como cidadão e como um profissional que vivencia diariamente a educação. Que esse retorno às aulas e essa nova trajetória que se inicia sejam pautados pelo respeito, pela afetividade e por novas formas de conexão respeitosas. Professor, obrigado por nos ensinar tanto nessa jornada.
*Claudio Sassaki é mestre em Educação pela Stanford University
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