A arquitetura e o urbanismo refletem o estilo de vida de um povo

Confira a entrevista sobre o assunto com a arquiteta e urbanista Núbia Gremion
sábado, 06 de novembro de 2021
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
(Foto: Lucas Lima)
(Foto: Lucas Lima)
Friburguense com atuação no Brasil e na Itália, Núbia Gremion é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU/UFRJ com intercâmbio na Università degli Studi Roma Tre (Roma, Italia). É especialista em Planejamento, Gestão e Controle de Obras Civis pela Escola Politécnica da UFRJ, certificada em Acessibilidade pela Prefeitura de São Paulo e docente da Universidade Estácio de Sá/NF. Recebeu o prêmio Agritecture and Landscape 2015 para projetos arquitetônicos e da paisagem sustentável e integrou o time de artistas da 1ª edição do Friburgo Lumi Festival. À frente do seu escritório nu studio, realiza projetos nas mais variadas escalas, sejam residenciais, corporativos, institucionais, de luminotécnica, mobiliários, interiores, além de legalizações e gerenciamento de obras. Confira sua entrevista:

“Arquitetar e urbanizar são atos que preveem o que acontecerá em 5, 10, 50 anos. É entender um povo e uma época, é unir diferentes necessidades e desejos a um senso estético em consonância com a cultura a qual se responde.

Núbia Gremion

Por qual motivo você escolheu arquitetura e urbanismo? Qual matéria a atraiu mais, ou são indissociáveis? 
Queria começar citando Philippe Daverio, que sempre menciono para os meus alunos, e demonstra o quão vítimas somos desta que é a única arte que não se pode deixar de sentir: “Você pode evitar pinturas, a música, pode até mesmo evitar a história. Mas boa sorte se tentar escapar da arquitetura”. Apresento, pois, a minha acepção de arquitetura: entre tantas possibilidades, é a síntese mais plausível —  sob a perspectiva de quem lhe confere vida, em determinada época, a respeito de um dado lugar, para um determinado público -, entre o encontro de sentimento, estabilidade, utilidade e atratividade. Hoje em dia vejo os termos “arquitetura” e “urbanismo” como indissociáveis, e a minha escolha aos 18 anos foi pautada pela busca de um curso que unisse as mais distintas áreas do conhecimento, humanas, exatas e artísticas. Arquitetura e Urbanismo andam muito e cada vez mais ligadas; a diferença entre elas, resumidamente, é a escala que tratam, se edificações, se bairros ou cidades, mas sempre de forma entrelaçada, como se dependessem uma da outra para existir; por isso, no Brasil, as graduações vêm com duplo diploma. Arquitetar e Urbanizar são atos que preveem o que acontecerá em 5, 10, 50 anos. É entender um povo e uma época, é unir diferentes necessidades e desejos a um senso estético em consonância com a cultura a qual se responde. Arquitetura e Urbanismo, no meu entendimento, são formas muito poéticas de se educar e estruturar nações. 

Do início de sua carreira para cá, como avalia a evolução da questão urbanística? O que mais tem chamado sua atenção? 
Ao longo da minha vida como estudante (que ainda sou e continuarei sempre sendo) e profissional fui tecendo uma relação muito íntima com o ser humano. Dessa paixão por gente, veio a minha primeira especialização, em Acessibilidade. Locais acessíveis não são somente propostos para pessoas cadeirantes, mas sim para abarcar o maior número de diversidade possível: crianças, adultos, adolescentes, idosos, homens, mulheres, homossexuais, deficientes físicos, visuais, mentais, turistas... A acessibilidade, hoje, ajuda a construir cidades mais saudáveis, que consideram as complexas condições de seus cidadãos, os padrões, os especiais e as fatalidades temporárias, como quebrar um pé, por exemplo. É tratar o desenho urbano de forma universal, bem como a casa da gente. Não existiria arquitetura, tampouco urbanismo, se não fosse pela existência humana; somos os seres que delegam a construção de nossas próprias casas a outro, da mesma espécie. Uma boa gestão municipal é pautada em estudos de arquitetura e urbanismo. Como grande exemplo de desenvolvimento urbano no Brasil, temos Curitiba, sob a regência do saudoso Jaime Lerner (falecido este ano). Muito mais do que técnica, arquitetura e urbanismo possuem relações intrínsecas com as sensações. No mundo inteiro há correntes de pensamento sobre cidades para pessoas, e não mais para carros, como foi à época do Modernismo (e o rodoviarismo no Brasil, com sucateamento das linhas férreas no nosso país — que desencadeou o aumento de emissão de gases que contribuem para o aumento do efeito estufa e transformações geomórficas de terrenos, como erosão e assoreamento, por exemplo). O mundo de hoje tem causas muito nobres para tratar, e não estou entrando no mérito da ecologia ou sustentabilidade — que também são essenciais. Mas em entender o que está, de fato, acontecendo; quem envolvemos, os seres humanos sem diferenciação de idade ou gêneros, posição política ou religiosa. Inclusão, seja em um espectro de acessibilidade física, mental ou computacional. Me agrada e me move, cada vez mais, a ser uma profissional engajada com as pessoas e o meio ambiente em que atuo, pensar, antes de construir, no local em que eu estou; que materiais posso utilizar que existam no entorno — na natureza ou nas indústrias e pequenos produtores locais; as necessidades das pessoas que serão os verdadeiros usuários dos ambientes que eu venha a idealizar. Me especializei em Planejamento, Gestão e Controle de Obras Civis e atualmente sou pós graduanda em User Experience and Beyond, pela PUC do Rio Grande do Sul. Ser humano – Construção – Experiência do Usuário são três vertentes que caminham cada vez mais de mãos dadas na minha jornada. E vejo como uma obrigação muito gratificante passar o que aprendo e interpreto aos meus clientes e alunos. Acima de tudo, me realizo em amar o que faço, todos os dias. 

Como expressa a sua forma de ver uma cidade? 
Enxergo cidades sob perspectivas diferentes; viajar é de uma importância sem precedentes na formação de um urbanista. Observar os fluxos de pedestres, a qualidade da manutenção de calçadas e mobiliários públicos, o índice de satisfação e simpatia das pessoas; a paisagem natural misturada à paisagem construída. O que se come, o que se faz, para onde se vai em dias de sol e em dias de chuva e frio intenso. Seus festivais, seu caráter histórico, turístico, seus destaques econômicos. Sua expressão cultural, o pequeno comércio, feiras. Quantas pessoas moram nas ruas. Para ver uma cidade, é necessário analisar diferentes pontos de vista, assim como para conhecer uma pessoa precisamos de tempo e de interação. A primeira impressão de um lugar nem sempre é a que fica... Eu, por exemplo, não gostava de São Paulo; eu a via sob uma ótica extremamente capitalista, de foco em trabalho, de pouca paisagem natural. Carioca de endereço por mais de uma década, visitar e vivenciar São Paulo sem preconceitos foi um processo, nem sei precisar quanto tempo levou; mas ao passear pelo bairro Bixiga e me deparar com uma janela de um apartamento com estantes repletas de caixas de papelão, um edifício todo em tons de cinza, em um dia nublado, algo em mim mudou; passei a enxergar a capital como um terreno de possiblidades e acontecimentos. Fértil, em toda a sua selvageria de pedra. Riquíssima, culturalmente. Repleta de museus e exposições que sempre me encantaram. Hoje é uma das minhas cidades preferidas, já morei um tempo e pretendo voltar em breve. Nasci aqui em Nova Friburgo e já morei em Niterói, Rio de Janeiro, São Paulo, e Perugia e Roma (Itália). Quase residi em Melbourne (Aus). Ainda pretendo ser nômade outra vez, viver e enxergar o novo de novo e mais uma vez. 

As questões climáticas e o aquecimento global tornaram seu trabalho mais complexo?
Se nos basearmos na história da humanidade, veremos que as mesmas questões de Programas de Necessidades atuais eram levantadas em todas as Eras. Hoje em dia devemos pensar mais globalmente, porém agir localmente, através das necessidades e não somente dos desejos. Entender conceitos de pegada ecológica, por exemplo, e trazê-lo para a nossa realidade. Não porque a natureza agradece; a pandemia nos mostrou que os problemas do mundo são diretamente proporcionais ao que o ser humano faz. Egoistamente temos que pensar em soluções de sobrevivência da nossa espécie a longo prazo e para isso, com certeza, temos que encontrar caminhos cada vez mais condizentes com um convívio equilibrado com o meio natural. 

Costuma imprimir uma marca em seus projetos?
Soluções práticas, acessíveis e criativas, que edifiquem a personalidade de quem confia em mim o pensar do seu espaço, além do respeito às normativas vigentes, em seus sentidos mais amplos — muito embora eu também tenha minhas questões com certos itens de legislações. No nu studio o foco é pensar um projeto em sua totalidade de necessidades e possibilidades de existência. Estudar a maior quantidade de informações que tenham relação com o tipo de projeto, entender o cliente (seja o responsável diretamente ou todas as demais pessoas envolvidas); não foco em desenhar um senso estético que se defina como uma etiqueta, por exemplo. 

Que mensagem deixa aqui?
A arquitetura e o urbanismo deveriam ser debatidos mais na sociedade, a iniciar com as escolas primárias. Ela está contida nos conteúdos de geografia, de história, mas de uma forma muito pincelada. Entender o que se vê todos os dias, o que se vive, o que molda nossas formas de ser e pensar, mas não se enxerga, traria, sem sombra de dúvidas, a construção de cidadãos mais conscientes. Aproveitando a ocasião, fica a sugestão de acompanhar as notícias e resoluções da COP26, através do site da ONU. 

 

Foto da galeria
(Foto: Freepik)
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