O Brasil pós-abolição: desafios e luta da população negra após o 13 de maio.

Mais de 130 anos depois, efeitos da escravidão seguem vivos nas estruturas sociais, econômicas e institucionais do país
segunda-feira, 12 de maio de 2025
por Liz Tamane
(Foto: Agência Senado)
(Foto: Agência Senado)
Em 13 de maio de 1888, a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel pôs fim oficial ao regime escravocrata no Brasil, tornando o país o último das Américas a abolir a escravidão. O marco histórico é frequentemente celebrado como símbolo de liberdade, mas, para a população negra brasileira, a data carrega uma ambiguidade dolorosa. Afinal, o fim da escravidão legal não representou, na prática, o início da liberdade plena, da justiça social ou da equidade racial. Mais de 130 anos depois, os efeitos da escravidão seguem vivos nas estruturas sociais, econômicas e institucionais do país.

fim da escravidão legal não representou, na prática, o início da liberdade plena, da justiça social ou da equidade racial
A abolição foi um ponto de partida, e não de chegada. A ausência de políticas públicas de inserção para os libertos, como acesso à terra, moradia, educação e trabalho digno, criou um abismo entre o ideal de liberdade e a realidade da população negra. Não houve um projeto de país para os negros após 1888. O Estado brasileiro simplesmente os deixou à própria sorte. Esse abandono histórico explica, em grande parte, os dados que ainda hoje escancaram desigualdades raciais profundas no Brasil.

(Foto: Agência Senado)

De acordo com o IBGE, pessoas negras (pretas e pardas) representam mais de 56% da população brasileira. No entanto, essa maioria continua sendo minoria nos espaços de poder e privilégio. São os negros os principais alvos da violência policial, os que mais enfrentam o desemprego, os que recebem os menores salários, e os que, historicamente, são empurrados para as periferias urbanas. 

Segundo o Atlas da Violência 2021, jovens negros têm 2,6 vezes mais chances de serem assassinados do que jovens brancos no Brasil. Já no mercado de trabalho, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), de 2022, revelam que trabalhadores negros recebem, em média, 40% menos do que brancos com a mesma escolaridade.

No campo da educação, embora haja avanços, como o aumento de estudantes negros no ensino superior por meio das políticas de cotas, o racismo estrutural ainda impõe barreiras. A evasão escolar é maior entre jovens negros, e a presença de professores e intelectuais negros em universidades e centros de pesquisa ainda é desproporcional. 

A luta antirracista no Brasil, portanto, exige que o 13 de maio seja repensado. Para movimentos sociais e ativistas do movimento negro, a data deve ser uma oportunidade de reflexão crítica sobre os processos históricos que mantêm a desigualdade racial. É por isso que o 20 de novembro — Dia da Consciência Negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares — vem ganhando força como símbolo da resistência e da luta contínua do povo negro, em oposição à narrativa de “redenção” associada à Lei Áurea.

O protagonismo negro tem se intensificado nas últimas décadas, especialmente com o fortalecimento de movimentos sociais, coletivos culturais, produções acadêmicas e articulações políticas que reivindicam direitos e valorizam a identidade afro-brasileira. A eleição de lideranças negras, o crescimento do afroempreendedorismo, a visibilidade de artistas negros na cultura e o aumento de políticas afirmativas são conquistas importantes. Mas especialistas alertam: o racismo estrutural ainda é um obstáculo persistente, que exige ação institucional e mudança de mentalidade da sociedade.

Além da reparação simbólica, especialistas defendem a implementação de medidas concretas, como a efetivação da lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas; o fortalecimento das ações afirmativas; a punição rigorosa ao racismo; e a ampliação do acesso a políticas públicas para as comunidades negras.

Enquanto essas mudanças estruturais não acontecem, o 13 de maio continuará sendo um lembrete incômodo de uma liberdade incompleta. E a luta antirracista seguirá exigindo que se escute as vozes negras que gritam, há séculos, que a abolição foi só o começo.

 

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