Nos últimos anos, a saúde mental no ambiente de trabalho tem se tornado uma pauta cada vez mais debatida. No entanto, a realidade pode ser ainda mais grave do que se imagina. De acordo com um levantamento realizado pelo portal G1, com base em dados do Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou um recorde de afastamentos por transtornos psicológicos em 2024: foram 472.328 licenças concedidas pelo INSS, o maior índice em uma década. Esses afastamentos representam 13,5% do total de licenças por doenças no país no último ano, evidenciando um problema que cresce de forma acelerada e que impacta diretamente trabalhadores e empresas.
Os transtornos de ansiedade, depressão, transtorno bipolar, vícios em substâncias químicas e estresse grave foram as principais razões para os afastamentos por incapacidade temporária. Um dado preocupante é que, desde 2021, os casos de afastamento por ansiedade ultrapassaram os de depressão, demonstrando as consequências prolongadas da pandemia e a instabilidade econômica que tem afetado o mercado de trabalho. Além disso, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o Brasil possui a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo, reforçando a necessidade urgente de medidas voltadas para a saúde mental dos trabalhadores.
A pandemia de Covid-19 trouxe mudanças drásticas para o mundo do trabalho, com o crescimento do home office e a intensificação das pressões no ambiente corporativo. Muitos profissionais passaram a enfrentar jornadas exaustivas, a fusão entre vida pessoal e profissional e o aumento da cobrança por produtividade. Esse cenário agravou problemas psicológicos já existentes e gerou novas preocupações relacionadas ao bem-estar dos trabalhadores.
Diante desse quadro crítico, o Ministério do Trabalho anunciou a atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), que trata da segurança e saúde no trabalho. A nova regulamentação, que entra em vigor a partir de 26 de maio, determina que todas as empresas brasileiras implementem ações para monitorar e reduzir fatores que afetam a saúde mental dos trabalhadores, como estresse excessivo, assédio moral e sobrecarga de trabalho. As organizações que não cumprirem essas exigências estarão sujeitas a fiscalização e multas.
Empresas estão preparadas?
Embora a medida represente um avanço na legislação trabalhista, a questão que surge é se as empresas estão realmente preparadas para lidar com essa nova exigência. Um levantamento realizado pela Gupy, empresa especializada em gestão de pessoas, revelou que 58,9% das grandes empresas do país oferecem algum tipo de programa ou benefício voltado para a saúde mental, como acesso a terapeutas e sessões de aconselhamento psicológico. No entanto, 20,5% das organizações ainda não adotam nenhuma ação específica para lidar com o problema.
Outro dado preocupante é que quase metade das empresas (49,1%) não fornece treinamento para gestores e equipes de Recursos Humanos sobre como identificar sinais de sofrimento mental e agir de forma adequada. Isso evidencia uma lacuna entre as políticas empresariais e a prática no dia a dia dos trabalhadores. Sem um preparo adequado das lideranças, as ações de apoio podem se tornar superficiais e ineficazes.
Mesmo com novas regulamentações, um dos principais desafios na abordagem da saúde mental no trabalho é a cultura organizacional. Em muitas empresas, ainda persiste a visão de que demonstrar vulnerabilidade emocional pode ser um sinal de fraqueza ou falta de profissionalismo. O estigma em torno do adoecimento mental muitas vezes impede que os trabalhadores busquem ajuda, com medo de represálias ou de serem rotulados como improdutivos.
Há ainda uma preocupação crescente com a falta de suporte real para aqueles que enfrentam problemas psicológicos. Algumas empresas criam iniciativas de bem-estar, mas não combatem as causas estruturais do adoecimento, como metas abusivas, cobranças excessivas e ambientes tóxicos. Sem uma mudança profunda na cultura corporativa, a saúde mental continuará sendo tratada como um tema secundário, em vez de uma prioridade estratégica.
Diante desse cenário, os próprios trabalhadores têm desempenhado um papel fundamental na reivindicação por melhores condições de saúde mental no ambiente corporativo. Movimentos como a defesa da semana de quatro dias de trabalho, limites para mensagens fora do expediente e o fortalecimento de sindicatos têm ganhado força em diversos setores.
Além disso, iniciativas internas como grupos de apoio, canais anônimos de denúncia de assédio e a busca por um equilíbrio mais saudável entre vida pessoal e profissional têm sido promovidas pelos próprios funcionários. A pressão por ambientes de trabalho mais humanos e sustentáveis pode ser um fator decisivo para que empresas adotem medidas efetivas e saiam do discurso para a prática.
A crise da saúde mental no ambiente de trabalho não pode ser ignorada. O aumento expressivo nos afastamentos e os impactos psicológicos enfrentados pelos trabalhadores mostram que esse é um problema estrutural que exige ações concretas. A atualização da NR-1 representa um passo importante para garantir que as empresas assumam a responsabilidade de proporcionar um ambiente mais saudável, mas sua efetividade dependerá do compromisso real das organizações em transformar suas práticas.
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