O fim da escala de trabalho 6 x 1

Debates sobre dignidade, direitos e impactos para trabalhadores e empresas
quinta-feira, 14 de novembro de 2024
por Liz Tamane
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)
Após movimentação massiva nas redes sociais, o debate sobre o fim da escala de trabalho 6 x 1 avançou para o âmbito legislativo e tornou-se uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Congresso Nacional. Apresentada pela deputada federal Érika Hilton (Psol-SP), a PEC que propõe reduzir a jornada máxima de trabalho para 36 horas semanais recebeu na última quarta-feira, 13, o número de assinaturas necessárias para ser protocolada na Câmara dos Deputados. A proposta visa garantir ao trabalhador mais tempo de descanso e convivência familiar, promovendo um equilíbrio maior entre a vida pessoal e profissional. A PEC agora segue para análise em comissões e, posteriormente, nas duas casas legislativas.

Discussão que propõe redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais chegou ao Congresso
A escala 6 x 1, que permite ao trabalhador uma jornada de seis dias seguidos com um dia de descanso, é um formato amplamente utilizado no Brasil, especialmente em setores como comércio e serviços. Recentemente, propostas para extinguir essa escala e reformular as jornadas de trabalho têm ganhado visibilidade no Congresso Nacional, impulsionadas por movimentos sociais e novas visões sobre qualidade de vida. O debate envolve não apenas aspectos econômicos, mas também princípios fundamentais do direito do trabalho, com questões sobre dignidade, saúde e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

A advogada trabalhista Francielle Herdi, especialista na área, contribuiu com uma análise jurídica sobre as possíveis consequências do fim da escala 6 x 1. Segundo ela, princípios como a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e o bem-estar do trabalhador são centrais para essa discussão. “O trabalho afeta diretamente a vida dos trabalhadores, inclusive na esfera pessoal. Como a parte mais vulnerável da relação, o trabalhador deve ser protegido, e o empregador não pode visar exclusivamente ao lucro, sem se ater à função social do empreendimento, o que inclui a boa saúde e qualidade de vida dos trabalhadores”, explicou Francielle.

(Foto: Arquivo pessoal)

Base jurídica e os fundamentos para extinção

Atualmente, a escala 6 x 1 está em conformidade com o artigo 7º da Constituição Federal, que garante ao trabalhador uma jornada semanal máxima de 44 horas e ao menos um dia de descanso. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também assegura o direito ao descanso semanal de 24 horas. No entanto, nenhuma dessas normas determina um formato específico de escala. 

“A jornada de seis dias de trabalho com um de descanso é considerada um patamar civilizatório mínimo, ou seja, o trabalhador deve gozar de um dia de descanso na semana, pelo menos”, detalhou Francielle ao destacar que o modelo 6 x 1 pode trazer prejuízos ao trabalhador, que, em muitos casos, dispõe de pouco tempo para descansar e se preparar para a semana seguinte. Ela menciona que o fundamento jurídico para extinguir a escala 6 x 1 está na própria dignidade do trabalhador e em direitos assegurados pela Constituição, como saúde, lazer e convivência familiar. 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos e outras convenções internacionais, como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, reforçam esses direitos, propondo uma limitação razoável da jornada de trabalho e intervalos adequados para descanso e lazer.

Cálculo de horas extras e benefícios

O fim da escala 6 x 1 traria mudanças também para o cálculo de horas extras e adicionais, especialmente para trabalhadores que atualmente acumulam jornadas adicionais para compensar a falta de tempo livre. A advogada Francielle esclarece que o cálculo de horas extras depende da quantidade de horas efetivamente trabalhadas, não sendo influenciado pela escala em si. Assim, trabalhadores em escalas distintas, como 6 x 1 ou 5 x 2, podem ter horas extras desde que excedam a carga diária de oito horas ou a semanal de 44 horas. 

“Caso haja modificação na jornada prevista, o cálculo das horas extras prestadas deverá ser feito tomando como base os novos parâmetros a serem definidos, somente se considerando jornada extraordinária o que ultrapassar o limite previsto”, pontua Francielle.

Além disso, ela menciona que, embora a extinção da escala 6 x 1 traga benefícios como maior tempo de descanso, convívio familiar e lazer, os trabalhadores que dependem de horas extras para complementar sua renda poderão sentir um impacto financeiro. A advogada sugere que medidas de proteção de renda, como a aplicação da Súmula 291 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), poderiam ser utilizadas para resguardar temporariamente o trabalhador em caso de redução de horas extras.

A advogada Francielle argumenta que uma nova escala de trabalho que substitua o modelo 6 x 1 ampliaria direitos fundamentais como descanso, lazer, acesso à cultura e convivência familiar, proporcionando um cenário mais saudável e equilibrado para os trabalhadores. Ela destaca que o regime 6 x 1 obriga frequentemente o trabalhador a conciliar seu pouco tempo livre entre tarefas cotidianas e descanso, limitando sua capacidade de recuperar energias e desenvolver projetos de vida além do trabalho. 

Normas Internacionais do Trabalho

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) vem se posicionando a favor de jornadas de trabalho que respeitem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, sendo que uma de suas primeiras convenções, em 1919, já tratava sobre a limitação da jornada laboral. Em 1935, a convenção 47 da OIT recomendou uma jornada semanal máxima de 40 horas, uma ideia que países como Dinamarca, Bélgica e Espanha têm implementado, com dados demonstrando melhoria na produtividade e no bem-estar dos trabalhadores.

Francielle observa que, para a OIT, a redução da jornada deve ser adotada com diálogo entre representantes do governo, empregados e empregadores, a fim de legitimar e harmonizar as demandas de todos os setores envolvidos.

Impactos para os empregadores

A extinção da escala 6 x 1 pode acarretar custos e desafios operacionais significativos para empregadores, especialmente em setores que exigem presença contínua de mão de obra, como comércio, serviços de saúde, hotelaria e indústrias de produção essencial. 

Com uma escala reduzida, muitas empresas precisariam contratar funcionários adicionais para cobrir os dias de folga extra concedidos aos trabalhadores, o que ampliaria os custos com salários, encargos trabalhistas e benefícios, como vale-transporte e vale-alimentação. Além dos gastos adicionais, empregadores enfrentariam o desafio logístico de reorganizar horários e redistribuir tarefas entre os funcionários para assegurar a continuidade do atendimento ou da produção. 

A advogada Francielle comentou sobre os setores que precisam de funcionários em mais dias da semana: “A redução da jornada, caso de fato seja implementada, trará consequências aos empregadores, sobretudo àqueles que necessitam de mão-de-obra disponível em mais dias da semana, a exemplo dos setores de hotelaria e comércio de produtos essenciais, como alimentos e produtos farmacêuticos”, explicou. 

Empresas de pequeno e médio porte poderiam sentir ainda mais o impacto, pois, com recursos limitados, poderiam encontrar dificuldades para suportar o aumento nos custos e para competir com grandes empresas que têm mais flexibilidade financeira. 

Outra preocupação é o possível impacto sobre a produtividade: com uma nova organização de escalas e o aumento do quadro de funcionários, o gerenciamento de pessoal poderia se tornar mais complexo, exigindo investimentos em sistemas de controle de ponto e treinamento para integração de novas equipes. 

Essas mudanças representam uma possível pressão nas margens de lucro e poderiam limitar a capacidade de expansão e inovação de algumas empresas, gerando um debate sobre como equilibrar o bem-estar dos trabalhadores com a sustentabilidade econômica dos negócios. A advogada trabalhista explica, porém, que “a sociedade é interdependente”, ou seja, nesse caso, o empregador precisa do empregado e vice-versa. Assim, a solução é que as partes interessadas se escutem e tentem chegar a um consenso.

“Pode ser necessário contratar outros empregados para compensar a folga acrescida, o que consequentemente aumentará os custos com a continuidade do negócio. Tendo em vista que a sociedade é interdependente e que medidas adotadas em prol de determinados sujeitos trazem consequência aos outros, é imprescindível a ocorrência de diálogo entre os envolvidos, com escuta ativa de todos os pontos de vista e real tentativa de consenso. Caso de fato seja implementada a redução, o que pode ser benéfico, é necessário que ocorra de forma razoável e com adequado período de adaptação, a fim de mitigar os impactos, diminuindo eventuais consequências negativas tanto para empregados quanto para empregadores”, conclui a advogada.

O fim da escala 6 x 1 representa uma oportunidade para avançar na valorização do trabalhador e promover um ambiente de trabalho mais equilibrado, com melhores condições de vida e saúde. Embora o caminho para a extinção da escala ainda dependa de uma série de etapas legislativas e negociações, a ideia já conta com o apoio de princípios constitucionais e normas internacionais. A discussão que se desenvolve no Congresso e na sociedade sobre a dignidade, o direito ao descanso e à saúde, coloca o tema como um marco na defesa dos direitos trabalhistas no Brasil.

 

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