Em 24 de outubro de 2017 os vereadores Professor Pierre, Zezinho do Caminhão, Johnny Maycon, Wellington Moreira e Marcinho Alves protocolaram a Operação Legislativa “Mãos de Sangue”, que motivou abertura de inquérito no Ministério Público Federal. Assim, em dezembro daquele ano, ocorreu a primeira operação da Polícia Federal, intitulada "Esterilização". As investigações do MPF seguiram seu curso, relembra a coluna do Massimo.
Passados dois anos, em setembro de 2019, o vereador Professor Pierre apresentou isoladamente uma segunda representação ao MPF, denominada suboperação legislativa "Juízo Final", na qual apontou superfaturamento da Ata de Preços de Duque de Caxias, aferida pelo município em 2017, em projeções diversas que indicaram patamares entre 50% e 60%. Tais projeções foram obtidas a partir de detalhada quantificação de valores reunidos em meio a extensiva análise do banco de dados do Ministério da Saúde (BPS - Banco de Preços em Saúde) e as licitações do município.
Pouco depois, em 27 de novembro de 2019, o MPF impetrou ação na Justiça Federal solicitando deferimento do juízo competente para operações. Em processo já conclusivo, o MPF reproduziu em sua petição exemplos de tabelas constantes da suboperação “Juízo Final”. E fez comprovar em suas apurações as ligações telefônicas estabelecidas entre o ex-secretário de Governo, Bruno Villas Bôas, e empresários.
A coluna do Massimo reproduz alguns trechos da manifestação do MPF, assinada pelos procuradores da República João Felipe Villa do Miu e Felipe Almeida Bogado Leite.
“Em novembro de 2017, o Ministério Público Federal recebeu substanciosa representação formulada por vereadores de Nova Friburgo dando conta de graves crimes praticados em contratações feitas pela Secretaria Municipal de Saúde ao longo de 2017. Os desvios de conduta reportados são graves e têm relação direta com a deterioração dos serviços de saúde pública no município, no ano de 2017 em diante, que vem afetando milhares de pessoas usuárias do SUS em Nova Friburgo e região circunvizinha.”
“O aprofundamento da investigação do evento ‘Carona Caxias’ e o afastamento dos sigilos forneceram quadro probatório consistente da existência de esquema criminoso articulado para a prática de delitos de associação criminosa, fraude ao caráter competitivo de licitação e peculato, além de indícios de corrupção ativa e passiva.
Em síntese, a investigação do MPF reuniu provas de atuação criminosa de agentes públicos e empresários de distribuidoras de medicamentos para desvio de verbas da saúde municipal.”
“Chefe do esquema”
Na peça, Bruno Villas Bôas, que foi coordenador de campanha de Renato Bravo à prefeitura em 2016, coordenador da transição de governo e ex-secretário municipal de Governo e da Casa Civil durante a primeira metade da atual gestão municipal, é descrito sem meias palavras como “chefe do esquema'”.
Outros quatro ex-servidores também tiveram suas atuações identificadas na ação. Entre eles estão as ex-secretárias municipais de Saúde Suzane Oliveira de Menezes e Michelle Silvares Duarte de Oliveira.
E continua a manifestação do MPF:
“Na mesma linha da constatação feita pela CGU, a representação (“Juízo Final”) apresentou dados de que o valor total das notas fiscais emitidas pelas empresas investigadas (...) superava o valor total liquidado e pago às empresas pela Prefeitura de Nova Friburgo, indicando que, mesmo após dois anos da entrega dos medicamentos, a referidas empresas não foram pagas — nem reclamaram — o crédito perante o município. O MPF submeteu as tabelas comparativas objeto da representação a escrutínio da perícia técnica do parquet. No parecer (...) a expert do MPF ratificou os números apresentados no método de comparação BPS, ressalvando pequenas inconsistências.”
“Dados do Sittel colhidos a partir da quebra de sigilo telefônico dão conta que Bruno Villas Bôas travou contatos diretos e frequentes com os sócios da empresa Telemedic Ltda (...) ao longo de 2017, antes e durante o processo ARP Caxias, sem que semelhante padrão de comunicação tenha se repetido em relação a outros fornecedores de medicamentos da prefeitura. A frequência e intensidade das comunicações demonstram o vínculo formado pelos principais agentes do esquema criminoso.”
Medidas cautelares
A coluna poderia continuar reproduzindo trechos indefinidamente, mas o leitor certamente já percebeu que o MPF utilizou termos muito mais incisivos, ainda que tivéssemos, há muito tempo, conhecimento acerca da maioria das informações ali reunidas, e que terminaram por redundar no pedido feito ao Juízo Federal sobre a necessidade de medidas cautelares, que a seguir foram deferidas pelo juiz federal da 1ª Vara Federal de Nova Friburgo, Artur Emílio de Carvalho Pinto - substituto, o qual determinou as ações constantes de sua decisão em 5 de dezembro de 2019.
“Carona de Duque”
A seguir, no dia 22 de janeiro de 2020, como desdobramento de tudo que foi descrito aqui, foi deflagrada a Operação "Carona de Duque", amplamente noticiada no Brasil inteiro. Fruto de atuação conjunta por parte do Ministério Público Federal (por ação dos procuradores da República João Felipe Villa do Miu e Felipe Almeida Bogado Leite); da Polícia Federal (sob o comando do chefe do departamento em Macaé, delegado Alexandre do Nascimento), e da Controladoria Geral da União.
Em consequência dessa operação, até mesmo veículos de Bruno Villas Bôas foram apreendidos e colocados à disposição da Polícia Federal “eis que inexiste qualquer elemento nos autos que indicasse, ainda que minimamente, a origem lícita dos veículos apreendidos. Note-se que o ônus de comprovar a licitude da origem do bem apreendido é do suposto proprietário, o que não ocorreu no caso em comento”, segundo a PF.
“Conquanto a defesa alegue que os dois veículos possuiriam origem lícita, o MPF logrou êxito em detalhar dúvidas razoáveis sobre a origem supostamente lícita daqueles bens.”
O ex-secretário tentou recorrer em 2ª instância, mas não logrou êxito no Tribunal de Justiça. A rigor, a Procuradora Regional da República, em uma das manifestações ao TJ, foi tão enfática quanto o foram as declarações reproduzidas acima. O processo judicial está parcialmente disponibilizado ao acesso, ainda contando com partes sob sigilo. Naturalmente isso significa que as investigações não cessaram.
Exemplo, vergonha e desabafo
A respeito de todo este episódio, a coluna não pode deixar de enfatizar a efetividade alcançada quando órgãos como o Poder Legislativo, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Controladoria Geral da União operam de maneira coordenada e em harmonia.
Nem tampouco pode deixar de se dirigir a todos aqueles que, ao longo dos últimos anos, por razões de conveniência medíocre, ironizaram todas as denúncias apresentadas no plenário da Câmara e neste espaço, reduzindo tudo a “politicagem” enquanto demonstravam confiar em “blindagens” por influência de padrinhos cujas identidades, em meio a ironias, nem ao menos faziam questão de disfarçar.
Ainda existe, sim, gente séria na Justiça, na imprensa, na política, nos quadros de servidores municipais, e em todas as instituições. Gente que não se vende e não se cala.
Observações do colunista
Tornou-se um aforismo, em alguns casos um hábito preguiçoso, dizer que o Brasil é o país da impunidade. Mas, como acontece tantas vezes, a generalização termina por ir além da conta e perder a razão que, numa abordagem mais moderada, continuaria lá.
Ora, existe impunidade no Brasil? Claro que sim, e muita. E, quando se trata da gestão pública, esta impunidade é certamente mais acentuada na esfera municipal. Mas definitivamente não se pode generalizar, sob pena de sermos nós mesmos os injustos.
Porque muitas vezes a Justiça age de maneira silenciosa e longe dos holofotes. Por vezes lenta, como o ponteiro da hora, que ao observador parece estar parado, mas em seu ritmo discreto gira 1º a cada dois minutos.
Deixe o seu comentário