Inclusão ou exclusão? Faltam mediadores escolares

Além disso, a falta de uma legislação sobre a capacitação de profissionais de apoio escolar preocupa pais e profissionais
sexta-feira, 08 de setembro de 2023
por Christiane Coelho Especial para A VOZ DA SERRA
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)

             O programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu no domingo passado, 3,  uma reportagem sobre a forma violenta com que uma professora falava com um aluno com Transtorno de Espectro Autista (TEA), de 12 anos, em uma escola particular de São Paulo. O fato repercutiu entre as mães de crianças com deficiência, acendendo um alerta sobre como é feita a inclusão no Brasil. Uma delas foi a jornalista Isabella Stutz, mãe de Enzo, de 4 anos, que está inserido no TEA. 

“Ao assistir a reportagem do Fantástico foi como um gatilho que dispara. Pensar que podia ser o meu filho, que poderia acontecer mais perto de mim do que imagino. Hoje o Enzo tem 4 anos, mas e quando for adolescente? Quando são pequenos são fofos e os hiperfocos são interpretados de forma diferente. Quando vão crescendo essa perspectiva muda”, disse a jornalista em seu Instagram @papodefamília, que aborda também o TEA.

             Para a psicóloga e pedagoga, Monara Eler, trabalhar com alunos com deficiência requer conhecimento e experiência. “A exclusão pode acontecer até sem que um profissional perceba que a está praticando: quando usa termos capacitistas, quando não milita pelos direitos da pessoa com deficiência, quando não se compreende a função exercida, quando se deixa de atender as necessidades tomando-as por “preguiça”, “birra” etc. Um profissional despreparado acaba contribuindo para que a deficiência do aluno fique em foco e não o seu potencial; para que as defasagens aumentem ao longo do tempo em vez de auxiliar nas superações; para que o aluno tenha ainda menos chance de equidade no processo educativo em relação aos demais alunos. Tudo isso é contrário ao que se entende por inclusão”, esclarece a psicóloga.


Qual formação deve ter um mediador

             Não há uma determinação legal a respeito da formação dos profissionais de apoio escolar e o preparo desses profissionais acaba sendo variável em cada escola ou rede de ensino. Monara explica que “o mediador deveria ser um profissional com formação no campo educacional e/ou de saúde (enquanto Saúde e Educação forem vistas como áreas diferentes e não interligadas, a visão arcaica de aprendizagem prevalece e nenhum avanço se tem de fato em termos de Educação Especial). Há cursos livres específicos para mediadores escolares que poderiam se tornar requisitos altamente recomendáveis para seu preparo. 

Do mesmo modo, a formação em pós-graduações com tema da Educação Especial e afins também seria um diferencial relevante. Contudo, a remuneração dada a este profissional no mercado de trabalho nem sempre é compatível com a possibilidade de exigir-lhe cursos como base de preparo para atuar na função. Logo, assim que contratado um mediador, cabe à escola dar uma formação inicial e fazer o devido acompanhamento com constantes supervisões e orientações.”

O papel do mediador vai além do auxílio nas tarefas escolares. “O mediador escolar atua mediando o aluno e o conhecimento, o professor, seus colegas etc. Atua favorecendo sua aprendizagem ativa e significativa em todos os campos. O aluno continua tendo um professor que planejará as aulas considerando suas necessidades específicas e o Plano de Ensino Individualizado (PEI), que adaptará e orientará as atividades e processos avaliativos, que também irá atuar em seu desenvolvimento; mas o mediador estará mais diretamente com o educando, se fazendo parceiro do professor.

Ele precisa garantir os cuidados pessoais e segurança do aluno sempre que necessário (auxiliar na higiene pessoal discente, alimentação, etc). Outro papel igualmente importante é atuar no campo da socialização do aluno, isto é, o trabalho de um mediador não se limita à sala de aula ou tarefas escolares, mas deve acontecer em todo o tempo no qual o aluno interage com outros dentro da escola: recreios, trabalhos em grupo, entrada e saída, etc. A inclusão não requer apenas atenção pedagógica, mas atenção ao aluno enquanto ser humano que se desenvolve em sua integralidade”, pontuou a psicóloga e pedagoga.

 

O que deve ser levado em conta na contratação do profissional

             Monara também fala que “talvez o maior problema do preparo do mediador esteja no fato de que não basta ter conhecimentos, mas sim ter também um determinado perfil profissional, com habilidades de empatia e outras imprescindíveis para mediar um aluno em seu processo educativo. Quando há uma seleção profissional no âmbito privado, esta precisa averiguar o preparo de um candidato para ser mediador escolar. 

Já em um concurso público, em destaque, o mediador costuma ser avaliado por alguns conhecimentos pontuados em questões objetivas ou subjetivas, mas a verdade é que além destes faz-se necessário que o mediador também tenha habilidades e características práticas para atuar, que não são captadas em provas teóricas.”


A falta de profissionais

             Mas, não é só a falta de formação específica para profissionais de apoio escolar que preocupa os pais de alunos com deficiência em Nova Friburgo, há também menos mediadores que o necessário na Rede Municipal de Educação. A mãe de um adolescente, de 13 anos, inserido no TEA, aluno de uma escola do município, denunciou que o filho está sem mediador. 

“Fui informada pela direção da escola que dois profissionais de apoio, que atuavam na escola do meu filho, saíram. E a mediadora que acompanhava meu filho passou a acompanhar outra criança, que segundo a direção, tinha mais necessidade. Mas, a médica do meu filho já emitiu um laudo informando a necessidade dele e também da regressão que ele está tendo. Fiz denúncia na Defensoria Pública, mas não tive retorno até agora”, relatou a mãe do jovem.

             A Prefeitura de Nova Friburgo informou, em nota, que “há alunos que possuem diagnóstico clínico, mas não precisam do acompanhamento do profissional de apoio escolar, apenas de adequações metodológicas e nas rotinas escolares, bem como há alunos ainda sem diagnóstico clínico e que precisam usufruir desta assistência, do mesmo modo que é possível oferecer assistência de forma compartilhada (um profissional mediador para dois, três ou mais estudantes) ou de forma exclusiva.”

             A decisão da necessidade ou não de um mediador para acompanhar uma criança com deficiência é outra questão polêmica. Monara explica que “de fato, nem todas as pessoas com deficiência necessitam do acompanhamento escolar de um mediador. Mas também não há uma regulamentação específica sobre quem deve avaliar se um aluno precisa ou não deste profissional. Outro ponto em aberto a esse respeito é sobre quantos alunos um mesmo mediador pode acompanhar, já que na realidade de escolas públicas, em especial, alguns profissionais precisam mediar mais de uma criança com deficiência na mesma turma. Normalmente as escolas fazem essa avaliação, considerando o quanto um aluno demanda em termos de acompanhamento mais constante e direcionado do que seus colegas. Assim, identificam a importância dele contar ou não com esse profissional de apoio. Os professores e/ou pedagogos, sendo os mais diretos observadores do processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno na escola, são sim capazes de identificar essa necessidade ou justificar a dispensa dela.”

           Disponibilizar um mediador escolar para um educando não envolve apenas o fato deste necessitá-lo, mas também outras questões referentes a encontrar profissionais capacitados, questões financeiras e trabalhistas presentes na contratação. 

“Algumas escolas particulares alegam não ter como arcar com o profissional e negam a necessidade do aluno apesar de real ou então, contrariamente à lei, exigem que os pais paguem o mediador (já ouvi vários relatos assim). Na esfera pública, muitas vezes ocorre de não se ter mediadores suficientes e a avaliação/atendimento da necessidade do aluno envolve também quantos desses profissionais estão disponíveis na rede. Por isso muitas vezes os profissionais da saúde, cuja atuação também engloba direta ou indiretamente desenvolvimento e habilidades necessárias à aprendizagem (neuropediatras, pediatras, psicólogos, fonoaudiólogos e outros), chegam a identificar casos nos quais os pacientes não estão evoluindo devidamente e necessitam o mediador escolar para se desenvolverem ainda mais a partir do que é estimulado na escola. Quando apesar dessa necessidade os pacientes/alunos possuem mediador, os profissionais da saúde preparam documentos como laudos, relatórios e outros solicitando a disponibilidade de um mediador escolar, inclusive mostrando o resultado de avaliações especializadas que reforçam a necessidade da mediação. Ainda assim, nem sempre são atendidos. Na falta de um instrumento oficialmente aceito para indicar a necessidade ou não de um mediador escolar, o ideal é sempre o estabelecimento de um diálogo em que todos os sujeitos possam ser ouvidos: o próprio aluno quando com condições para tal, os profissionais da escola, as famílias e os profissionais de saúde”, esclarece a psicóloga Mona Eller.


Secretaria de Educação nega aplicação da terapia ABA

             Outra mãe de um adolescente inserido no TEA nível 2 e 3, com suporte, também aluno da Rede Municipal de Educação de Nova Friburgo, que não quis se identificar, está passando por um problema com o filho. O período de adaptação dele na escola, com diminuição da carga horária, deveria ter acabado em junho, mas ele continua saindo do colégio às 15h30.

“Eles (os profissionais da escola) não conseguem ficar com ele na escola mais do que duas horas. A mediadora que está acompanhando o meu filho no momento é uma pessoa esforçada, dedicada, mas o resultado não está sendo satisfatório”, relata a mãe do jovem estudante.

             Diante dessa situação o médico aumentou as horas da terapia ABA, que ele já faz. A terapia ABA trabalha no reforço dos comportamentos positivos e é o único tratamento que possui evidência científica suficiente para ser considerado eficaz. Diferente das outras terapias, são necessárias mais horas, porque o aplicador atua nos diversos ambientes do paciente, como casa e escola.

             A mãe então, entrou com o pedido de autorização na Secretaria Municipal de Educação para que o aplicador pudesse acompanhar seu filho na escola. “A Secretaria de Educação negou porque, segundo a prefeitura, o aplicador da terapia é da área de saúde e não da educação, e não poderia atuar na escola. Meu filho já faz o acompanhamento ABA em casa e na clínica. As aplicadoras já sabem exatamente como ele funciona. Seria excelente tanto para ele, quanto para a escola e outras crianças que precisam do mediador e estão sem, porque o meu plano de saúde cobre a terapia, não há nenhuma despesa para a prefeitura. Além disso, a mediadora que está com ele poderia ser disponibilizada para outra criança, que precise e esteja sem e meu filho teria a oportunidade de ter um aproveitamento escolar muito melhor”, lamenta a mãe do menino reforçando: “O não atendimento deste pedido é negar o tratamento ao paciente, já que a aplicação da terapia ABA na escola foi prescrita por um médico, acompanhada de laudo, demonstrando a necessidade do aluno.

             Entramos em contato com a prefeitura para obter informações sobre o motivo dessa negativa, mas como nesta sexta-feira, 8, foi ponto facultativo no município, a assessoria de imprensa informou que não teria como responder.          

 

Concurso tem 300 vagas para  mediadores

             As vagas para os profissionais de apoio na educação inclusiva estão entre as que têm maior número no concurso público: 300, com salário base de R$ 1.375,27 e carga horária de 30 horas semanais. A prefeitura informou que dois processos seletivos simplificados foram abertos para contratação de profissionais de apoio escolar e que renovou os mesmos até que seja realizado o concurso público. 

             A nota da prefeitura informa ainda que “333 profissionais estão ativos e 18 pediram demissão do ano passado para cá. Atualmente, 106 horas extras foram concedidas, totalizando 439 profissionais de apoio escolar lotados nas escolas municipais.”

             Se o concurso tem o objetivo de substituir os profissionais que hoje atuam através de contratos e, hoje, 333 profissionais de apoio na educação inclusiva, contratados através de processos seletivos simplificados, não são suficientes para atender a demanda nesse setor, o concurso já começa com falta de vagas.

             Em nota, a prefeitura informou que “estabelece prioridades e urgências de atendimentos dos estudantes com quadros mais complexos para os casos mais simples no que se refere ao suporte pelo profissional de apoio escolar (mediador escolar) e ao longo do ano letivo, são realizados pareceres pela equipe de Educação Especial sobre a necessidade deste profissional para o apoio a escolarização dos estudantes com deficiência. Desta forma, o edital prevê, inicialmente, a contratação imediata de 300 candidatos aprovados e a formação de cadastro reserva que poderá ser chamado na medida do necessário e como recurso administrativo, também é possível oferecer horas extras para estes profissionais. Para além destas questões, consideramos que os contratos temporários vigentes serão respeitados e a transição dos colaboradores temporários por de carreiras será realizada de forma progressiva”, informa a nota.

 

  • Jornalista Isabela Stutz é mãe de Enzo, de 4 anos (Foto: Arquivo pessoal)

    Jornalista Isabela Stutz é mãe de Enzo, de 4 anos (Foto: Arquivo pessoal)

  • Monara Eler é psicóloga e pedagoga (Foto: Arquivo pessoal)

    Monara Eler é psicóloga e pedagoga (Foto: Arquivo pessoal)

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