Brasil tem mais de cinco mil crianças e adolescentes à espera de adoção

Mais de 34 mil pessoas ou famílias estão dispostas a adotar
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
(Foto: Freepik)
(Foto: Freepik)

Atualmente, tramitam mais de cinco mil processos de adoção no Brasil. Mais de 300 deles envolvem grupos de irmãos adotados por uma mesma família. Apenas 73 envolvem adolescentes acima de 16 anos. E menos de 15% são de crianças negras. 

Esses perfis não são nada comuns nos processos de adoção. Mas foram os escolhidos pela família da influenciadora digital Fernanda Fabris, de Indaiatuba (SP), que concluiu duas adoções “tardias”: a primeira composta de quatro irmãos; e a segunda com uma adolescente prestes a completar 18 anos. 

Agora, mãe de cinco, Fernanda passou a estudar o tema, faz palestras e posta nas redes sociais os resultados de seus estudos sobre a realidade do assunto, sem romantizar a experiência da adoção, mas encorajando as pessoas a confiarem em suas decisões.

Uma das filhas, Flávia, de 13 anos, adotada aos 11, veio junto com os três irmãos. Ao relatar a dificuldade em aceitar a nova família e de reconhecer o próprio direito ao afeto, ela avalia que vale a pena se abrir para essa nova possibilidade. 

No Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem mais de cinco mil crianças e adolescentes disponíveis para adoção. Por outro lado, mais de 34 mil pessoas ou famílias estão dispostas a adotar. É uma conta que não fecha, já que, para cada criança que espera ser adotada, existem quase sete famílias desejando adotar.

Sara Vargas, da Associação Nacional de Grupos de Apoio à Adoção (Angaad), conta que a explicação está em vários fatores. E o principal é o perfil exigido pelas famílias adotantes. 

“Para se ter uma ideia, o número de crianças e adolescentes com problemas de saúde ou alguma deficiência, que estão disponíveis para adoção, é quatro vezes maior que os perfis que estão de fato em processo de adoção. Cerca de 90% dos adotados não têm nenhum problema de saúde e nenhuma deficiência”, diz Sara.

Dados e fatos

O percentual de crianças e adolescentes pretos adotados vem subindo desde 2019, segundo dados do SNA/CNJ. Cerca de 33 mil crianças e adolescentes está atualmente em abrigos e instituições públicas no Brasil. Entre eles, 3.990 estão prontos para adoção, aguardando por uma família e um ambiente afetuoso para crescerem de maneira saudável.

Apesar do número de interessados em adotar no Brasil ser de 36.437, em 2023, há um desequilíbrio evidente. Segundo cálculos do CNJ, a maioria das crianças disponíveis para adoção (83%) tem mais de 10 anos, enquanto apenas 2,7% dos pretendentes estão dispostos a adotar nessa faixa etária. 

No primeiro ano da série, dos 759 menores de idade encaminhados à adoção, 6% (44) eram pretos, enquanto pardos e brancos representavam, respectivamente, 31% (239) e 28% (212). Em 2022, de 1.012 menores adotados, 10% eram pretos (106).

De janeiro a novembro de 2023 foram adotados 698 menores e, destes, 13,2% (92) eram pretos. Ainda de acordo com o SNA, dos 9.133 pretendentes, 5.737 aceitam qualquer uma das etnias, sendo branca, parda, amarela e preta; restam 3.396 pretendentes com, pelo menos, uma objeção. 

Cada candidato pode selecionar interesse por uma ou mais de uma etnia ou todas elas. Além dos que aceitam qualquer cor de pele, 526 escolhem a cor preta, enquanto 2.991 se interessam pelas brancas. Há 168 crianças pretas disponíveis para adoção, um grupo bem menor comparado aos pretendentes interessados.

Doulas de Adoção

Quando se fala em adotar uma criança, a maioria das pessoas pensa em um bebê, e a maioria dos pretendentes à adoção, também. No entanto, a maior parte das crianças que estão no sistema de adoção tem mais de três anos — dado do CNJ, em 2020.

A preferência dos pretendentes é principalmente por meninas, com até dois anos de idade, sem doenças graves nem irmãos. É um grande descompasso com as crianças que estão no sistema de adoção, em sua maioria meninos, com mais de cinco anos e pelo menos um irmão. 

A adoção de crianças mais velhas, porém, vem ganhando adeptos, o que fez o termo "adoção tardia" ser descartado. "Dizer 'adoção tardia' reforça a impressão de que a adoção de bebês funciona melhor, que a criança mais velha ou adolescente já 'passou da hora' de ser adotado, o que gera muita ansiedade e tristeza para as crianças", explica Marianna Muradas, uma das fundadoras do projeto Doulas de Adoção, que prepara as famílias para receberem filhos por meio da adoção.

A partir de que idade é considerada uma adoção de uma criança mais velha? Apesar de não haver uma determinação oficial, fala-se em adoção de crianças mais velhas e adolescentes quando ela acontece entre os três e os 18 anos de idade. 

A mineira Isabelle Meireles, 36, que trabalha como coordenadora em um Saica (Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes) adotou cinco crianças mais velhas junto com o marido, Thiago Meireles, 37: Naiara, Wallace, André, Flávio e Ketlen, todos adotados com idades entre quatro e 17 anos.

“A sociedade tem uma ideia errada sobre crianças mais velhas. Às vezes vemos meninos adolescentes no sinal, pedindo, vendendo, roubando, e achamos que toda criança dessa idade vai ser 'malandro', vai aprontar. Mas são crianças, como outras, e ter mais idade não impede ninguém de estabelecer uma família”, argumenta Isabelle. 

A adoção de crianças e adolescentes é mais difícil? “Não”, enfatiza Marianna, ressaltando o equívoco da ideia de que a pessoa que adota uma criança mais velha vai encarar um desafio muito grande, considerando que a criança já tem uma história e memórias.

"Existe um imagético negativo que acompanha a criança mais velha como se ela fosse se tornar um desafio, um problema. Isso não existe”, garante.

Desafios e construção

Doula de adoção, Marianna Muradas traça um paralelo que ajuda a entender: "Quando você conhece uma pessoa na balada, no trabalho ou em um aplicativo, você começa uma 'relação tardia' com ela também, sem se preocupar se ela tem traumas, como é sua família ou com o que ela já viveu antes", diz.

Para ela, a relação de pai e mãe é uma relação como todas as outras, que se constrói. “Não são esperados amor imediato nem vinculação instantânea, nem em casos de adoção de bebês, nem de crianças mais velhas e adolescentes e nem mesmo com filhos biológicos”, completa.

No que a adoção de crianças mais velhas e adolescentes é diferente? Não tem como apagar as histórias que a criança já viveu, mas é possível acolher, auxiliar e ressignificar essas histórias.

"Em alguns casos, não há processo de cura suficiente, e a única coisa a dizer é 'sinto muito que isso tenha acontecido, gostaria que tivesse sido diferente'. A relação parental depende de disposição afetiva para conexões", indica. 

Quais os maiores desafios ao adotar uma criança mais velha? “Muitos deles são os mesmos enfrentados na adoção de uma criança pequena. Principalmente no que diz respeito ao letramento da comunidade em relação à adoção, conseguir inserir a criança no novo meio social de forma respeitosa e lutar contra os preconceitos.

Não é por serem mais velhas que as crianças chegam prontas para a adoção, achando sensacional ser filho de alguém que ela mal conhece. Isso pode e deve ser construído. 

Também é importante evitar gerar uma sensação de 'gratidão obrigatória' na criança adotada. Quando a criança é maior parece que esse conceito fica mais escancarado, mais presente na fala das pessoas ao redor”, esclarece Marianna. 

Histórias a serem respeitadas

Adotar uma criança mais velha também significa adotar sua história até ali. "Uma das minhas maiores dores como mãe por adoção é pensar em momentos difíceis que meu filho viveu e nos quais eu não estava presente para ampará-lo", conta Carol Rabitto, 37, terapeuta ocupacional e doula de adoção, que adotou Jeferson quando ele tinha oito anos.

"Aquela criança, como nós, já tinha uma história, trajetória e dores próprias. Mas não há como voltar atrás: é olhar para o que ainda somos capazes de viver juntos e seguir de agora em diante", define Carol.

Quais são possíveis vantagens na adoção de crianças mais velhas e adolescentes? “Uma grande vantagem é a possibilidade do diálogo desde o começo. As relações são facilitadas pela fala e pelas conversas, o que não é possível com bebês”.

Que dicas as doulas de adoção dão? “Antes de mais nada, é importante fazer um letramento social e racial, para entender melhor a realidade de onde as crianças vêm. É fundamental reconhecer em qual estágio de desenvolvimento aquela criança está. O que significa ter um filho daquela idade? Ajustar as expectativas é outro passo relevante”. 

Isabelle sugere evitar a preocupação de como e quando contar para a criança que ela foi adotada, já que a criança mais velha tem consciência do processo e quer estar ali.

“Quando adotamos nossos filhos, eles já tinham autonomia, se expressavam. Podíamos brincar, passear, conversar e curtir nosso tempo juntos. Além do quê, não precisamos ter alguém sempre cuidando da criança, como teria sido o caso com um bebê. Isso trouxe mais liberdade para a família”, conta.

“Se a pessoa adota uma criança de 11 anos, mas a vontade real era de cuidar de um bebê de 11 meses, haverá um choque de realidade, e a chance de um novo abandono é muito grande”, alerta Muradas.

“Ninguém consegue estar totalmente preparado para ser pai ou mãe, por qualquer via e em qualquer idade. Mas quando sabemos o que desejamos com consciência, podemos elaborar melhor o projeto de parentalidade, e o caminho fica muito mais suave”, aponta Marianna.

(Fontes: ebc.com.br; ibdfam.org.br; uol.com.br/vivabem)

(com Marianna Muradas; Carol Rabitto e Ana Maux)

 

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