Uma palavra difícil de traduzir

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021
por Alan Andrade (alan@avozdaserra,com.br)
Uma palavra difícil de traduzir

Uma pesquisa realizada pela empresa britânica Today Translations, com base na opinião de mil tradutores profissionais, classificou a palavra “saudade”, na língua portuguesa, como a sétima mais difícil de se traduzir no mundo. A dificuldade não consiste na imprecisão de sua definição pelo dicionário, mas na sua adequação ao traduzir a palavra para outro idioma, uma vez que ela carrega em si referências e experiências inerentes à sua cultura de origem.

Para se ter uma ideia, uma palavra em alemão que poderia ter significado correspondente à “saudade” é o substantivo “Sehnsucht” (todos os substantivos são escritos com letra maiúscula no idioma). Sua tradução carrega um sentido amplo de “falta intensa”, descrevendo um estado emocional profundo, representando sentimentos sobre todas as esferas imperfeitas ou inacabadas da vida, que necessitam de experiências alternativas ideais.

Derivada dos termos latinos “solitatis, solitas”, que exprimiam a solidão dos portugueses ao desembarcarem no Brasil pela primeira vez, a palavra traz em seu conceito o sentir falta de alguém, algum objeto ou uma situação distante que não pode ser alcançada no momento, seja pela distância ou por seu desfecho. E esta falta traz em si uma mistura de sensações como alegria, contemplação e tristeza.

Embora o vocabulário da língua portuguesa seja bem específico ao tratar de sentimentos abstratos, existe certo desacordo quando necessitamos expressar tal sentimento. Sob a perspectiva da psicanálise, existe uma diferença entre “sentir saudade” e “sentir falta”. Geralmente, “saudade” está mais associada a boas sensações, desencadeadas por lembranças de pessoas, lugares ou situações. Em contrapartida, “sentir falta” está associado a dor – neste caso se aplicaria o sentido do substantivo alemão Sehnsucht, expressando a forma como o sentimento nos afeta.

É a partir dessa sensação de incompletude que surge o desejo por algo que nos satisfaça, tendo como parâmetro a experiência mais prazerosa com a qual se teve contato. E como jamais viveremos experiências da mesma maneira, o que pode resultar desse anseio é o descontentamento. A própria questão da dependência química gira em torno desta busca infrutífera por reviver o prazer da primeira dose.

Sentir falta é normal, pois estamos sujeitos a este sentimento desde as primeiras infâncias. O problema consiste em permanecermos neste sentimento, presos a um infindável remoer de situações e experiências passadas. Da mesma forma, a saudade pode deixar de ser algo benéfico e trazer consequências negativas, conforme nos apeguemos excessivamente ao passado.

Como resultado dessa busca incessante pelo bem-estar causado por experiências anteriores, podemos cair em estado de angústia e tristeza, a partir do instante em que compararmos os prazeres experimentados no passado com as sensações que temos hoje, que podem inclusive gerar quadros depressivos.

Diante da complexidade que já existe na própria tradução e adequação do termo, tirarmos bom proveito dessa saudade, que é inerente à natureza humana, não é algo simples. Contudo, aceitar a nova realidade e nos integrarmos a ela, nos abrindo para prazeres de novas experiências, é uma alternativa eficiente para viver o único momento que de fato existe, o presente. E levando na memória com carinho e gratidão as experiências da vida, valorizando cada uma delas.

 

 

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