Solteirão, solteirona, assim eram classificados, de forma crítica, as pessoas não casadas. E assim o tema foi tratado durante anos, com deboche e tom de crítica. Hoje, esse conceito está ultrapassado e raramente alguém faz esse tipo de comentário.
Na avaliação do psicoterapeuta e psiquiatra Luiz Cuschnir, que trabalha há 40 anos com casais e estuda as relações de gênero, "apesar de ainda persistir algumas 'derrapadas' das pessoas, percebo como um todo que os valores dessa questão do 'estar solteiro' também sofreram a influência de uma liberdade maior para cada um ser o que quiser, como e quando quiser."
Carlos Ferreira Júnior, solteiro há mais de dois anos, conta que sentiu a diferença das investidas amorosas no período de isolamento social. "No começo da pandemia eu estava em ritmo de vida de solteiro, bem animado, pós-carnaval ainda. Então, foi um baque. Agora estou mais tranquilo, me mantendo seguro. Tem dias que a carência bate, mas isso acontece. Vem e vai", comenta.
Sobre a crença de que pessoas solteiras são solitárias, ele discorda. "Muitas vezes, quando estamos namorando, esquecemos da vida social, dos amigos, enfim, e priorizamos uma pessoa que não pode suprir todas as nossas necessidades."
Opinião parecida tem Juliana Costa, uma "Solteira da Silva" há mais de cinco anos, como gosta de se autoproclamar. Ela se considera feliz assim, com ou sem pandemia. "Não penso que ser solteira seja sinônimo de solidão. É claro que você sente falta de uma pessoa bacana ao seu lado, alguém que seja companheiro de verdade. Mas, se até hoje não apareceu, é porque ainda não é o momento. Existem casais que se dizem felizes em um casamento, mas, no fundo, se sentem sozinhos."
Experiências individuais
Luiz Cuschnir explica que existem diversos "tipos de solteiros". Os intitulados "convictos" são os que menos sentiram os efeitos da quarentena, ainda no ano passado. "Há os que optaram, seja pela fase ou pelas contingências da vida, a viver sem a dependência de uma relação amorosa estável. Podem estar se sentindo supridos com outros tipos de relação ou com o sentido da vida que os conforta bem", avalia. Segundo ele, essas pessoas podem ter tido relacionamentos prévios, mas decidiram ter outras prioridades.
Dessa forma, explica ele, esse grupo já tinha criado atributos para sua rotina e podia abdicar de uma vida social intensa. "Em casa, já tinham muito prazer em ficar e fazer o que lhes aprouvesse. Podiam estar convivendo com filhos, pais, irmãos e amigos que o 'ser solteiro' na pandemia nem mudava de status a ser questionado", diz.
Já para quem estava em busca de um relacionamento, o isolamento pode ter obrigado a uma transformação significativa de interesses. "Quem buscava ativamente e frequentava lugares possíveis de conhecer está realmente desassistido de ambientes propícios”, destacou.
“Pode ser alguém que use os aplicativos de busca de parceiros, mas esse que estou descrevendo precisa do ambiente para expor seus dons de atração aliados à sua capacidade de escolha", continua, explicando que o solteiro com esse perfil pode ser homem ou mulher, e tem fases diferentes. Na de caçador, ele se programa o tempo todo e até varia as amizades que compõem o suporte para suas pesquisas. Em outra, mergulha em projetos pessoais — trabalho, estudos, experiências especiais. "Por isso, esses têm limitação com o isolamento", ressalta.
Cuschnir acrescenta que há também aqueles que se sentiram inseguros por ficarem sozinhos em casa, sem ter alguém "caso aconteça algo", mas essa companhia não necessariamente seria um namorado ou uma namorada. "É claro que isso depende da estrutura psicológica que cada um tem para compor a sua vida, com ou sem pandemia."
(Fonte: Revista Exame)
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